Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo
O Nietzsche tem uma frase terrível que Harold Bloom usou
como epígrafe do seu livro Shakespeare - A Invenção do Humano: "Aquilo
para o qual encontramos palavras é algo que já morreu em nossos corações".
Estranho pensamento (significando, se não me falha a interpretação, que só
podemos falar ou escrever sobre o que não nos apaixona mais) para inaugurar um
livro como o de Bloom, um tijolo de 745 páginas escritas com evidente paixão.
Talvez o que Nietzsche quisesse dizer era que só encontramos palavras racionais
para tratar de fatos quando os fatos já não desafiam a razão ou aceleram o
coração. Ou seja: para escrever sobre um furacão é melhor não estar no meio do
furacão. Tudo é melhor compreendido a distância. Com o passar do tempo, todos
nós viramos filósofos.
Aos poucos estão sendo desvendadas as mentiras que a
ditadura nos impingiu como verdades - e que, incrivelmente, continuam sendo
verdades, ou no mínimo falsificações defensáveis, para a corporação militar -
como as farsas montadas para explicar o desaparecimento de Rubens Paiva e a
quase tragédia do Riocentro. A distância vai tornando mais fácil examinar e
falar sobre aquele Brasil de mentira, mas com o silêncio persistente dos
militares sobre a sua própria história e com torturados e torturadores ainda
vivos, além de muitos feridos indiretamente pela repressão na época, não se
pode esperar que esta volta ao passado seja desapaixonada. Num texto magnífico,
publicado há dias, o Marcelo Rubens Paiva escrevia sobre o seu pai e sobre o
que a família passou durante todos estes anos desde o seu desaparecimento, e
certamente não falava sobre algo que já morreu no seu coração.
Nietzsche também definiu piada como o epitáfio para a morte
de um sentimento. Interpretações a gosto. Acho que o que ele quis dizer se
encaixa na atual discussão sobre os limites do humor. A respeito de um
sentimento que não tem mais sentido, pode-se fazer piadas à vontade, sem
ofender ninguém. Quanto mais obsoleto e piegas o sentimento, melhor a piada. O
diabo é que um sentimento pode não valer mais nada para o humorista, mas ainda
ser um sentimento vigente para outros, e aí se dá a confusão. Neste caso, o
epitáfio é prematuro, pois o sentimento ainda não morreu.
Outra frase de Nietzsche, esta mais conhecida e menos
enigmática é: o que não nos mata nos torna mais fortes. O que serve de consolo
para humoristas obrigados a enfrentar os que não entenderam a piada.
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