Para derrotar Aécio/FHC é preciso entender com clareza o
centro de sua estratégia, desde o início da articulação desta candidatura em
2011.
Foi no primeiro semestre de 2011, após a vitória do PSDB no
primeiro turno ao governo de Minas, com a sua eleição para o Senado, que Aécio
realizou o grande acordo com FHC para ser em 2014 candidato do partido à
presidência da República. Aécio formou maioria entre os oito governadores
eleitos pelo PSDB em 2010, nas bancadas do Senado e da Câmara Federal, antes de
conquistar a presidência e maioria na executiva nacional do PSDB. Com o objetivo de formar um comando inteiro e
único, Aécio sequer aceitou disponibilizar para Serra a presidência do
Instituto Teotônio Vilela.
O acordo Aécio/FHC tinha duas mãos: de um lado, repor a
figura de FHC na cena política, disputar o seu legado, restabelecer a
identidade plena do PSDB com a sua história e de seu principal líder histórico
(o que não ocorreu nem com Serra nem com Alckmin); de outro, FHC nacionalizou a candidatura
Aécio, com a sua rede de intelectuais orgânicos ( inclusive e principalmente os
malanistas), com a sua influência midiática, além de abrir o caminho para
entrar, em acordo com Alckmin, o caminho eleitoral para a base do PSDB
paulista.
De lá para cá, Serra hesitou entre sair do PSDB e filiar-se
ao PPS, armar pontos de resistência a Aécio (em particular na mídia impressa de
São Paulo, onde ainda articula editorias
de política de jornais) e conformar-se a um papel secundário contra quem quase
o cristianizou em 2002 e 2010 nas eleições presidenciais. Foi certamente por um
cálculo territorial – o de firmar a unidade do PSDB no maior colégio eleitoral
do país – que Aécio agiu para trazer a candidatura à vice-presidência de um aliado incondicional de Serra,
pressionou para que este tivesse a vaga de candidato ao Senado em São Paulo e
trouxe um coordenador da campanha de Alckmin para o centro de sua campanha.
Não resta dúvida de que Aécio conseguiu cumprir, em grande
medida, a primeira meta de construção da
sua candidatura.
A divisão na base do governo Dilma Roussef
A segunda grande meta projetada no tempo de construção da
candidatura Aécio, de acordo com o ensaio por nós escrito em outubro de 2011,
era o da divisão da ampla frente de partidos reunidos em torno do apoio ao
governo Dilma Roussef.
Como afirmamos, se Serra turvava a identidade histórica do
PSDB cm o seu anti-malanismo, optando as duas vezes por coalizões restritas
(DEM, PPS), a estratégia de Aécio pretendia compor uma identidade política e
programática mais definida com uma
coalizão ampla de oposição no primeiro e
no segundo turnos.
Interpretamos inclusive a onda de denúncias de corrupção
visando vários ministros do governo Dilma colocada em prática pelas grandes
empresas de mídia durante todo o ano de 2011 como instrumental a esta
estratégia, na medida em que colocava lideranças de diferentes partidos
fisiológicos ou semi-fisiológicos em confronto direto com a presidente .
Aécio investiu, ao mesmo tempo, em uma aproximação com o
PSB, com Marina Silva, procurou atrair o PDT de Lupi e Paulinho da Força
Sindical , o PTB e iniciou um ciclo de
conversações com lideranças nacionais,
regionais do PMDB, inclusive com Sarney, hsitoricamente vinculado a Tancredo
Neves, além do PDS e PRB.
Não parece ter sido em vão este amplo esforço frentista de
Aécio. De algum modo, influiu nas decisões de Eduardo Campos e seu caminho de
se lançar a presidente, prometendo uma perspectiva de alianças de segundo turno
e, ao mesmo tempo, utilizando na verdade esta candidatura para dar mais
amplitude e força à tese do “fim do ciclo do PT”. Se o PDT de Lupi ficou
nacionalmente com o apoio à reeleição de Dilma, a cisão capitaneada por
Paulinho e que formou o Solidariedade hoje é ponta de lança dos ataques ao
governo Dilma. O PTB fechou nacionalmente com Aécio. Uma parte importante do
PMDB, inclusive do Rio de Janeiro e em Minas,
além de outros estados, vai ser de fato aecista.
Esta disposição frentista pode inclusive se alargar caso
Aécio confirme nos próximos meses a sua competitividade eleitoral.
