Conquistará o futuro quem souber
unir rolexzinhos e rolezinhos em um projeto de nação, e isso só ocorrerá com a
redução da desigualdade e a melhora da educação.
O setor de shoppings centers se
encontra acuado, nas grandes cidades brasileiras, pelo fenômeno do “rolézinho”.
A situação chegou a tal ponto, que, contrariando o direito de livre expressão,
já há centros comerciais pedindo ao Facebook que retire do ar páginas que
envolvam esse tipo de encontro, que convoca, pela internet, centenas de jovens
a comparecer, em data e horário específicos, a endereços-alvo previamente
determinados.
A justiça tem concedido liminares
que permitem aos shoppings barrar a entrada desses jovens e impedir que os encontros
se realizem em suas dependências.
Movimentos sociais de diferentes
tendências, alguns mais tradicionais, e outros surgidos, como os Black Blocks,
nas manifestações de junho, tacham as medidas adotadas pelos shoppings de
racismo e exclusão e ameaçam convocar “rolezões sociais”, já neste fim de
semana, para reagir às medidas.
Em junho de 2013, estabeleceu-se,
nas ruas e redes sociais improvável
aliança entre “rolexzinhos”, que gravavam suas mensagens contra o governo e a Copa do Mundo usando como cenário a praça
de alimentação de shoppings, e futuros “rolezinhos” da “periferia”.
A periferia pode frequentar
shopping, desde que seja identificada tão logo entre, e fique permanente sob o
olhar de vigias, e em conveniente minoria. E continue gastando como tem gasto a
classe C nos últimos anos, responsável pela explosão do faturamento do comércio
de móveis, informática e eletrônicos, por exemplo.
O problema é que os “rolézinhos”
não estão satisfeitos com isso. Eles querem “zoar”, termo que antes estava
ligado a ridicularizar, brincar com o outro, e que hoje está sendo substituído,
cada vez mais, pelo sentido de “incomodar”.
Os “rolézinhos” não querem apenas
“dar um rolé”, expressão que deu origem ao termo, ou se encontrar, conversar,
namorar. Eles querem assustar, pressionar, chocar, o pacato cidadão que
frequenta shopping, em busca de sua quota cotidiana ou semanal de lazer,
consumo, praça de alimentação e ar condicionado. Querem querem ocupar física e
maciçamente todos os espaços, dizer aos frequentadores comuns, e aos
rolexzinhos - “olha, nós somos mais fortes, mais numerosos e queremos ter as mesmas coisas, e fazer as
mesmas coisas, que vocês”.
Há que se ver como alguns
auto-designados representantes da “classe média” - que às vezes nem toma
conhecimento de sua existência - irão se manifestar, na internet, com relação
ao assunto. A direita terá coragem de defender, abertamente, a invasão dos shoppings centers pela
periferia? Ou vai torcer, secretamente, para que esses encontros, e a polêmica
em torno deles, dê origem a nova onda de protestos?
Já se identifica, entre os
“rolézinhos”, a infiltração de indivíduos cujo interesse vai além da
reivindicação social, coisa fácil de ocorrer, nesse tipo de reuniões, maciça e,
às vezes, anonimamente convocadas por meio de redes sociais.
A ABRASCE, que reúne os shoppings
centers, precisa começar a entender os “rolézinhos”, a partir de outra
perspectiva, que não seja a mera repressão, o apelo à polícia e ao judiciário.
Se cada shopping tratasse todos os frequentadores da mesma forma, independente
de sua cor ou vestimenta, e tivesse uma estrutura de lazer ou de cultura na
periferia, para sinalizar às comunidades de menor renda que o setor reconhece
sua existência e direito à dignidade, em um contexto social tradicionalmente
desigual, talvez se pudesse estabelecer um patamar maior de respeito e de
auto-estima para esses cidadãos.
É uma pena, no entanto, que o
elemento que detonou todo esse processo tenha sido, primeiramente, o
consumo.
Se extrairmos da multidão um ou
outro líder, e os “movimentos” sociais “organizados”, que, muitas vezes, são
apenas grupos de ação, momentaneamente reunidos pela internet, veremos que há
muito em comum entre os “rolézinhos” e “rolexzinhos”.
Não existe diferença entre a
conversa estéril e esnobe dos “rolexzinhos”, em volta de seus copos de uísque,
na happy hour na Avenida Paulista e as letras de funk ostentação que embalam os
“rolézinhos” nos bares e bailes da periferia.
São dois lados da mesma moeda,
dois extremos de uma sociedade na qual um par de tênis pode custar mais que dez
ou quinze livros novos, marcas de carros são cantadas em prosa e verso, e a
maior parte das pessoas desperdiça seu tempo correndo atrás do fugaz e do
vulgar, sem conseguir deixar sua marca no mundo, ou ter tido, muitas
vezes, a menor consciência política ou
espiritual do que representa estar aqui.
Conquistará o futuro quem souber
unir rolexzinhos e rolezinhos em um
projeto comum de nação, e isso só ocorrerá com a redução da desigualdade e a
melhora da educação. Quem sabe, quando contarmos, no Brasil, com um número
equivalente de excelentes universidades e centros de pesquisa, ao que temos,
agora, de grandes centros comerciais - cerca de 500 - com o mesmo volume de
investimentos e a mesma eficiência e garra, na busca e transmissão do
conhecimento, com que hoje se persegue o lucro nesses palácios de aço e
cristal.
A sociedade brasileira, com seus
“rolézinhos” e “rolexzinhos”, precisa entender que o Brasil necessita mais de
Sapiens Centers, que de Shopping Centers, para poder avançar.
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