Por mais que as diretrizes editoriais tenham sua própria
lógica de definição e aplicação, é o fator ideológico que estimula e favorece
as identificações.
Dênis de Moraes - http://www.cartamaior.com.br/
“O jornalista Gramsci não fugiu de controvérsias partidárias
e teóricas; defendeu posições éticas e políticas; e propôs estratégias,
alianças e táticas de ação para a luta de classes. Ele fez do jornalismo o
principal meio para o exercício da crítica, associada por ele (...) aos
espíritos rebeldes que rejeitam a alienação e o conformismo e que guiavam-se pelo compromisso com a liberdade e
a humanização da vida”, é o que afirma Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e
Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor e pesquisador
do Departamento de Estudos Culturais e Mídias da Universidade Federal
Fluminense, no Brasil. Esse texto é uma versão parcial da pesquisa “Gramsci e a
imprensa: jornalismo, hegemonia e contra-hegemonia” que Dênis coordena no
Brasil. O artigo é publicado por Pueblos, 23-06-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Meu objetivo com este artigo é contribuir para tornar mais
conhecida a trajetória e os escritos jornalísticos do filósofo marxista
italiano Antonio Gramsci (1891-1937), desde seus anos inicias em Turim até a
fundação de 'L’Unità', jornal oficial do Partido Comunista da Itália (PCI), do
qual foi redator-chefe. Suas atividades como jornalista se vinculam, na maior
parte do tempo, a militância como intelectual, ativista revolucionário e líder
comunista.
Elas foram interrompidos apenas em 08 de novembro de 1926,
quando foi detido pela ditadura fascista devido às leis de exceção decretadas
por Benito Mussolini, após ter revogadas suas imunidades como deputado eleito
pelo PCI em 06 de abril de 1924. Mesmo com as terríveis condições do cárcere,
Gramsci encontrou ânimo para escrever notas teóricas sobre a imprensa, o
jornalismo e os jornalistas. Seus textos oferecem contribuições relevantes para
a reflexão crítica sobre a ética profissional e a necessidade da diversidade
informativa e a pluralidade de vozes nos noticiários e em espaços de opinião.
Antonio Gramsci trabalhou como jornalista em fases
importantes em sua curta, mas intensa jornada. Desde 1910, quando publicou o
primeiro texto em L’Unione Sarda, até ser detido pelo fascismo em 1926,
escreveu 1.700 artigos. Equivalem a mais do dobro das páginas reunidas em os
Cadernos do Cárcere, redigidos entre 1929 e1935. “Em dez anos de jornalismo,
escrevi linhas suficientes para preencher quinze ou vinte volumes de
quatrocentas páginas”, ressaltou em uma carta a sua cunhada Tatiana Schucht,
redigida na Penitenciaria de Turi, em 07 de setembro de 1931 (1).
Foi a partir de 1915, em Turim, que Gramsci dedicou-se ao
jornalismo, após ter desistido do curso de Letras (mesmo que tenha mantido o
fascínio pelos estudos literários). Já
adepto ao marxismo, colaborou nos jornais Il Grido del Popolo e Avanti!, vinculados
ao Partido Socialista Italiano. Em 1917, dirigiu o único número da revista La
Cittá Futura, que estimulava debates sobre a atualidade nacional e o
socialismo, e na qual divulgou textos de Gaetano Salvemini e Benedetto Croce,
intelectuais cujas ideias, em sua opinião, deveriam ser mais conhecidas e
discutidas. Em 1919, ao lado de Palmiro Togliatti, Umberto Terracini e Angelo
Tasca, Gramsci fundou o semanário L’Ordine Nuovo (“Análise semanal da cultura
socialista”).
“Dizer a verdade é revolucionário”
Tendo Gramsci como editor chefe, L’Ordine Nuovo circulou de
1º de maio de 1919 até 24 de dezembro de 1920. Em 1º de janeiro de 1921, o
jornal passou a ser diário, com o lema “Dizer a verdade é revolucionário”.
Vinte dias depois, ele se tornou o porta-voz do recém-fundado Partido Comunista
Italiano (PCI). Gramsci foi seu redator chefe e colunista até 1924, quando
L’Ordine Nuovo foi substituído pelo L’Unità (“Jornal dos trabalhadores e
camponeses”).
Seus artigos, assinados ou com suas iniciais, ou com outras
indicações de autoria, aparecem nestas publicações cujo traço convergente era o
compromisso com as lutas sociais e a renovação político-partidária e cultural.