“Mutirão das oposições”
O terceiro objetivo de Aécio Neves/ FHC foi o de montar o
que chamou de “mutirão das oposições” contra o governo Dilma a partir da instrumentalização
das grandes empresas de comunicação, em
um padrão ainda mais avançado.
Já nas eleições municipais de 2012, esta estratégia, por
exemplo, ficou muito clara em Minas: no final do primeiro turno e no segundo
turno, o PSDB aliou-se ao PMDB em Juiz de Fora, ao PSB em Belo Horizonte (
deixando de compor inclusive a chapa majoritária, com a vice entregue ao PV) e
ao PC do B em Contagem, sempre para derrotar o PT.
Se o processo do chamado por eles de “mensalão”, com seus resultados e desdobramentos,
fornecia um gancho permanente para atualizar e aprofundar o anti-petismo em
processos de convergência midiática total,
a partir de princípios de 2012 e, em particular, a partir de abril, já
era muito intenso o fogo de artilharia permanente, por todos os lados, contra o
governo Dilma.
É preciso entender que o padrão desta convergência
midiática, com a recuperação da identidade, com a aliança Aécio/FHC,
fortalecida pelas vertentes conservadoras da conjuntura internacional, mudou de
qualidade. Internacionalizou-se com a ação orgânica de jornais como o Financial
Times e outros jornais conservadores do mundo. Ampliou-se tematicamente
abarcando não apenas programas de humor, mas de culinária ( como o de Ana Maria
Braga em sua campanha contra a inflação do tomate), a área do esporte ( com a
Copa do Mundo) e das celebridades
globais ( como Luciano Hulk, Faustão, atores conhecidos da Rede Globo etc). Que
a seção de horóscopos da Folha de São Paulo tenha prenunciado manifestações
contra o governo não é um detalhe mas um sintoma.
Mas a ampliação temática fundamental foi, sem dúvida, a
disputa dos rumos da macro-economia e a agitação diária em torno ao retorno da
inflação que levou inclusive a legitimar uma longa e contínua retomada altista
dos juros por parte do BC brasileiro. Esta agitação permanente em torno a uma
catástrofe econômica não deixou de turvar as expectativas dos agentes
econômicos, além de retirar legitimidade pública para políticas anti-cíclicas
mais globais por parte do governo Dilma.
As manifestações de junho de 2013, a princípio execradas com
chamadas de repressão por editoriais de jornais, foram depois reinterpretadas e
direcionadas em sua imagem contra o governo Dilma. A partir daí, as correntes
sectárias de esquerda – inclusive os black blocks, cuja identidade de esquerda
deve ser de fato discutida – passaram a ser sistematicamente utilizadas na
linha do chamado “mutirão das oposições”.
É uma mídia de massas disposta a disputar os corações das
novas classes trabalhadoras, de emprego
novo e em ascensão social pelos novos direitos conquistados durante os governos
Lula e Dilma. Como ela funciona?
Se a macro-mídia fornece uma grande narrativa, ela se insere
na microfísica social. Por exemplo, em Goiânia em um domingo quinze dias atrás:
em um bairro de classe média média-média baixa, um vendedor de jornais bem
vestido vendia o seu produto gritando “o importante não é a Copa mas as
manifestações” (certamente pago para isso); uma enfermeira em um posto de saúde
convocava para um ato contra o prefeito do PT (
para mostrar o seu partidarismo,perguntada se não era contra a corrupção
do governo Marconi, respondeu que ele tinha sido mal assessorado) ; no sábado
pela manhã, em um sebo de livros, um professor
praticava com o dono da loja uma conversa alta contra “aquela que não
largar o osso”. Os motoristas de táxi certamente são um capítulo à parte: todos
– ou 90 % deles - contra a Copa!
Um capítulo especial desta estratégia de formação de uma
corrente de opinião anti-petista está no fortíssimo investimento nas redes da
internet, uma lição certamente aprendida muito cedo por um partido que tem
relações estreitas com as estratégias eleitorais da política norte-americana,
do partido Democrata aos Tea Party. Este trabalho invisível foi desde sempre
uma das prioridades, claramente anunciada já desde 2001 em seminários
promovidos pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso.
