Maurício Thuswohl – Carta Maior
Rio de Janeiro – A expectativa em relação à ocorrência de
novas manifestações de massa no Brasil neste ano eleitoral e de Copa do Mundo é
grande, sobretudo no que diz respeito à ação violenta de grupos radicais.
Tornado célebre, o movimento Black Block é o que leva maior apreensão às
autoridades, graças à imprevisibilidade de seus integrantes mascarados e de seu
método de luta baseado na depredação do patrimônio, seja público ou privado.
Compreender melhor o que é e o que significa este movimento é uma tarefa a qual
se dedicam diversos cientistas políticos. Para indagar se a forma de luta
personificada pelos Black Blocks pode ser considerada moderna e se chegou ao
Brasil para ficar, a Carta Maior ouviu três especialistas que atuam em
universidades em três das cidades brasileiras – São Paulo, Brasília e Rio de
Janeiro – mais impactadas pelas ações dos grupos radicais, e pela reação da
polícia, durante as manifestações ocorridas desde junho do ano passado.
Respondendo às mesmas perguntas, os professores e cientistas
políticos Marcia Ribeiro Dias, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro (Iuperj), Humberto Dantas, da Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (Fesp) e Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília
(UnB), concordam que a forma de luta personificada pelos Black Blocks é radical
e tem como alvo prioritário a destruição do sistema político, econômico e
social vigente, se distanciando das formas de luta tradicionalmente utilizadas
pelos movimentos sociais e partidos políticos no Brasil. Segundo os
especialistas, o movimento, no entanto, carece de organização, é muito
fragmentado e vulnerável a possíveis pressões de partidos políticos,
extremistas ou não.
Leia a seguir a íntegra das entrevistas.
Os métodos utilizados pelos Black Blocks, que ganharam
escala durante as manifestações antiglobalização na Europa e desde o ano
passado chegaram ao Brasil, são uma forma de fazer política que veio para
ficar? Ela pode ser considerada uma forma “moderna” de luta pelo poder
político?
Humberto Dantas - Que é uma forma de fazer política, eu
concordo. O que precisamos discutir é se essa é uma boa forma de fazer
política. É moderna, talvez, no método de organizar, de marcar, de combinar
seus encontros e de atuar em pequenos grupos tecnicamente treinados para se
movimentar no meio de multidões e criar situações, em alguns casos, bastante
radicais. Mas, eu não consigo enxergar isso como uma novidade expressiva,
talvez ela possa ser a variação de alguma coisa que existe há muito tempo. São
abusos em manifestações que por vezes transcendem os aspectos mais
democráticos. Mas, sem dúvida nenhuma, é um jeito de fazer política. Não acho
que seja moderno, são variações sobre o mesmo tema.
Leonardo Barreto - Difícil dizer. O que temos visto é uma
onda de novas leis anti-Black Blocks, como a proibição de manifestações usando
máscaras, por exemplo, que visa a enfraquecer o movimento. Além disso,
aparentemente, a estratégia perdeu apoio popular. Particularmente, acredito
que, na sua essência, os Black Blocks são movimentos de negação política, e
tenho minhas dúvidas se eles podem se transformar em uma plataforma reformista.
Por isso, tenho a impressão de que a sua presença na cena política acontecerá
na forma de sombra, de um fantasma ou de uma ameaça desestabilizadora que
poderá ocasionalmente voltar às ruas com os seus resultados imprevisíveis.
Márcia Ribeiro Dias - É um modo de fazer política que não
deixa de ser um ativismo. Então, nesse sentido, é interessante porque é
diferente daquilo que a gente conhece dos modos tradicionais de fazer política.
Uma de suas características é que vem acompanhado de um certo grau de
violência, de agressividade contra as instituições sociais, políticas e
econômicas estabelecidas. É um movimento muito disforme, que se assume sem
lideranças claramente definidas e tem, inclusive, anti-lideranças. O poder
tradicional conta com lideranças, com instituições tradicionais como os
partidos políticos. Esse movimento se assume como anti-político no sentido mais
tradicional do termo, então é muito complicado tratar os Black Blocks como um
movimento político. Sua principal característica é exatamente a anti-política,
é um modo de fazer política contrário não só ao modo tradicional de fazer
política, mas também contrário às instituições estabelecidas. Está muito mais
próximo de um movimento anarquista.
