O protesto estava limitado aos parlamentares do PS. Mas
quando atravessou a linha vermelha e se instalou no coração do governo,
Hollande cortou cabeças.
Eduardo Febbro - http://www.cartamaior.com.br/
Paris - A guerra das esquerdas francesas e seu objeto de
discórdia central, a austeridade, derrubou o segundo governo do presidente
francês, François Hollande. O primeiro ministro, Manuel Valls, apresentou a
renúncia completa de seu Executivo após um fim de semana no qual os
representantes mais progressistas do gabinete criticaram a continuidade das
políticas de austeridade e pediram uma mudança de rumo. O paradoxo é tão extravagante como impiedoso:
o encarregado de lançar o ataque foi quem, até o domingo, era o ministro da Economia,
Arnaud Montebourg, ou seja, o encarregado dessa política econômica.
O ex-ministro é conhecido por suas posições contrárias ao
dogma liberal, por seus ataques contra a globalização e suas posições a favor
de um "capitalismo cooperativo". Montebourg deu uma entrevista ao
jornal Le Monde, onde declarou que era peciso deixar de lado "a redução do
déficit". Além disso, acrescentou que "a redução forçada dos déficits
públicos é uma aberração econômica, um absurdo financeiro e um desastre
político". Ante o socialismo militarizado de Manuel Valls e a linha
assumida por François Hollande na qual prevalece sobretudo o rigor
orçamentário, seus dias estavam contados. O presidente francês já havia dito
que não havia "escapatória" em relação a essa política e Manuel Valls
ratificou que as mudanças estavam "excluídas", ao mesmo tempo que
tratou de "irresponsáveis" os
atores rebeldes do Partido Socialista que estão exigindo há meses outro
horizonte.
A tempestade decapitou o governo formado há cinco meses,
pouco tempo depois das calamitosas eleições municipais que custaram centenas de
municípios ao PS francês. A contradição entre as promessas eleitorais -
"meu inimigo é a finança", como disse Hollande na campanha, e a
realidade do exercício do poder tornou inviável a convivência entre os dois grupos.
O giro liberal de François Hollande deixou primeiro o país atônito e agora o
envolve em uma contagem regressiva que o jornal Le Monde resume em seu
editorial como "a última possibilidade de salvar a presidência".
A situação era insustentável. O protesto estava limitado até
agora aos parlamentares do PS. Mas quando atravessou a linha vermelha e se
instalou no coração do governo, Hollande e seu primeiro ministro não duvidaram
em amordaçar o debate e sacrificar aqueles que o alimentavam. Custe o que
custar, os dois responsáveis mantiveram o rumo: austeridade - economia de 50 bilhões de euros - e reativação da economia
a partir da oferta mediante um custoso programa de apoio às empresas, o
polêmico "pacto de responsabilidade". Arnaud Montebourg não é o único
que desembarca do obediente barco de Hollande e Valls.
A ministra da Cultura, Aurelie Filippetti, anunciou que não
fará parte do próximo governo. Benoît hamon, o ministro da Educação e também
membro do grupo rebelde, está igualmente em questão. Segundo das instruções do
chefe de Estado, Manuel Valls deve formar uma "equipe coerente com as
orientações".
A socialdemocracia de François Hollande e Manuel Valls é
muito contemplativa. Quem não está de acordo tem que se calar, é um
"irresponsável", não entende que sim as reformas a esquerda
"pode desaparecer" (Valls) ou
se choca com o carteiraço retórico segundo o qual "não existe outra saída
para a crise".
Montebourg e Hamon representavam a garantia dada à ala
esquerda do PS. Com sua saída de cena, o mandatário termina de isolar aqueles
que contribuíram para sua vitória em maio de 2012. A primeira coisa que fez foi
despachar a Frente de Esquerda de Jean-Luc Mèlenchon, depois eliminou os
ecologistas do governo, mais tarde deslegitimou os senadores progressistas do
PS e agora expulsa os irredutíveis.
Uma das representantes mais sólidas da ala esquerda do PS,
Marie Noëlle Lienemann, disse que François Hollande se encontrava "como um
rei nú". A maioria socialista na Assembleia Nacional pode se tornar
instável. No início, os opositores socialistas à linha centrista liberal eram
um pequeno grupo, logo passaram a ser dezenas. A eles foram se somando
deputados ecologistas e e comunistas. O afastamento de Montebourg traça uma
fronteira cada vez mais profunda entre o mandatário e suas tropas
decepcionadas. A ameaça de uma dissolução da Assembleia nacional entra hoje em
todos os cálculos.
O debate em torno da austeridade envenena a esquerda
europeia há anos. O cruzamento de ideias se traduziu na França por uma ruptura
insólita no interior de um mesmo partido. "A esquerda está em perigo de
morte", dizia o primeiro ministro Manuel Valls cada vez que defendia suas
reformas como condição de sobrevivência da socialdemocracia. Com certeza,
respondia, Montebourg, mas é por causa dessas reformas que se morre. "As
políticas de austeridade não funcionam e, além disso, são injustas", disse
o ex-ministro ao se despedir de seu cargo.
Rigor orçamentário, reformas estruturais de corte liberal,
compromissos com o empresariado, o coquetel irredutível da política europeia
afundou o crescimento, o mercado de trrabalho e até um governo de perfil
socialista retórico.
Paladino da hostilidade ao euro, crítico da Alemanha e da
Comissão Europeia, Arnaud Montebourg era um incômodo ministro face à agenda
reformista e estranguladora de Bruxelas. A imprensa liberal da Europa exulta de
Alegria com sua renúncia. Seu afastamento, assim como o de outros ministros
rebeldes, é um sinal de derrota e resignação da parte de um homem, François
Hollande, que havia se apresentado como a alternativa socialdemocrata ao
pensamento único do euroliberalismo. Junto com Manuel Valls, Hollande terminou
encarnando uma socialdemocracia de quartel, autoritária, intolerante, vazia de
toda mensagem e épica política, seca como um poço pré-histórico.
Tradução: Louise Antônia Leon
Créditos da foto: Getty Images

Comentários
Postar um comentário
12