Uma boa olhada na bancada de 90 deputados federais petistas
ajuda a responder.
Amílcar Salas Oroño - http://www.cartamaior.com.br/
Nas três últimas eleições presidenciais – 2002, 2006, 2010 –
que deram a coalizão do Partido dos Trabalhadores (PT) como vencedor, houve
segundo turno entre os dois candidatos mais votados. Não seria uma novidade,
nem uma anomalia política que esta situação voltasse a se repetir neste ano. O
que a morte do aspirante à presidência do Partido Socialista Brasileiro (PSB),
Eduardo Campos, trouxe é, talvez, não um cenário completamente diferente, mas
sim algumas incertezas em relação às próximas circunstâncias em que as eleições
presidenciais podem acontecer.
É certo que, diferentemente das eleições em outros países do
Cone Sul, onde ocorreram “reeleições” com números plebiscitários, o caso
brasileiro mostra um sistema político muito mais condicionado à construção de
maiorias: tudo parece indicar que, novamente, Dilma Rousseff e o PT terão que
se conjugar, em um futuro mandato, a uma governabilidade compartilhada – o que
às vezes consome certa energia de uma agenda de mudanças, mas é consequência,
definitivamente, das correlações de forças dispostas na sociedade.
Um espaço político conservador que se fecha
Nesta eleição, despede-se da vida política, tal como ele
mesmo anunciou, o ex-presidente José Sarney (1985-1990), do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Não importa tanto o nome próprio como
o fato de ficar cada vez mais claro que a competência político-partidária no
Brasil vai, lentamente, descartando uma determinada geração e modalidade de
acesso, construção e atuação política.
Com a saída de Sarney, consolida-se o declino dos setores
mais tradicionais e conservadores no exercício do poder, reciclados no sistema
democrático – Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, entre outros –, o que não
significa que estas “elites políticas” desaparecerão completamente.
Não se trata somente da saída de uma figura política
determinante, mas sim de uma tensão que vem sendo produzida nos últimos anos
entre forças políticas de uma estrutura “elitista” e, em oposição, outras
forças democráticas com vocação “antielitista”. É certo que nada se apresenta
de maneira tão clara, mas o próprio fato de existir esta tensão é algo
auspicioso; uma clivagem que nem sempre se manifesta como tal, porque as mesmas
condições de reprodução das amplas coalizões partidárias forçam a opacidade, mas
que de maneira subterrânea pode servir de registro e caracterização do panorama
brasileiro.
Não é somente o deslocamento de nomes: há uma espécie de
modernização das opiniões e formas da competência política no Brasil, com a
extinção progressiva daqueles “clãs” e fórmulas tradicionais do exercício
político. Uma “modernização” que não implica na anulação de uma forma de
compreender a totalidade social de um ponto de vista “elitista”.
De fato, a consequência desta reformulação organizativa é
uma nova dispersão da representação: como dado desta eleição presidencial, pode
ser mencionado o aumento no número de partidos com capacidade de transação e
que integram as principais coalizões (nove, no caso da coalização encabeçada
pelo PT; nove, no caso da coalizão encabeçada pelo Partido da Social Democracia
Brasileira, PSDB, e seis no caso da coalizão liderada pelo PSB). Dispersão que
herda a situação do recrutamento "elitista”. A própria “volta” vertiginosa
de Marina Silva como candidata presidencial após a morte de Campos tem
elementos de instalação mais correspondentes com os novos tempos; move-se sobre
a base de certos recursos heterogêneos móveis, mesclando diversos aspectos:
combinação de partidos pequenos, apoios intelectuais, patrocinadores de corpo
próprio como a Natura ou a família Itaú, redes sociais etc.
Um efeito da “modernização” não sempre
"antielitista" em suas posições, uma combinação ainda mais
assimilável ao candidato do PSDB. Seria até possível colocar que a candidatura
de Marina Silva é um pouco mais moderna em relação às formas tradicionais da
política em transformação, em alguns momentos, pós-moderna, com os sentidos que
querem atribuir ao termo.
Espaços políticos e ideologia
Alguns dados interessantes sobre esta questão podem ser
extraídos, tal como fizeram alguns estudos, uma análise de perfis dos 513
deputados que compõem a Câmara dos Deputados.
A bancada do PT (90 deputados) é, entre os partidos
políticos mais influentes, a que apresenta, no geral, o patrimônio pessoal
médio mais baixo por deputado, a que mostra o menor índice de familiares
relacionados à atividade política institucional e a que tem menos vínculos com
atividades empresariais (por parte de cada um dos deputados).
Neste sentido, seria possível afirmar que o PT ainda é uma
força política alternativa às “elites”, sejam elas políticas ou econômicas,
confirmando um diagnóstico que segue há tempos e que caracteriza o PT como uma
força que “popularizou” a política institucional no Brasil, o que não é um
detalhe para as condições da democracia. Sobre isso, não apenas “os governos se
parecem mais com seus povos”, mas, para o caso brasileiro, determinada “classe
política” se parece mais com seu povo.
Entretanto, o fato de ter que compor uma governabilidade com
forças políticas como o PMDB ou o Partido Progressista (PP), cujos integrantes
– em sua maioria – claramente não comportam este caráter “antielitista”, faz
com que sua imagem perca a nitidez. O desenlace entre os processos
modernizantes e os projetos “elitistas” ou “antielitistas” está por vir.
Em todo caso, o que uma campanha eleitoral pode trazer, e é
desejável que assim aconteça até outubro, é uma presença mais robusta no
discurso político em relação à necessidade de identificar e “isolar as elites”,
para depois tentar neutralizar sua ingerência sobre a dialética social. É um
problema regional; em uma conjuntura como a atual, em que são definidas as
características de nossa condição periférica, as travas que supõem os
comportamentos das “elites” em sua busca por manter seus privilégios resultam
em um impedimento para a expansão do próprio interesse nacional em cada um dos
países. Por isso a importância desta eleição presidencial, e do caráter que ela
assume.
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Amílcar Salas Oroño é cientista político do Instituto de
Estudos da América Latina e do Caribe da Universidade de Buenos Aires (UBA).
A tradução é de Daniella Cambaúva.
Originalmente publicado em http://portaldelsur.info/.
Créditos da foto: Guilherme Santos/UPPRS
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