Mas, ele tem também algumas características revolucionárias,
pois não está propondo uma mudança do sistema de dentro para fora, mas de fora
para dentro no sentido de uma ruptura. Mas, é um movimento pequeno. Nas grandes
manifestações, os Black Blocks são uma amostra muito pequena da realidade. A
grande maioria dos manifestantes não tem a mesma pré-disposição para ações
violentas. Na medida em que eles se ocultam, tentam ocultar a face, facilitam
ações ilegais como quebrar o patrimônio público ou privado. Estão contra a lei,
isso os coloca em situação de fragilidade, por isso se ocultam. Mas, todos
esses movimentos, mesmo os internacionais como o Occupy, por exemplo, contam
com milhares de pessoas que não têm aquela mesma disposição. Os Black Blocks
são um segmento deste movimento, que é muito importante, e se coloca de forma
contrária às instituições políticas tradicionais e estabelecidas. Os Black
Blocks são a ponta radical deste movimento.
Qual o papel dos partidos políticos (sobretudo os de extrema
esquerda ou extrema direita) na consolidação dessa nova forma de fazer
política?
Leonardo Barreto - Considerando os Black Blocks como
movimentos com grande potencial de desestabilização, a tendência é que eles
sejam “convocados” para criarem estados de comoção. O problema é que, a
despeito do suposto envolvimento do PSOL com eles, a falta de organização e de
lideranças reconhecidas dificulta a interação com os partidos formais. Ainda
imagino os Black Blocks autênticos mais como fenômenos de combustão espontânea
do que de estratégias orquestradas.
Márcia Ribeiro Dias - Eu acho difícil que cumpram algum
papel, porque o movimento é anti-partidário e rejeita as instituições
partidárias. Eu não atribuiria seus métodos a uma ação de extrema-esquerda ou
extrema-direita, porque nossos partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita
não são anti-sistema, mas os Black Blocks são. Mas, em tese, pode, sim, ter
partido político envolvido nas ações dos Black Blocks. Essas descobertas
recentes sobre aquele episódio infeliz que acabou resultando na morte de um
jornalista acabaram revelando que tem gente fomentando esse tipo de ação, ou
seja, que nem todos os Black Blocks estão atuando por ideologia ou por uma causa.
Estão atuando por dinheiro, e aí eu acredito que pode ser qualquer partido
político por trás disso, não precisam ser partidos extremos, porque o objetivo
pode ser desestabilizar os governos nesse ano eleitoral. Se tem algum partido
político que se aproveita dessa situação para comprar manifestantes para
deliberadamente complicar as manifestações, é muito mais no sentido de
desestabilizar governos ou desestabilizar o próprio movimento, pois, uma vez
que essas manifestações se tornam uma coisa mal vista pela opinião pública, um
certo número de pessoas vai começar a desistir desse tipo de participação.
Eu acho que deve se considerar essa possibilidade de
influência tanto de um lado quanto do outro, tanto da oposição quanto dos
partidos que estão instituídos nos diversos níveis de governo. Mas, não acho
que sejam os partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque no Brasil
esses não são partidos tradicionalmente anti-sistema. O que a gente
classificaria como extrema-esquerda no Brasil? Eu não incluiria o PSOL, que é
um partido de esquerda bastante conformado com o sistema político que está aí.
Incluiríamos o PCO? Mas, esse é um partido muito pequeno, praticamente não
existe. Eles não teriam dinheiro para pagar manifestante. Quem tem dinheiro
para pagar manifestante são os grandes partidos. A extrema-direita no Brasil
não existe, pelo menos de forma declarada. O único partido de extrema-direita
que a gente conheceu recentemente foi o PRONA, mas esse desapareceu junto com o
seu líder. Tirando isso, a extrema-direita não se assume no Brasil. Ela pode
existir, pode estar por trás do movimento Black Block, mas não de forma
político-partidária.
Humberto Dantas - O interessante nesse caso é dividir a
atuação dos partidos em dois grandes momentos. Há quem diga que os partidos
nesse instante, e já há alguns meses, trabalham nos bastidores junto a esses
manifestantes, mas não aparecem de forma expressiva. A gente precisa tomar
cuidado com essas acusações e apontamentos, mas precisamos investir sobre eles
para verificar em que medida estão corretos ou não. Por mais livre que o
partido seja legalmente para fazer uso do recurso público que recebe, ele não
pode ter grupos paramilitares montados. Isso é claro na lei dos partidos
políticos e está, inclusive, na Constituição. Partido político não pode ter
qualquer relação com grupo uniformizado que gere conflitos dentro da sociedade.
