Partindo da prescrição marineira de que precisamos de mais
elites, cabe questionar será que é desejável construir uma democracia baseada
em elites?
Rafael Cesar Ilha Pinto (*) - http://www.cartamaior.com.br/
Muitas pessoas ficaram surpresas com a declaração de Marina
Silva no primeiro debate entre os presidenciáveis na Rede Bandeirantes sobre as
elites: a comparação entre Maria Alice Setúbal (a Neca) e Guilherme Leal com
Chico Mendes, dizendo que este último também seria da elite e, com a afirmação
de que o Brasil precisaria de mais elites. Um debate mais profundo até foi
travado entre cientistas políticos sobre o enunciado, a terminologia e a
corrente epistemológica a que faz referência nesta área acadêmica.
O debate dizia respeito à vinculação da fala da candidata à
Teoria das Elites, corrente teórica e escola de investigação muito relevante na
Ciência Política (em muitos ambientes hegemônica) e nas Ciências Sociais de
maneira geral. Essa corrente teórica preconiza, em linhas gerais, que a vida
pública é comandada por elites políticas representativas de determinados grupos
sociais. Segundo essa tradição teórica (que vem desde Mosca, Pareto e
Mischels), essas elites cumprem, ao mesmo tempo, o papel de exercer a liderança
em seu grupo de origem e ser seu representante no âmbito mais geral da
sociedade.
Nesse sentido, Marina Silva estaria então comparando e
dizendo que Chico Mendes como líder sindical e Guilherme Leal (dono da Natura,
grande empresário e seu vice em 2010), assim como, Maria Alice Setúbal
(herdeira e acionista do Banco Itaú), seriam elites, diferentes elites, mas
elites que influenciariam a vida política nacional como representantes de seus
grupos sociais de origem. Não discordo da análise, não há problema nessa
explicação teórica e, em minha opinião, procede à percepção daqueles que
enxergam em Marina Silva essa linha de raciocínio.
Gostaria apenas de fazer duas considerações sobre esse
debate, uma de caráter analítica sobre a teoria e outra de caráter
prático/normativo sobre a postura de Marina.
Em primeiro lugar, entendo que a Teoria das Elites, como
campo analítico de estudo da Ciência Política para a democracia liberal
(constituída esta pela representação legal e indireta) uma excelente ferramenta
de investigação, descrição e interpretação da realidade objetiva na maior parte
dos casos. Contudo, tenho cá minhas discordâncias quanto a este modelo teórico.
Minha inconformidade parte de algumas singelas e, talvez, ‘ultrapassadas’
indagações:
1º será que as digamos, ‘elites econômicas’ e as digamos,
‘elites populares’, exercem influências iguais em escala e natureza na vida
pública?;
2º/1 será que a democracia liberal, como se conhece nos
países ocidentais, em especial nos países Europeus, tem a mesma lógica de
justiça (analisada por liberais como Hawls e Habermas, por exemplo) no contexto
latinoamericano e brasileiro em particular?
2º/2 será que esta lógica relacional de alteridade social e
política é/está bem adaptada à nossa realidade?
2º/3 será que queremos incorporar integralmente e somente
esta ‘receita de bolo’, formulada no contexto europeu de disputa entre liberais
X conservadores, à nossa vida pública?;
3º será que em um país com desigualdades sociais e
econômicas anacrônicas e estruturais (ver índice de GINI do Banco Mundial) é
possível 'equalizar' elites em sua capacidade de intervenção na vida pública?
Em segundo lugar, seguindo o raciocínio acima, o que Marina
Silva então parece estar querendo dizer com ‘o Brasil precisa de mais elites’ é
exatamente o pressuposto da Teoria das Elites e, o reforço da ideia liberal de
que ‘os melhores’ exercem a liderança e devem governar a vida pública. Assim,
partindo da prescrição ‘marineira’ de que precisamos de mais elites, questiono:
será que é possível, ou mesmo desejável, ter somente e reforçar apenas o modelo
de democracia representativa baseado em elites políticas? Em um país como o
Brasil, tão desigual como dito mais acima, quais das elites governarão ou
continuarão a governar? Essas elites, que deterão o monopólio da representação
política, serão permeáveis ou refratárias a, pelo menos, uma maior inclusão
social e cidadã?
Acredito, em medida complementar, que é preciso pensar o
processo democrático para além do mero procedimento bianual de escolha de
líderes já estabelecido, é preciso refletir para além da democracia ‘realmente
existente’ e institucionalizada pela Constituição Federal de 1988. Já é hora de
refletirmos sistematicamente sobre os ‘vazios’ democráticos que esse modelo de representação
nos relega e interrogar como superar esses vácuos e a tão propalada ‘crise de
representação’.
Conjecturando, de maneira a acrescer, a possibilidade de uma
democracia de maior intensidade e substância, maior participação e envolvimento
social e que confira, por consequência, maior legitimidade a todo sistema
representativo.
Sem essa perspectiva, a ‘nova política’ é só uma miragem sem
conteúdo (na verdade conservadora do status quo político), um palavrório
moralizante sem efeito, uma cantilena já ouvida e requentada nesta eleição,
mais uma vez.
(*) Doutorando em Ciência Política/PPGPOL - UFRGS
Créditos da foto: Arquivo
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