Assim, vai se construindo um movimento de opinião,
orquestrado por cima e enraizado por baixo. Ele tem um centro irradiador (um
“super-editor”, como se diz, vinculado diretamente ao comando da inteligência
do PSDB) e os seus mecanismos de irradiação socialmente espalhados por todo o
país; um mecanismo de desinformação sistemática
e de formação de opinião, diariamente renovada por uma rede de
intelectuais orgânicos com vasta penetração na mídia ; uma capacidade de
mobilizar paixões fortes (anti-petismo) e fazer convergir a agenda em situações
específicas; uma certa capacidade de sedimentar opiniões, através da repetição
exaustiva e polimórfica, do mesmo argumento.
O resultado é que o PT chega ao período decisivo destas
eleições com a mais baixa taxa de identidade partidária dos últimos anos (em
torno de 16 %, 32 % de simpatia mas 21 % de antipatia) e o governo Dilma ( e a
própria presidente) com uma importante taxa de impopularidade, embora tenha um
porcentual de votos no primeiro turno bem acima de Aécio ou de Campos.
Podemos afirmar, sem dúvida, que a estratégia Aécio/FHC
conseguiu até agora, em grande medida, construir o seu terceiro grande objetivo
que era o de derrubar a altíssima popularidade do governo Dilma e a sua
presumida vitória praticamente certa nas eleições.
A quarta meta
A quarta meta de Aécio é construir um segundo turno, no qual
chegue crescendo e com uma taxa de rejeição qualitativamente menor do que a de
Dilma Roussef. Se conseguir isto, terá maiores chances de alcançar a quinta
meta final que é a de se eleger presidente, sabendo que em um segundo-turno, quando dividirá por
igual o tempo eleitoral com Dilma, terá
vantagem comunicativa pois dispões de grande
vantagem estrutural nos meios empresariais de comunicação.
É possível prever- com algum grau de probabilidade – o que
fará para obter esta quarta meta.
Em primeiro lugar, a partir de uma provável iniciativa
política-eleitoral procurará fazer convergir a agenda para um tema que reponha
e reforce a narrativa que vem trabalhando ( “fim do ciclo do PT” e “governo
corrupto”), como ocorreu no primeiro semestre com o “evento Petrobrás”. O que
chamamos de “evento Petrobrás” articulou três pontas: uma ação da Polícia
Federal, com vazamentos direcionados para atingir o ex-petista vice-presidente da Câmara dos
Deputados; a retomada do caso Pasadena ocorrido em 2006, já que envolvia, mesmo
indiretamente, a presidente Dilma; a articulação no Senado de uma CPI sobre a
Petrobrás, em iniciativa diretamente liderada por Aécio. Em torno deste
“evento”, faz-se a festa da convergência midiática – todos contra um, aqui e
agora – que reforça e atualiza a narrativa.No início do segundo semestre, uma
iniciativa deste gênero teria o importante papel de desorganizar, paralisar ou,
no mínimo, neutralizar a ofensiva midiática que o governo Dilma organizará a
partir do horário eleitoral.
Em segundo lugar,
para fugir à construção de uma alta rejeição em torno do seu nome, que será
associado à FHC, Aécio provavelmente adotará um tom alto e cívico, paladino da boa gestão contra a corrupção, recuperação da confiança dos
investidores /retorno do crescimento, grande investimento midiático em
compromissos na área social. Quem uniu Minas, poderá unir o Brasil, como fez
Tancredo Neves.
Em terceiro lugar, uma larga mobilização na área cultural,
esportiva e midiática. Os principais nomes das artes em Minas, com projeção
nacional, estão hoje associados ao projeto Aécio Neves. Haverá certamente uma
larga entrada em cena de artistas globais como também uma larga utilização de
grandes formadores de opinião da chamada classe C – como animadores de
programas de auditório, atores de novela, esportistas e jogadores de futebol
etc . E a recuperação plena do protagonismo de todos os conservadores e
liberais brasileiros empenhados na grande utopia de provocar o anunciado
tsunami anti-petista. Tudo isto pode proteger, em alguma medida, a figura
pública de Aécio de uma mais forte rejeição que certamente crescerá com o seu
vínculo público com FHC e o neoliberalismo.