Isso é a antítese do conceito de partido político legalmente instituído no
Brasil. A gente precisa compreender em que medida os partidos têm agido dessa
forma e, se estiverem agindo, obviamente serão punidos em virtude das lei que
regem essas organizações.
Os partidos políticos sofrem no Brasil uma crise de
legitimidade significativa diante do cidadão comum. As pesquisas de confiança
nas instituições mostram os partidos políticos em situação expressivamente
delicada em relação à visão pública. Então, esses partidos não conseguem
encontrar espaço nessas manifestações porque elas não nasceram no seio desses
partidos políticos. Eles pensaram ou objetivaram que seriam bem aceitos nessas
manifestações, o problema é que devido ao desgaste frente à opinião pública
eles não foram bem aceitos, independentemente da bandeira. Temos um problema de
crise de legitimidade dos partidos políticos diante dos cidadãos comuns. Isso é
muito ruim para uma democracia que se pauta de maneira muito forte nos partidos
políticos enquanto organizações que legalmente deveriam de forma legítima
representar interesses diferentes dentro da sociedade.
A velha forma de fazer política – com as tradicionais
manifestações de rua e suas bandeiras de luta e lideranças bem definidas – está
definitivamente condenada pelo surgimento de formas de luta como as utilizadas
pelos Black Blocks?
Márcia Ribeiro Dias - O que a gente está vendo com esse
movimento Black Block é que ele pode ser algo passageiro, exatamente porque se
estrutura de forma anti-política, do que ter surgido para constituir uma nova
forma duradoura de fazer política. Na medida em que se coloca contra as
instituições estabelecidas, ele é uma forma que não interage com o sistema, mas
age por fora do sistema. Então, eu acho que é muito mais momentâneo e pontual.
Da mesma forma que se constituiu de forma espontânea, pode se desestruturar com
uma certa facilidade desde que outras coisas se coloquem em seu lugar, porque
não existe uma ideologia claramente definida e colocada. Por outro lado, as
últimas manifestações, vistas em sua plenitude, trazem uma contribuição
fantástica para a política estabelecida, que é parar e olhar que existe uma
insatisfação latente na sociedade da qual esses manifestantes são porta-vozes.
Se eles conseguirem uma resposta das instituições políticas estabelecidas em
relação a essas demandas que estão latentes na sociedade, nós já teremos um
ganho político enorme.
Humberto Dantas - Eu não sei se o formato antigo está com a
validade vencida, mas o fato é que emergiu um jeito novo. E esse jeito novo é
mais horizontal, ou seja, não tem um caminhão onde alguém que tenha o microfone
manda na pauta, e também mais pulverizado do ponto de vista das vontades,
demandas, expectativas e desejos que conseguem concentrar. Não são mais milhões
de pessoas que vão às ruas para pedir eleições diretas para presidente e ponto
ou o impeachment do Collor e ponto. São pessoas que se encontram em grandes
movimentos e grandes manifestações com expectativas e motivações diversas. Essa
diversidade é significativamente democrática e expressiva, mas também carrega
pontos que se distanciam da curva comum da manifestação pacífica. Aí a gente
percebe manifestantes às vezes exagerando, abusando, ultrapassando limites
legais e colocando em risco não só a legitimidade de alguns movimentos, como
também o caráter legal do que deveria acontecer. A gente também percebe um
absoluto despreparo dos organismos públicos para lidarem com isso. Quando as
duas partes não se entendem, a gente percebe um limite à intolerância que é
perigoso.
Leonardo Barreto - Depende. Os “coxinhas”, por assim dizer,
protestaram de forma mais parecida com a tradicional, exceto pela intolerância
também demonstrada contra a presença de partidos políticos e de algumas organizações
da mídia. Mas, concordo que deverá ficar mais difícil encontrar lideranças
porque a horizontalidade é a grande marca dos movimentos na era das redes
sociais. As organizações intermediárias, que eram essenciais para mobilizar
pessoas no passado, perderam boa parte do seu sentido e as pessoas não querem
delegar seu direito de voz para mais ninguém. Nesse sentido, é bom esperarmos
por uma reorganização do espaço e das formas de protestos. Parece realmente
tudo novo a partir daqui.
Créditos da foto: Arquivo
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