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A música brega perece facilmente, como um pedaço de queijo
exposto ao sol durante horas. Embora a intelectualidade cultural dominante
"sociologize" demais os "sucessos do povão" e, num ato ao
mesmo tempo cínico e tendencioso, transforma modismos em pretensos ativismos,
nada impede que os ditos "sucessos populares" pereçam com muita
facilidade, soando "velhos" já num prazo de seis meses.
Isso demonstra a clara mediocridade musical envolvida nesses
sucessos, explicitamente feitos de acordo com interesses comerciais. São
músicas muitas vezes decididas e boladas dentro de escritórios de gravadoras ou
de agências de famosos, mas que a intelectualidade "bacana" quer
porque quer que sejam vistos como "legítima expressão das
periferias".
O modo e a persistência com que a intelectualidade
"bacana" tenta impor os "sucessos do povão" como se fosse
um processo de "rebelião popular contra as elites" é totalmente
constrangedor, por vezes risível, por outras revoltante.
Sociologiza-se demais meros sucessos tocados em rádios e
TVs, e todo um delirante discurso intelectual cria uma retórica pseudo-ativista
para "eternizar" tais sucessos. Junta-se uma manchete policial numa
festa "popular" e, pronto, para acusar as patrulhas moralistas de
1910 de perturbar as "festas do povão" é um pulo.
BLINDAGEM INTELECTUAL
Um exemplo ilustrativo ocorreu há quase dez anos. No
alvorecer da blindagem intelectual ao brega, que começou por volta de 2002 nos
veículos da grande mídia conservadora - sobretudo Rede Globo, Folha de São
Paulo e revista Contigo - e do coronelismo radiofônico-televisivo regional, mas
em 2005 já fazia proselitismo nos círculos esquerdistas, o "funk" é
um caso típico disso.
Na época, havia o horrendo sucesso de Tati Quebra-Barraco,
"Sou Feia Mas Tô Na Moda", na qual a funqueira se projetava fazendo o
papel estereotipado da "pobretona zangada", um tanto caricato,
grosseiro e que, em análise mais profunda, soa ofensivo a muitas moças pobres,
roliças e negras que, em vez de serem funqueiras "zangadas", são
domésticas, professoras, cozinheiras, donas-de-casa etc.
Tati Quebra-Barraco era muito menos rebelde do que se
imaginava, demonstrando apenas que o "funk" tem essa manobra de criar
fetiches que agradam bem a seus empresários-DJs. Mas ela se cercou de uma
poderosa blindagem intelectual que armou, a favor dela, um discurso que lançou
mão até mesmo de teses surreais e absurdas, tudo para "combater o
preconceito".
Era a intelectualidade que mal tinha saído das sessões de
cinema de Os Dois Filhos de Francisco, o blockbusters da direita acanhada que
se esconde nas esquerdas médias intelectuais, apesar de Zezé di Camargo &
Luciano serem eleitores do ruralista Ronaldo Caiado e o filme ser uma produção
da Globo Filmes.
Daí foram cortejar o "funk" não como um ritmo
dançante que não deveria ser perturbado pela truculência policial - que era o
propósito original do discurso de defesa - , mas como uma suposta "cultura
de vanguarda" que de vanguarda nada tem, não passando de uma enganosa
estratégia de marketing.
Tomando Tati Quebra-Barraco como carro-chefe dessa campanha "socializante",
o discurso intelectualoide promovia o "funk" como um pretenso
"ativismo social", com um quê de "cultura pop" e outro de
"militância política", juntando de universo fashion a lideranças comunitárias,
dentro de uma retórica tendenciosa e extremamente contraditória.
Falou-se de Tati Quebra-Barraco qualquer besteira, mesmo
aquelas descritas "com categoria" por monografias, documentários e
reportagens. Seu mito foi construído pela Folha de São Paulo e por O Globo, mas
as esquerdas médias tentaram "vender o peixe" para a intelectualidade
progressista, feito um vendedor chato que implora para que o morador de uma
casa compra seu produto chinfrim.