O espírito que o impulsionava ao jornalismo
foi resumido na carta para Tatiana Schucht, de 12 de outubro de 1931:
“Nunca fui jornalista de profissão, que vende sua pluma a quem paga melhor e
deve continuamente mentir, porque a mentira faz parte de suas qualificações.
Fui jornalista absolutamente livre, sempre de uma só opinião, e nunca tive que
esconder minhas profundas convicções para agradar aos patrões” (2).
O jornalista Gramsci não fugiu de controvérsias partidárias
e teóricas; defendeu posições éticas e políticas; e propôs estratégias,
alianças e táticas de ação para a luta de classes. Ele fez do jornalismo o
principal meio para o exercício da crítica, associada por ele, em artigo
publicado no Il Grido del Popolo em 1916, aos espíritos rebeldes que rejeitam a
alienação e o conformismo e que
guiavam-se pelo compromisso com a liberdade e a humanização da vida.
Evolução intelectual
Grande parte da produção jornalística de Gramsci reflete sua
evolução intelectual e a atuação política em meio a “dramáticos acontecimentos
históricos (o primeiro conflito mundial, a revolução e a eclosão da primeira
etapa da guerra fria contra a Rússia soviética, o processo de radicalização
ideológica e política do movimento trabalhista no Ocidente, o despertar dos
povos coloniais e as persistentes ambições imperialistas das grandes potências
liberais, a ascensão do fascismo), e radicaliza a crítica ao liberalismo e
aprofunda, em todos os níveis, a passagem ao comunismo” (3).
Gramsci trata de questões políticas, assuntos culturais e
problemas filosóficos, alguns dos quais abordaria, de maneira mais detalhada,
nos Cadernos do Cárcere, ainda que sem dispor de condições adequadas para
estudar. A variedade temática superou os limites da política incluindo
acontecimentos do cotidiano, personalidades públicas, economia, religião,
pedagogia, artes, literatura, estética, imprensa, moral etc.
O estilo combativo de traduzir o mundo em constante
ebulição, a partir da janela de contemplação de Turim, transformaria Gramsci,
segundo seu melhor biógrafo, Giuseppe Fiori, “na revelação do novo jornalismo
socialista e, nos anos de guerra, praticamente em seu protagonista exclusivo”:
“Em todos os escritos de Gramsci, desde os breves ensaios
teóricos até as crônicas quase teatrais, percebia-se um estilo novo: Ao longo
da ênfase grandiloquente de um Rabezzana e de um Barberis ao gosto pelo
movimento; uma linguagem cuidadosa, às vezes de uma pureza neoclássica, tão
distante da prosa insípida dos ‘velhos’; a coerência, o fio que ligava todos
escritos e tornava as notas, aparentemente distantes entre si em outras tantas
ocasiões, sucessivas para o desenvolvimento de uma argumentação nunca
interrompida; e a originalidade e a realização de propostas de políticas,
iluminadas sempre pelo convencimento de que a teoria que não pode traduzir-se
em atos é uma abstração inútil e que as ações que não se fundamentam na teoria
são impulsos estéreis” (4).
As ênfases da sua obra jornalística podem ser agrupadas em
três etapas (5). Na primeira fase (1916-1918), ele reprovou tendências
reformistas e positivistas dentro do Partido Socialista Italiano, enfatizando a
participação ativa dos trabalhadores na luta pelo socialismo, a partir de uma
formação política que favoreça o compromisso consciente e ajude a classe
trabalhadora a superar uma visão econômica-corporativista.
Na segunda etapa (1919-1920), Gramsci insistiu que não se
deveria reduzir o processo revolucionário às dimensões econômicas e políticas,
nem às tentações insurrecionais que não correspondiam, em seu modo de ver, a
análise da realidade objetiva. Destacou a necessidade de expandir a dimensão
cultural da luta de classes através dos meios de difusão e de ações pedagógicas
capazes de denunciar as estruturas excludentes da sociedade capitalista,
aprofundar a consciência dos trabalhadores e exigir a transformação radical das
relações sociais de produção.
Na terceira etapa (1921-1926), como diretor do PCI, Gramsci
avaliou os obstáculos decorrentes da ascensão do fascismo. Convencionou-se que
as contradições do capitalismo não levaria inexoravelmente ao socialismo, o que
obrigava as forças populares e socialistas a esboçar novas estratégias de luta
considerando as complexidades dos países desenvolvidos. Destacou o enorme peso
do fator cultural em uma sociedade civil mais densa, povoadas por organizações
complexas, na qual incidem múltiplas perspectivas intelectuais, sem contar a
muito problemática interferência dos meios de comunicação na formação da
opinião pública (6).