O simulacro e sua falha
Devemos a Marilena Chauí em um pequeno e precioso livro
“Simulacro e poder. Uma análise da mídia” (Editora Fundação Perseu Abramo,
2006) um conceito importante para entender o desafio que está posto para a
esquerda nestas eleições de 2014. O simulacro é a construção de uma imagem
invertida da realidade a partir da remontagem de partes dela. Quando mais dados da realidade ele mobilizar
para formar esta imagem, mais força de convencimento terá o simulacro. Aécio/FHC instrumentalizaram a absurda
concentração das empresas midiáticas
para criar um simulacro nestas eleições.
O povo brasileiro – nós inclusive – acabou de passar pela
lição de um grande e estrondoso simulacro: a Copa catástrofe! O atraso na
entrega de certas obras, maximizado, exagerado, retirado do contexto, mil vezes
repetido, virou a iminência de uma catástrofe anunciada. A expansão do ódio contra o PT se alimenta de
um simulacro: é o partido responsável pela corrupção no Brasil.
A avaliação ruim do governo Dilma e o pessimismo em relação
a ele se alimenta de outro simulacro: a
inflação está sob descontrole, a situação da economia caótica, os serviços
públicos estão de mal a pior etc etc. O baixíssimo nível de desemprego, a
trajetória da inflação, o aumento do poder de compra dos salários, a melhoria e
a maior cobertura dos direitos sociais,
novos programas públicos como o “Minha casa, minha vida” não justificam tal
avaliação ruim mesmo diante de expectativas aumentadas pela inclusão e ascensão
social. Trata-se, como na copa, do efeito de um simulacro.
A evidência do simulacro está já registrada em pesquisas
realizadas que mostram uma consciência “esquizofrênica” do povo brasileiro.
Quando perguntado se a corrupção aumentou durante o governo Lula, cerca de 2/3
afirma que sim; quando de novo perguntado se o que aumentou foi a corrupção ou
o combate à corrupção, os mesmos entrevistados afirmam em proporções
semelhantes a segunda opção. Do mesmo
modo: quando alguém é perguntado se sua vida pessoal vai melhorar em geral
responde que sim; quando perguntado se o país vai ficar melhor, em geral hoje
responde que não.
A imagem da realidade criada pela mídia e orientada pela
inteligência do PSDB quebrou a narrativa que organizou a vitória de Dilma em
2010, a de um governo de aprofundamento das mudanças da Era Lula. Para
reorganizá-la é preciso superar o simulacro.
A fragilidade central desta estratégia do simulacro é a
ausência profunda de credibilidade de FHC e a imagem em falso ou em farsa de
Aécio, que passa agora por sua
construção nacional. A forte rejeição de 57 % dos eleitores de hoje que não
votariam hoje em um candidato indicado por FHC é fruto de uma consciência
democrática do povo brasileiro construída
a partir da experiência vivida. Já em março de 1999, logo após a sua
reeleição, diante da brutal desvalorização do real, uma pesquisa qualitativa
indicava uma consciência popular conquistada
sobre FHC: “é inteligente, governa para os ricos e é muito mentiroso”.
A popularidade de Aécio Neves em Minas baseou-se em maciças
doses de publicidade bem orquestrada no plano simbólico e de um severo controle
de mídia, em um quadro no qual por três anos o PT, por decisão controvertida
mas majoritária, optou por fazer um acordo com o PSDB em torno às eleições do
prefeito na capital. Agora, a construção da imagem nacional de Aécio se dará
frente a uma forte oposição em um contexto onde não detém os controles sobre a
comunicação.
O fato é que Aécio é, ele próprio, o maior simulacro: não há
em toda a política nacional nenhum personagem que estabelecem tal contradição
entre a imagem que procura construir e o que realmente faz e é. A recente
denúncia dos “aeciportos” em Minas, colocando em xeque a campanha
anti-corrupção do PSDB, é a pequena
parte de um enorme iceberg que pode vir à tona nestes próximos meses.
Há, assim, nestes
próximos meses, uma grande batalha comunicativa, de idéias forças e argumentos
didáticos, de disputa de valores, a ser travada. É possível vencê-la. É preciso
sobretudo confiar na capacidade e discernimento da consciência democrática do povo
brasileiro quando bem informado e tendo acesso a argumentos de bom-senso e
dotados da grande capacidade de convencimento que é o da experiência vivida.
Quem tem credibilidade e quem não a tem para anunciar um
novo ciclo de mudanças históricas para o país? A resposta a esta pergunta está
no centro das decisões dos eleitores nas próximas eleições presidenciais.
Créditos da foto: Arquivo
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