No Chile, o primeiro ato da
derrubada de Salvador Allende desenrolou-se com uma paralisação de transportes
seguida de um lock-out do comércio de alimentos.
por Wanderley Guilherme dos
Santos
Também seguimos inseguros, os
empenhados existencialmente nesse fluxo histórico de espetacular transformação
da comunidade brasileira. Também seguem meio desorientados os que apostaram na
capacidade de um punhado de políticos de boa cepa ensinar ao país que é
possível perseguir uma sociedade justa, não obstante os entulhos de um passado
oligarca e suas reencarnações tatibitati. Mas incomoda vê-los hesitar diante
das vociferações dos antidemocratas de todas as cores. A imagem de meia dúzia
de desatinados, entre os quais índios sem teto ou sem oca, expostos a selfies na
marquise do Congresso não prenuncia nada engraçado. Muito menos folclóricos
ainda são os gigantescos engarrafamentos castigando a população que retorna do
trabalho, à conta da intimidação promovida por uns poucos buldogues
ameaçadores, fora da linha sindical. São movimentos de carregação aproveitados,
bandeiras à vista, por legendas partidárias sem expressão e sem voto, desafio
da força bruta ocasional à tolerância democrática.
A democracia é, por certo, um
sistema político que garante voz a quem deseja acabar com ela, mas não é um
arranjo institucional de espinhela caída a permitir ações que constrangem a
maioria da população. O conhecido e histórico oportunismo de certos grupos
sociais – trabalhadores em transportes, especialmente de massas, e empregados em
saúde pública – e de rótulos partidários sem energia própria podem, parasitando
a inércia das instituições legítimas e com divulgação garantida, persuadir a
maioria não organizada dos cidadãos que são eles os minoritários. Imprensados
entre a balbúrdia com proteção jornalística e o silêncio governamental, ficam
os trabalhadores em dúvida sobre se a melhoria em suas condições de vida não
constitui imerecida exceção num país aparentemente em ruínas.
Quem conhece o todo e não
compartilha informação com os beneficiados comete grave erro de propaganda
política. Faz parte da obrigação governamental não apenas fazer, mas fazer
saber. Em 27 de maio último, por exemplo, o Senado aprovou proposta tornando
legal a expropriação de empresas que explorem trabalho escravo. Não há em
nenhum lugar do mundo legislação semelhante. Tal como o programa bolsa-família,
essa legislação será em breve copiada por outros países, pois o trabalho
escravo não é monopólio de países pobres. Contudo, notícia de tal importância
foi relegada a páginas remotas dos diários ou nem mesmo registrada. Do mesmo
modo, o imenso planejamento das benfeitorias que serão deixadas pela Copa de
futebol, muitas das quais já operando, foi até aqui esmagado por uma das mais
estúpidas campanhas jamais patrocinada pelo conservadorismo oposicionista e
uisquerdóides de todos os tempos. Pois vai ter Copa, sim, assegurada pela
maioria real do país e apesar do paralisante acidente vascular do governo.
Minorias têm direitos, mas não
podem ter o poder de subjugar a maioria. Tratá-la como maioria é traição
institucional e política. A população trabalhadora tem direito a exigir
transportes suficientes e em boas condições, mas previamente tem o direito
constitucional de ir e vir. Conta-se que, na China pré-conquista do poder, o
Partido Comunista organizava greve de bondes fazendo os transportes rodarem
gratuitamente. Não li que jamais os incendiasse e obrigasse os trabalhadores
seguirem a pé para suas casas. Já no Chile, o primeiro ato da derrubada de
Salvador Allende desenrolou-se com uma paralisação de transportes seguida de um
lock-out do comércio de alimentos. Não conheço tratado de política em que tais
movimentos prenunciem avanços democráticos. Conheço histórias em que os
desfechos foram tiranias longevas.
Há razão para a ansiedade de
parte da população e para o desejo de mudança. Já não é tão claro, apesar de
destemidos intérpretes e fora os itens costumeiros de melhor transporte, saúde,
educação e segurança, o que deseja a significativa maioria da população. Pelo que
costuma responder sobre a difusão da violência, o anarquismo sem rumo dos
blaquiblocs e aparentados, esplendidamente repelidos, o que a maioria deseja é
mudar a sociedade. É importante que as autoridades meditem sobre isso, não se
entreguem às interpretações velhacas e tragam segurança jurídica e existencial
à maioria. São pagas para isso.
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