Subordinação ao poder e controle da informação e a opinião
Nos textos pré-carcerários, Gramsci criticou a subordinação
dos principais diários ao poder, assim como as fórmulas verticalizadas do
controle da informação e a opinião. Em 26 de abril de 1922, foi contundente:
“Os jornais do capitalismo fizeram vibrar todas as cordas dos sentimentos
pequeno-burgueses; e são estes jornais que asseguram a existência do
capitalismo, o consenso e a força física dos pequeno-burgueses e dos imbecis”
(7).
Para o filósofo italiano, os jornalistas burgueses
“apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo que favoreçam a classe
burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe
trabalhadora”. Exemplificou com a cobertura tendenciosa das greves: “Para a
imprensa burguesa os trabalhadores estão equivocados. Há uma manifestação? Os
manifestantes, simplesmente porque são trabalhadores, são sempre os revoltados,
os intransigentes, os delinquentes”.
Assim, o convencimento sobre os irremediáveis conflitos
ideológicos entre a classe trabalhadora e a imprensa burguesa justifica a
atitude política que Gramsci defendia ser a mais consequente: boicotar os
periódicos vinculados às elites. E justificou: “Todo o que se publica [na
imprensa burguesa] é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe
dominante, o que se traduz em um fato: combater a classe trabalhadora. (...)
Não trataremos de todos os temas que os jornais burgueses censuram, deturpam ou
falsificam para poder enganar, iludir e manter a ignorância ao povo
trabalhador” (8).
Pensamento e ação
L’Ordine Nuovo representou para Gramsci a experiência mais
nítida de “união entre pensamento e ação”. Entre 1919 e 1920 (o chamado “biênio
vermelho” na Itália, marcado por manifestações trabalhistas), o jornal assumiu
decididamente a defesa das comissões ou conselhos de fábricas, as células de
autogestão proletária concebidas como instituições semelhantes aos soviéticos
criados pela Revolução Russa de 1917. Às páginas de L’Ordine Nuovo somaram-se a
mobilização em torno das comissões de fábricas, organizadas como núcleos de
organização de luta operária, dentro de uma estratégia compatível com as
circunstâncias da sociedade italiana. O ponto de partida foi o artigo de
Gramsci “Democracia trabalhista”, publicado em junho de 1919, na qual afirmava:
“A fábrica, com suas comissões internas, os círculos
socialistas, as comunidades camponesas são os centros de vida proletária nas
quais é preciso trabalhar diretamente. As comissões internas [de fábrica] são
os órgãos da democracia trabalhista, fundamentais para liberar aos
trabalhadores das limitações impostas pelos empresários, e nas quais pode-se
infundir e estimular a vida e novas energia. Hoje, as comissões internas
limitam o poder do capitalista na fábrica e desempenham funções de arbitragem e
disciplina. Desenvolvidas e fortalecidas, deverão ser amanhã os órgãos do poder
proletário que substituirá o capitalista em todas as sua funções úteis de
direção e de administração”.
O propósito do L’Ordine Nuovo era chegar, principalmente,
aos estudantes, intelectuais e trabalhadores, às fábricas, organizações
sindicais e mobilizações públicas, com a finalidade de difundir as
reivindicações, fortalecer a organização dos trabalhadores e aumentar sua
consciência sobre sua própria condição social e as funções que desempenham no
processo produtivo e no conjunto da sociedade.
“A partir desse momento, a ideia de uma nova estruturação de
poder que partisse da célula da comissão interna da própria fabrica, e que
fosse ampliada pelas massas de trabalhadores cada vez mais conscientes de seu
próprio papel, passou a ser a meta do L’Ordine Nuovo. (…) A revista passou a
atuar, portanto, em um campo muito diferente daquele que era comum as outras revistas
que já tivemos ocasião de mencionar. Atuou muito próximo aos trabalhadores,
muito mais que Critica Sociale, que era até então a revista do Partido
socialista. E os trabalhadores italianos, pela primeira vez na história,
encontraram nos socialistas do L’Ordine Nuovo a determinação de concretizar, de
por em prática o que há tempos se vinha afirmando teoricamente” (9).
A revolução socialista como possibilidade concreta
Estimulados pela onda de protestos e rebeldia na Rússia,
Alemanha, Hungria e a própria Itália, Gramsci e os escritores do L’Ordine Nuovo
estavam convencidos que a revolução socialista era uma possibilidade concreta.
Seus textos combatiam os argumentos da direita no caminho até o fascismo (que
acusava as comissões de fábrica de levar adiante “um sindicalismo
revolucionário, subversivo e fora da lei”) e debatiam com correntes de esquerda
que divergiam de suas concepções estratégicas e métodos de ação.