Ela foi tratada como se fosse uma "nova Elza
Soares", só por causa de sua origem humilde. Mas nem de longe teve o
talento da veterana cantora, que quando surgiu surpreendia pelas ótimas
informações musicais trabalhadas.
Também tornou-se inútil usar o "funk", e a
funqueira em particular, para evocar, no discurso apologético, de Antônio
Conselheiro a Andy Wahrol, nesse caldeirão ideológico que transformava o
fraquíssimo e inexpressivo "funk" na "última palavra em cultura
de vanguarda brasileira".
Só que tudo isso é marketing da pior qualidade. Propaganda
enganosa feita sob o mais engenhoso suporte intelectual, que dava sua
choradeira acusando quem rejeita o "funk" não apenas de
"preconceituoso", mas "elitista" e "moralista",
entre outros adjetivos incômodos.
SUCESSOS QUE SOAM VELHOS
O grande problema é que, passou o tempo, Tati Quebra-Barraco
desapareceu. Ficou rica, torrou a grana com cirurgias plásticas e foi curtir o
luxo da fama repentina. A intelectualidade desconversou - "o povo quer é
consumo, bens de luxo, que mal tem isso?" -, mas a funqueira depois virou
evangélica e seu sucesso não foi mais que mero "fogo de palha" para
uma retórica por demais sofisticada.
Além disso, jogar "Sou Feia Mas Tô Na Moda" para o
âmbito da vanguarda artística não deu certo. Nem cooptando atores performáticos
ou músicos excêntricos para cortejar o "funk" entre festinhas fashion
e palestras "comunitárias". A música pereceu e hoje soa, além de
ruim, extremamente velha e cansativa.
Esse não é um único exemplo. Na axé-music, por exemplo, em
que pese toda a pregação de que a música comercial-carnavalesca baiana é
"herdeira oficial do Tropicalismo", suas músicas e seus ídolos soam
velhos e mofados, muitos deles sendo condenados a desaparecer com o tempo.
Luiz Caldas hoje soa como um brega querendo voltar à
carreira, se passando por "gênio injustiçado". Chiclete Com Banana
desgastou sua imagem com a prepotência do já velho Bell Marques, que teve que
sair do grupo. Netinho sobreviveu ao câncer, mas soa artisticamente morto. O É
O Tchan poucos têm coragem de reabilitar, apesar do esforço oportunista de uma
historiadora.
Imagine então os sucessos menores, de grupos que aparecem e
somem sem deixar rastros? Na axé-music, foi constrangedora a tentativa de
relançar As Meninas com uma tese conspiratória dizendo que "Xibom
Bombom", de autoria de um rico empresário baiano, era uma letra
"marxista".
Fora da axé-music, então, um sem número de "sucessos
populares" soa hoje velho e cansado, de "Adocica", de Beto
Barbosa a "Passinho do Volante", de MC Federado e Os Lelekes. Até
"Ai Se Eu Te Pego", sucesso de Michel Teló, tentou relançar a
blindagem intelectualoide de "Sou Feia Mas Tô Na Moda", mas hoje
também soa muito velha.
Até os neo-bregas dos anos 90, como Alexandre Pires,
Chitãozinho & Xororó, Leonardo, Daniel e tantos outros se perderam no
revival de si mesmos, incapazes de ter um repertório consistente e parasitando
covers de MPB que só agradam os mais condescendentes. E hoje também soam velhos,
cansados e ultrapassados.
Em contrapartida, as verdadeiras canções sempre permanecem
com um admirável frescor de novo, se renovam a cada audição. Citar João
Gilberto e Beatles são apenas os casos mais óbvios. A blindagem intelectual
tentou fazer ficar perenes os sucessos brega-popularescos, com o claro apoio da
velha grande mídia, esta também velha e cansada para além da conta.
Pior. Os nossos próprios intelectuais também soam velhos e
cansados. Eles acreditam num Brasil brega, e brega, pelo que se saiba, é
subemprego, pobreza, ignorância e mofo glamourizados pela mídia coronelista.
Daí ter sido inútil transformar essa blindagem em discurso progressista, perene
ou tudo de bom que vier por aí. Porque até esse discurso também se torna velho
e cansado.
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