Do tempo da Jugoslávia
por Igor Grabois, especial para o Viomundo
Fatos históricos importantes, muitas vezes, passam em branco
para seus contemporâneos. Nos dias 15, 16 e 17 de julho, em Fortaleza, ocorre a
VI Cúpula dos BRICS. As Cúpulas têm reunido os Chefes de Estado de Brasil,
Rússia, China, Índia e África do Sul anualmente desde 2009. A reunião de
Fortaleza deverá consolidar os BRICS como uma organização dotada de
instrumentos concretos para influir na economia e política internacionais. Este
evento não tem merecido a atenção devida na mídia, na academia e nos debates da
internet.
Os círculos bem-pensantes e a mídia no Brasil se espelham na
Europa e nos EUA. Desprezam a integração sul-americana e torcem o nariz para as
iniciativas Sul-Sul. Uma política brasileira para a África provoca reações
entre o escárnio e a ojeriza.
Promovem uma campanha sistemática contra o MERCOSUL. Querem
a ALCA e o TAFTA (acordo de comércio e investimentos entre EUA e União
Européia).
Quanto aos BRICS, a conversa é de que eles não têm nada em
comum, exceto o tamanho. Pois eles têm muitas coisas em comum: o inimigo.
Os BRICS representam 43% da população mundial, 27% do PIB
mundial e apenas 15% das cotas do FMI. Pelo critério do poder de compra, a
China é a primeira economia mundial, a Índia a quarta, o Brasil a sétima e a
Rússia a décima economia mundial. Estão fora do G-8, que voltou a ser G-7, após
a expulsão da Rússia em função da crise ucraniana.
Crescimento econômico, agricultura, participação no comércio
exterior, indústria, produção de energia etc, todos os dados mostram a ascensão
dos BRICS e a estagnação do G-7.
Rússia, Índia. China e Brasil aumentam a cada ano fiscal
seus gastos militares. Do G-7, apenas o Japão amplia seus gastos militares para
se contrapor à China. Os outros cortam gastos, inclusive os EUA, apesar do
gigantismo de sua máquina militar. A despeito da projeção dos países BRICS, há
um movimento para obstar a influência política e econômica desses países.
Neste quadro, nada mais lógico do que a associação de
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Desde a primeira cúpula dos BRICS
em Ekaterinenburgo, em 2009, os acordos multilaterais e bilaterais se
multiplicaram. Ciência e tecnologia, energia, compartilhamento de estatísticas,
agricultura, energia, educação, defesa, espaço, em suma, a materialização de
uma tirada de um diretor do Goldman Sachs é veloz.
Enquanto os BRICS aprofundam os laços, a reação de EUA,
União Européia e Japão é cada vez mais barulhenta.
Não pode haver dúvidas dos verdadeiros alvos dos ataques dos
EUA e União Européia na Ucrânia, na Síria e na Venezuela. Os EUA resolveram,
agora, indiciar oficiais chineses por ciberespionagem… Snowden que o diga.
The Economist e Financial Times assumiram o papel de
porta-voz dos rentistas brasileiros e estrangeiros na luta contra o que a
política econômica brasileira pode ter de intervenção estatal e
distributivista.
Desde 1945, o mundo capitalista foi regido pelos acordos de
Bretton Woods, cidade do Massachusets, onde os vitoriosos da segunda guerra –
sem a União Soviética — se reuniram para elaborar medidas para evitar crises
como a de 1929.
Foi criado um banco de desenvolvimento, o Banco Mundial e um
fundo para prevenir e combater crises cambiais, o FMI. E mais importante,
elegeram o dólar como moeda de conversibilidade internacional. A solvência de
um país passou a ser medida pela quantidade de dólares que possui.
Porém, o arranjo de Bretton Woods mostrou sinais de
esgotamento a partir da crise do petróleo nos anos 70. A dívida dos países
latino-americanos e do leste europeu explodiu. A terapia do FMI matava os
doentes, ao invés de curá-los.
A América Latina enfrentou a recessão econômica e a tragédia
social sob a égide do Fundo. E a política do Fundo não preveniu as crises
cambiais, ao contrário, contribuíram para agravá-las.
China e Rússia, após a queda do socialismo real em 1989/90,
não foram absorvidos no sistema Bretton Woods. Argentina e Brasil, principais
clientes do Fundo, se livraram dos “empréstimos-ponte” na década passada. O
Fundo passa a ser visto como um estorvo, não uma solução. O FMI se dedica,
agora, a detonar as economias da Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda para
garantir o euro e as aplicações de banqueiros alemães.
Em 2010, no auge da insolvência dos países do sul da Europa,
chegou-se a um acordo no Conselho de Governadores do FMI. Haveria nova
distribuição das cotas do Fundo, diminuindo o poder de EUA, União Européia e
Japão. Em troca, os BRICS compareceriam com 70 bilhões de dólares. Um alívio
para a Europa em crise. O Congresso estadunidense, simplesmente, rejeitou o
acordo no início deste ano. A gestão do FMI continua como dantes e os 70
bilhões não vão aparecer. Como diz aquela subsecretária, f*-se a União
Européia.
Fortaleza, julho de 2014. Os Chefes de Estado dos BRICS
assinarão o acordo de criação do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos
BRICS. Mais, assinarão um Acordo Contingente de Reservas. Um Banco Mundial e um
FMI dos BRICS. China e Rússia fecharam acordo de fornecimento de gás nominado
em rublos e yuans. Brasil e China já fazem parte do seu comércio nominado nas
respectivas moedas nacionais.
As duas entidades financeiras, inicialmente, terão atuação
nos países signatários. Nada impede que atuem junto a países fora dos BRICS. É
só o começo. Afinal, para que acumular dólares, aturar as idiossincrasias das
autoridades monetárias estadunidenses se os ventos batem em outra direção?
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