A batalha das ideias na trincheira jornalística infundiu em
Gramsci a certeza de que a publicação, de ali em adiante, seria indispensável
para a luta revolucionária. Inclusive depois do reflexo dos conselhos de
fábrica em 1920, quando o jornal publicou autocríticas sobre erros e ilusões em
torno do movimento, como, por exemplo, a crença de que poderia expandir-se, com
o ímpeto inicial de Turim e Piemonte, por todo o país, o que finalmente não foi
verificado. No balanço da experiência, Gramsci ressaltou a sintonia moral,
espiritual e política do L’Ordine Nuovo nas causas populares:
“Os artigos do L’Ordine Nuovo não eram frias arquiteturas
intelectuais, mas brotavam de nossa discussão com os melhores trabalhadores,
elaboravam sentimentos e paixões reais da classe trabalhadora de Turim, que
haviam sido experimentados e provocados por nós. E porque os artigos do
L’Ordine Nuovo eram quase como ‘uma tomada de consciência’ de eventos reais,
momentos de um processo de libertação e expressão da classe trabalhadora” (10).
L’Unità, jornal da esquerda trabalhadora
Enquanto a L’Unità, o qualificou como “um jornal de
esquerda, da esquerda trabalhadora, que permaneceu fiel ao programa e a tática
da luta de classe, um jornal que
publicará as atas e as discussões do partido, as também, na medida do
possível, aquelas manifestações dos anarquistas, dos republicanos, dos
sindicalistas”. E acrescentou: “Importa assegurar a nosso partido (...) uma
tribuna legal que lhe permita chegar, de modo continuo e sistemático, as amplas
massas”.
O mesmo ano em que surgiu L’Unità, Gramsci concebeu uma
revista trimestral de estudos marxistas e de cultura política, intitulada
Crítica Proletária, e lançou uma revista teórica quinzenal, reeditando o título
L’Ordine Nuovo. A proposta era difundir o ideário do PCI e “educar e esclarecer
a vanguarda trabalhista”, uma vanguarda que necessitava mostrar-se capaz de
cosntruir, na longa luta anticapitalista, o Estado dos conselhos trabalhistas e
camponeses, estabelecendo as bases para a emergência e a consolidação da
sociedade capitalista.
Inspirando-se nas teses de Karl Marx e Vladimir I. Lênin
sobre a imprensa comunista como instrumento de agitação, propaganda,
esclarecimento, educação e formação da consciência, Gramsci analisou o vínculo
orgânico entre imprensa e ativismo político. Em primeiro lugar, o periódico
deveria realçar questões relativas à classe trabalhadora italiana e mundial, o
papel histórico do Partido Comunista na condução revolucionária e as relações
do partido com os sindicatos.
Em segundo lugar, o jornal cumpria apenas seus propósitos se
conseguisse “infundir nas massas trabalhadoras que um jornal comunista é carne
e sangue da classe trabalhadora, e não pode viver, lutar e desenvolver-se sem o
apoio da vanguarda revolucionário, ou seja, daquela parte da população
trabalhadora que não se intimidava
frente nenhum fracasso, que não se desmoraliza frente a nenhuma traição, que
não perde a confiança em si e nos destinos de sua classe, mesmo que tudo pareça
mergulhar no caos mais negro e cruel” (11).
Sendo assim, Gramsci classificava ao jornal partidário como
interprete e meio de difusão das reivindicações populares, atribuindo-lhe a
tarefa de conscientizar as massas sobre a exigência insuperável de derrotar o
capitalismo, que promove a exploração do homem pelo homem.
Ideologia e rentabilidade
Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci retoma as análises sobre a
imprensa, acentuando que a função dos periódicos transcende a esfera
político-ideológica e inclui as determinações econômicas e financeiras das
empresas jornalísticas, que buscam atrair o maior número possível de leitores,
ampliando sua rentabilidade e influência. Enfatiza que a imprensa burguesa se
move em direção ao que possa agradar ao gosto popular (e não ao gosto culto ou
refinado), com o propósito de conquista “uma clientela continuada e permanente”
(12).
E acrescenta que, por mais que as diretrizes editoriais
tenham sua própria lógica de definição e aplicação, é o fator ideológico que
estimula e favorece as identificações entre os leitores e os jornais. Os
componentes socioeconômicos e ideológicos estão na base do que o filósofo
italiano denomina de “jornalismo integral”, isto é, “o jornalismo que não
apenas quer satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu
público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente,
em certo sentido, gerar seu público e aumentar progressivamente sua área [de
influência]” (13).
