"A CBF, que deveria ser uma entidade a serviço dos
clubes, virou uma entidade a serviço de si mesma. As federações, que deviam ser
meios, viraram fins. E os clubes acabam se submetendo a isso de maneira
subserviente"
por Bruno Porpetta,
do Rio de Janeiro (RJ) - http://www.brasildefato.com.br/
Juca Kfouri é uma referência de jornalismo esportivo comprometido
com os fatos e o crescimento do esporte no Brasil. Tal postura, por si só, o
fez romper com os círculos de poder dos dirigentes. Nesta entrevista, ele
analisa a situação do futebol brasileiro e o futuro após a votação da Lei de
Responsabilidade Fiscal no esporte.
Brasil de Fato – Às vésperas da votação do Proforte na
Câmara, a presidenta Dilma se reuniu com o Bom Senso numa semana e na outra com
os clubes. O que está em jogo?
Juca Kfouri – Aprovando como os clubes querem, ao invés de
mudar o modelo de gestão do futebol brasileiro, teremos mais uma maneira de
disfarçar os problemas dele. Eles vão fingir de novo que vão pagar as dívidas e
não vão ser responsabilizados se não pagarem.
A contrapartida a isso é que se aprove aquilo que o Bom
Senso quer: que a cada benefício para os clubes na renegociação da dívida, haja
uma responsabilidade correspondente. Foi o compromisso que a Dilma assumiu com
o Bom Senso.
Brasil de Fato – As eleições de Belluzzo (Palmeiras),
Dinamite (Vasco), Bandeira de Mello (Flamengo) e Bebeto de Freitas (Botafogo)
representavam uma “esperança”. Por que fracassaram?
O problema estrutural é tão grande, a estrutura do nosso
futebol é tão reacionária, tão corrupta e corruptora, que a questão não se
altera com nomes. As pessoas acabam tragadas por ela.
Houve uma inversão. A CBF, que deveria ser uma entidade a
serviço dos clubes, virou uma entidade a serviço de si mesma. As federações,
que deviam ser meios, viraram fins. E os clubes acabam se submetendo a isso de
maneira subserviente.
Os clubes deveriam virar sociedades empresariais. Não como
na Inglaterra, que permite a um sheik ou um milionário russo comprar um clube,
mas como na Alemanha, que se garanta 51% para os sócios, permitindo uma gestão
profissional.
Brasil de Fato – A primeira edição da Copa Verde entre
clubes do Norte, Centro-Oeste e Espírito Santo acabou decidida no “tapetão”. O
que acha disso?
A primeira questão é a criação de paliativos. Por exemplo,
um bom paliativo é a Copa do Nordeste, mas dura menos tempo do que deveria.
OSTJD, como é, vira um instrumento de poder. Ele tem a mesma
eficácia da escala de árbitros, que permanece sob o jugo das entidades. Tanto a
arbitragem como a justiça desportiva deveriam ser instituições absolutamente
independentes das federações e dos clubes. Na verdade, as federações não fazem
mais nenhum sentido, é como jabuticaba, só tem no Brasil.
Tem que ser como na Copa do Mundo, o chamado rito sumário.
Você tem o regulamento, as faltas, o que equivale a cada falta em termos de
punição e simplesmente se aplica. Não essa palhaçada bacharelesca que a gente
tem aqui. Mas é muito difícil porque faz parte dessa estrutura podre do nosso
futebol.
Brasil de Fato– A CBF é uma entidade privada, o que
dificulta as mudanças. Como democratizá-la e qual o papel do governo e da
sociedade nisso?
O torcedor, por enquanto, se restringe à questão dos
resultados dentro de campo e a sua indignação não passa disso, porque ele não
vê a questão estrutural.
A CBF é privada, mas de óbvio interesse público. O futebol é
patrimônio cultural do povo brasileiro, submetido à fiscalização do MP. O hino
e as cores do uniforme da seleção não são da CBF, são do Brasil.
O artigo 217da CF, que fala da autonomia das entidades, é o
escudo que a CBF usa por não usar dinheiro público, diferentemente dos esportes
olímpicos. Há uma decisão do STF, aprovada por unanimidade, no sentido de que
autonomia não equivale à soberania. A universidade pública no Brasil é
autônoma, e deve ser, mas isso não dá a uma faculdade o direito de estabelecer
o currículo que ela queira. Quem estabelece é o Ministério da Educação.
A autonomia deveria ter este limite. Não tem porque estamos
no país dos bacharéis que gostam da ambiguidade e quando as entidades se
defendem falando em nome da autonomia, boa parte dos juízes desconhece essa
decisão da STF. Então o caminho é uma PEC, que o governo deveria propor para
eliminar essa dúvida.
Brasil de Fato – Dunga estaria envolvido com agenciamento de
atletas e Gilmar era empresário até a noite anterior ao anúncio de seu cargo. O
que aponta a CBF com essas nomeações?
O passadismo, a mercantilização, a pouca transparência... A
pouca vergonha, ela é responsável por transformar a seleção na grande grife do
nosso futebol, em detrimento dos clubes. Sou de uma época em que uma excursão
do Santos era paga com valores comparáveis a um amistoso da seleção.
O calendário impede os nossos clubes de jogarem durante o
período de pré-temporada na Europa. Ela vende a sua camisa em todas as lojas
esportivas do mundo e você não encontra uma camisa de clube brasileiro nelas.
Essa é uma política deliberada de uma entidade que vê o nosso futebol como mero
exportador de pé de obra. Não exportarmos o espetáculo, mas os artistas.
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