Diante da comoção causada pela morte de Eduardo Campos e da
tentativa de explorá-la politicamente, houve quem lembrasse de Comte e do Barão
de Itararé.
Wadih Damous (*) - http://www.cartamaior.com.br/
Ao lado de algumas inutilidades, o turbilhão das redes
sociais traz, vez por outra, reflexões interessantes. Há poucos dias, por
exemplo, diante da legítima comoção causada pela morte de Eduardo Campos e da
(ilegítima) tentativa de explorá-la politicamente, houve quem lembrasse, numa
mesma postagem, Augusto Comte (1795-1857), criador do positivismo, corrente
filosófica em voga no século XIX, e o nosso genial Apparicio Torelly, o Barão
de Itararé (1895-1971).
De Comte foi citada a célebre frase: “Os vivos são sempre, e
cada vez mais, governados pelos mortos".
Já do Barão, lembrou-se de sua observação a respeito da
frase do positivista: “Os vivos são cada vez mais governados pelos muito
vivos”.
Já que estamos em citações retiradas das redes sociais, vale
a pena lembrar também versos de Noel Rosa, em seu samba “Fita amarela”: “Meus
inimigos que hoje falam mal de mim / Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão
boa assim”.
Efetivamente, depois de morto, Eduardo Campos, que, como
todos, tinha defeitos e qualidades, passou a personificar quase a perfeição.
Mas, deixando de lado a hipocrisia que tomou conta de muita
gente, é forçoso reconhecer que a morte de Eduardo e a entrada de Marina no
cenário como candidata a presidente mudou o quadro da disputa.
A única pesquisa já com a nova situação, feita pela
Datafolha, mostra Marina com 21% das intenções de voto, um ponto percentual
acima do tucano Aécio Neves. É um salto descomunal, pois Eduardo Campos tinha
apenas 8%. Na projeção para um segundo turno, Marina bateria Dilma Roussef, por
47% a 43%.
Cabem aqui duas observações.
A primeira, causa certa estranheza o fato de que o
crescimento de Marina tenha se dado unicamente sobre os votos dos indecisos e
dos que pretendiam anular seu voto. Ela não teria retirado nada dos candidatos
que já estavam na disputa. É pouco verossímil isso. De qualquer forma, até
agora essa é a única pesquisa disponível. Paciência.
A segunda observação diz respeito ao momento em que a
pesquisa foi realizada, ainda marcado pelo impacto da morte de Eduardo. É
inevitável que, passada a comoção, haja mudanças.
De qualquer forma, algumas conclusões podem ser tiradas.
A entrada de Marina na disputa praticamente garante a
existência do segundo turno, até então duvidosa.
No novo quadro, a candidatura Aécio pode ficar fora do
segundo turno, no qual é certa a presença de Dilma.
Alguns, que mais torcem do qua analisam, defendem que o
resultado da eleição passa a ser mais incerto para Dilma, apesar da disparidade
de tempo de propaganda na TV (a atual presidente terá mais de dez minutos,
Aécio terá quatro e Marina, apenas dois). A desproporção se repete nas
inserções ao longo da programação. O maior tempo de TV é um trunfo e tanto.
Já que o quadro mudou, vale a pena estudarmos mais de perto
o que poderia ser um eventual governo encabeçado por Marina.
Se fosse eleita, para que pudesse governar ela teria que
tomar um de dois caminhos.
O primeiro seria mobilizar o povo em defesa de reformas que
pudessem mostrar o que é, afinal, essa tal “nova política”, de que tanto fala,
tendo um procedimento semelhante ao que, de forma pejorativa e preconceituosa,
os conservadores chamam de chavismo. Nesse caso, com o apoio da sociedade
civil, Marina poderia tentar enfrentar um Congresso majoritariamente hostil.
Essa alternativa é pouco provável. Seja pela história mesma
de Marina - que é conservadora em muitos aspectos - seja porque ela não tem
ligações com movimentos organizados. Por isso, mesmo que quisesse, Marina teria
pouco espaço para se apoiar na sociedade civil, contrapondo-se a um boicote do
Congresso. .
Além disso, há outro fator que não permite considerar esse
caminho provável: ao contrário da imagem que se tenta vender às vezes, a
candidatura Marina se assenta fortemente em gente muito próxima aos tucanos. Ao
se examinar suas propostas (quase todas muito pouco claras), vê-se que ela é
quase uma linha auxiliar do PSDB.
Seus gurus econômicos, por exemplo, a começar pelo que
parece ser o mais próximo a ela, Eduardo Gianetti, são tucanos de corpo e alma.
“Vamos continuar com o tripé [superávit primário, metas de inflação e câmbio
flutuante]”. “Corrigir o salário mínimo pelo crescimento de dois anos atrás e o
IPCA do ano anterior não tem o menor sentido. Também é complicado reajustar o benefício
previdenciário pelo salário mínimo. Atrelar perpetuamente [as aposentadorias]
ao salário mínimo não faz sentido”, afirmou Gianetti em entrevista à “Folha de
S.Paulo” (21/10/2014).
É evidente que nada disso aponta para uma política que
busque o apoio nas ruas.
Assim, o recurso à sociedade civil para governar sem se
render à “velha política” parece improvável.
O segundo caminho possível para Marina seria compor com esse
Congresso, ao preço de abandonar o discurso de que veio “para renovar a política”.
Ele é possível. Mas, convenhamos, se assim for, um eventual governo de Marina
não teria nada de “nova política”
Assim, tudo indica que, ou ela se renderia ao
conservadorismo do Congresso ou se veria diante de um impasse.
Nenhuma das alternativas parece alvissareira para os
trabalhadores.
(*) Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos
Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro
Créditos da foto: Arquivo

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