Transformar os jovens infratores em bodes expiatórios não
vai resolver o problema da segurança no Brasil
por Miguel Martins - http://www.cartacapital.com.br/
A julgar pelas pesquisas de opinião, o Brasil é um país
majoritariamente conservador. Em 2013, o instituto Datafolha aferiu que 48% dos
brasileiros julgavam-se de direita ou de centro-direita, ante 30% da população
que se identificava com pautas progressistas. Tal distância entre os espectros
reflete em parte a opinião dos cidadãos com relação a alguns temas. O casamento
gay é rechaçado por 49,7% da população, segundo pesquisa da Confederação
Nacional dos Transportes. São contrários ao aborto 71% dos brasileiros, de
acordo com o Datafolha. Três quartos dos brasileiros, de acordo com a
Universidade Federal de São Paulo, dizem ser contra a legalização da maconha.
Essa tendência conservadora acentua-se de forma descomunal quando o tema é a
proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, aprovada por 89% da
população, segundo pesquisa realizada por Vox Populi e CartaCapital no ano
passado.
Embora criticada por juristas e especialistas em políticas
públicas voltadas à criança e ao adolescente, a proposta tem ganhado fôlego no
Congresso. Criada em 2011, a Frente Parlamentar pela Redução da Maioridade
Penal conta com o apoio de mais de 200 deputados. A Proposta de Emenda
Constitucional que defende o novo limite, de autoria do senador tucano Aloysio
Nunes, candidato a vice-presidente de Aécio Neves, deve ir a plenário ainda
este ano. Na outra ponta, o PT, tradicionalmente contrário à mudança, cede à
tentação de agradar à parcela conservadora da sociedade, por cálculos
eleitorais ou para tentar diminuir o estrago que a medida poderia causar. Como
opção à PEC de Nunes, um grupo encabeçado pelos parlamentares Humberto Costa e
Eduardo Suplicy, com participação da ministra dos Direitos Humanos, Ideli
Salvatti, estuda apresentar um projeto que aumenta o tempo de pena para jovens
infratores reincidentes em crimes graves, entre eles homicídio, latrocínio e
estupro.
Ambas as propostas parecem ignorar a exaustão do sistema
carcerário brasileiro, que convive com superlotação nas prisões comuns e nos
centros de atendimento socioeducativo. A redução da maioridade penal poderia
inflar ainda mais a população carcerária, atualmente superior a 550 mil presos,
responsável por posicionar o Brasil entre os quatro países com maior número de
presos no mundo. A situação poderia ser pior. Segundo um levantamento do
Conselho Nacional de Justiça de 2012, há mais de 500 mil mandados de prisão não
cumpridos, o que poderia dobrar a população carcerária brasileira. Na outra
ponta, a proposta do PT esbarra na falta de espaço nos centros destinados à
criança e ao adolescente. Em São Paulo, 90% das unidades da Fundação Casa
apresentam superlotação.
Para Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da
PUC, o Brasil atravessa um momento em que o clima político, cultural e
midiático estimula o “punitivismo”: as soluções escolhidas para enfrentar a
violência passam sempre pelo endurecimento das penas. “Acredita-se que há
impunidade no Brasil, mas não é verdade. Punimos muito, mas punimos mal.”
Segundo o jurista, as condições insalubres dentro das prisões impedem o maior
controle por parte do Estado. “Isso estimula o surgimento do crime organizado.
Ao se colocar na cadeia um usuário de drogas como se fosse um traficante, ele
pode se tornar mais à frente um homicida.” Serrano menciona o caso dos Estados
Unidos, onde se estima que 250 mil jovens são processados, sentenciados ou
encarcerados como adultos todo ano. Em 17 estados, não há idade mínima para um
jovem ser julgado na Justiça Comum. Apesar de as taxas de criminalidade terem
caído no País desde os anos 1990, um estudo do Centro de Controle de Doenças e
Prevenção (CDC) estimou que jovens presos ao lado de adultos têm 34% mais chance
de voltar a cometer crimes.
Fabio Paes, representante da ONG Aldeias Infantis e
integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,
afirma que a formulação das perguntas sobre o tema nas pesquisas de opinião
pode levar a distorções. “Quando o enunciado consiste entre ser a favor ou
contra uma pauta que envolve punição, o cidadão tende a se posicionar
favoravelmente.” Essa postura talvez ajude a explicar as diferenças entre os
levantamentos realizados recentemente por Vox Populi e Datafolha. Enquanto o
primeiro questionou se o cidadão concordava ou não com a redução, o segundo
perguntou se os adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como adultos
ou precisam ser reeducados. Segundo o Datafolha, 74% defenderam a primeira opção.
Uma proporção bem mais próxima daqueles que se opõem à legalização da maconha e
do aborto.
Paes afirma que a adesão à proposta é motivada pelo
desconhecimento da população das políticas públicas desenvolvidas pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e pela Secretaria de Direitos Humanos. O
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, programa da SDH criado em 2012,
busca garantir nacionalmente o cumprimento de modalidades previstas na
legislação da criança e do adolescente que escapem à mera aplicação da punição.
Há oito medidas que deveriam complementar a internação, entre elas a inclusão
em programas comunitários, o tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico e a
participação dos jovens em programas para alcoólatras e dependentes químicos.
Embora ofereça recursos e assistência metodológica, o Sinase
foi adotado por poucos estados, constata Paes. Muitos deles nem sequer entraram
com um projeto para captar a verba. Não por menos, 0,1% dos jovens em regime de
restrição e privação de liberdade cumpre medidas socio-educativas no País,
segundo a SDH. Antes de cogitar investir em soluções ineficazes como a redução
da maioridade penal, é importante dar uma chance para aquilo que está à
disposição, mas não é aplicado.
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