Ao deter-se sobre a
imprensa italiana das primeiras décadas do século XX, Gramsci afirma que é a
“parte mais dinâmica” da superestrutura ideológica, caracterizando-a como “a
organização material empenhada em manter, defender e desenvolver a ‘frente’
teórica ou ideológica” (1914), ou seja, um suporte ideológico do bloco
hegemônico. Na visão gramsciniana, em tantos aparatos privados da hegemonia
(organismos relativamente autônomos em relação ao Estado em sentido estrito), a
imprensa elabora, divulga e unifica concepções do mundo. Ou seja, cumpre sua
função de difundir conteúdos que ofereçam orientações gerais para a compreensão
dos fatos sociais, a partir de óticas sintonizadas com determinada agrupação
social mas ou menos homogênea e preponderante.
Nessa perspectiva, Gramsci situou aos periódicos como
verdadeiros partidos políticos, na medida em que interferem, com ênfases
específicas, nos modos de seleção e interpretação dos acontecimentos: “Jornais
italianos são melhor editados que os franceses: eles cumprem duas funções, de
informação e direção política geral; de influencia cultural, literária,
artística, científica (...). Na França, (...) tem uma aparência de
imparcialidade (Action Française – Temps – Débats). Na Itália, por falta de
partidos organizados e centralizados, não se pode prescindir dos jornais: são
os jornais os que constituem os verdadeiros partidos”. (15)
Antes e durante os injustos, sombrios e extremamente penosos
anos do cárcere, Antonio Gramsci demonstrou ter uma noção exata acerca do papel
chave da imprensa como aparato privado da hegemonia sob a influência das
classes, instituições e elites dominantes. Os meios de comunicação buscam intervir
nos planos ideológico-cultural e político com o objetivo de disseminar
informações e ideias que contribuem para a formação e consolidação do consenso
em torno de determinadas concepções de mundo. A maioria deles atua para
fortalecer o que José Paulo Netto definiu como “a ordem social comandada pelo
capital” (16).
Nesse sentido, como aponta Gramsci, é fundamental ocupar e
criar espaços informativos alternativos e contra-hegemônicos que estimulem a
diversidade e o pluralismo, permitindo que outras vozes sociais se expressem de
maneira autônoma e permanente.
Notas:
1. Consultar a introdução de Carlos Nelson Coutinho no
volume 1 (1910-1920) dos Escritos políticos, de Antonio Gramsci. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2004 .
2. Antonio Gramsci. Cartas do cárcere (vol. 2: 1931-1937).
Org. de Luiz Sérgio Henriques. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.
103.
3. Domenico Losurdo, “Os primórdios de Gramsci: entre o
Risorgimento e a I Guerra Mundial”, Cadernos Cedes, Campinas, vol. 26, nº 70,
septiembre-diciembre de 2006, p. 17.
4. Giuseppe Fiori. Vida de Antonio Gramsci. Buenos Aires:
Peón Negro, 2009, p. 132.
5. Thiago Chagas Oliveira e Sandra Cordeiro Felismino.
“Formação política e consciência de classe no jovem Gramsci (1916-1920)”. Anais
do VI Seminário do Trabalho: Trabalho, Economia e Educação do Século XXI,
Unesp, Marília, 2008, p.1-5.
6. Daniel Campione. Para leer a Gramsci. Buenos Aires:
Ediciones del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini, 2007, p. 20.
7. Antonio Gramsci. Escritos políticos (vol. 2: 1921-1926).
Org. de Carlos Nelson Coutinho. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004,
p. 116-117.
8. Antonio Gramsci, “Los periódicos y los obreros”. Marxists
Internet Archive, disponível em http://marxists.org
9. Maria Teresa Arrigoni, “Gramsci: universidade, jornalismo
e política”, Perspectiva, Florianópolis, vol. 5, nº 10, janeiro-junho de 1988,
p. 74-75 .
10. Antonio Gramsci. Escritos políticos (vol. 1: 1910-1920).
Org. de Carlos Nelson Coutinho. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004,
p. 404.
11. Antonio Gramsci. Escritos políticos, ob. cit., vol. 1,
p. 431-432.
12. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, (vol. 2: Os
intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo). Org. de Carlos Nelson
Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000, vol. 2, p. 218.
13. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol. 2,
p. 197.
14. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol 2,
p. 78.
15. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol. 2,
p. 218 .
16. José Paulo Netto. O leitor de Marx. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012, p.
Créditos da foto: Arquivo

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