Para Wanderley Guilherme dos Santos, enquanto sociedade se tornou plural, mídia se concentrou, tornando-se obstáculo a formação de consensos necessários ao país
O Conversa Afiada reproduz entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos a Paulo Moreira Leite:
Costumo entrevistar Wanderley Guilherme dos Santos, desde a
década de 1980, quando o país vivia sob o governo de José Sarney. Wanderley é
um dos principais pensadores do país de hoje e já perdi a conta de quantas
conversas tivemos, desde então. Foram
três entrevistas apenas na campanha presidencial de 2014. A primeira, no
início, permitiu ao professor mostrar o que estava em jogo na eleição. Na
seguinte, logo após o segundo turno, Wanderley fez uma avaliação do primeiro
mandato Dilma e apresentou bons argumentos a favor da reeleição. A terceira
entrevista foi feita ontem, por escrito, logo após a quarta vitória do PT em
eleições presidenciais.
Wanderley acredita que a democratização dos meios de
comunicação é um debate que vai se impor a partir de 2015. Sua visão vai além
da abordagem política mais conhecida, que condena o pensamento único que dirige
os principais jornais revistas e emissoras de TV porque não reflete a
pluralidade em vigor na sociedade brasileira. Sem deixar de criticar essa
situação, Wanderley aprofunda o debate. Mostra que a concentração da mídia
produz prejuízos bem maiores. Representa um obstáculo poderoso ao amadurecimento
político do país. Em vez de estimular a formação de consensos em diversas
áreas, que poderiam auxiliar no progresso social e na tomada de decisões de
interesse geral, os meios de comunicação estimulam a formação de linhas de
conflito inegociáveis entre grupos e setores sociais. Ajudam a definir posturas
sectárias e criam um radicalismo artificial, sem base na vida real.
Impossível discordar — quando se recorda o jogo dos meios de
comunicação na campanha presidencial.
A entrevista:
PERGUNTA — Após a quarta vitória consecutiva do PT numa
eleição presidencial, um fato inédito em nossa história, qual deveria ser a
prioridade do governo Dilma a partir de agora?
As prioridades do governo devem incluir avanços na
preocupação social, com a consolidação das leis sociais, por exemplo, e uma
revisão da estrutura tributária tornando-a menos regressiva. Não acredito na
visão de que projetos mais ousados — como um imposto sobre grandes fortunas —
não seriam recomendáveis face ao resultado das eleições. Creio que podem muito bem servir de reanimação ao eleitorado
progressista, reduzindo a abstenção e os votos nulos e brancos em próximas
eleições.
PERGUNTA — O que também poderia ser feito?
Uma revisão profunda da máquina burocrática é absolutamente
indispensável, tanto pela investigação do que existe de desperdício pela via da
corrupção quanto pela via da ineficiência, uma das raízes, aliás, dos convites
à corrupção. Simultaneamente, será obrigatório o desenho de medidas que
protejam a economia brasileira da grave crise internacional, o que implica em
coordenar esforços públicos e privados. O diálogo com os representantes dos
setores do sistema econômico é inevitável. E no mesmo espírito de formação de
consensos operacionais, impõe-se uma discussão para viabilizar a democratização
dos meios de comunicação.
PERGUNTA — Por que não é possível adiar a democratização dos
meios de comunicação?
Enquanto a sociedade se torna mais pluralista, como as
eleições demonstram, os meios de comunicação se concentram e se mostram obstáculos
à formação de consensos operacionais, tentando introduzir linhas de conflito
inegociáveis entre grupos e segmentos sociais e econômicos. Não é possível
governar democraticamente uma sociedade com uma imprensa amordaçada por
interesses oligárquicos como é o caso brasileiro. É crucial produzir a
liberdade de imprensa do mundo moderno, até hoje ausente do país que se
moderniza em outras dimensões.
PERGUNTA — A oposição diz que o país saiu “dividido” das
eleições.
O Brasil saiu dividido depois das eleições entre vitoriosos
e perdedores, como é costume em democracias. A geografia heterogênea das
votações dificulta afirmar a existência de outros eixos de divisão. Com
certeza, segmentos de eleitores beneficiados por políticas de governo tendem a
votar em seus candidatos. Os governos do Partido dos Trabalhadores têm dado
prioridade à descentralização econômica e à distribuição de renda. É natural
que seja alta a probabilidade de que tenha obtido mais votos em áreas
territoriais e econômicas beneficiadas pela orientação do governo.
PERGUNTA — Os sindicalistas perderam um numero expressivo de
cadeiras no Congresso. Como explicar isso?
Os sindicalistas perderam cadeiras no Congresso, o PSDB,
conservador, aumentou sua bancada na Câmara dos Deputados e o DEM,
ultra-direita quase desapareceu. Não há um só princípio ideológico orientando
sistematicamente todos os eleitores. Muitos mudam de opinião de uma eleição
para outra e essa é uma das razões que fazem da democracia um sistema de
negociações entre múltiplos interesses e vitórias não antecipadas. O eleitor
brasileiro distingue os diferentes níveis de eleição – presidencial,
senatorial, governo estadual, prefeitos, deputados federais, estaduais e
vereadores – e com isso o mosaico das casas de representação e os variados
níveis de votação majoritária é muito complexo. Não existe no Brasil a
arregimentação quase que militar que ocorre na mobilização partidária de
sociedades menos democráticas. Em outras palavras: não há superposição de eixos
de conflito na sociedade brasileira, com força suficiente para fender a
população em dois grupos antagônicos e irreconciliáveis. Daí que os vencedores
em eleições presidenciais tenham que se haver com governos estaduais e
municipais, além das câmaras representativas, de inclinações diferentes da sua.
É o caso, mais uma vez, das eleições de 2014. Há governadores, senadores e
bancadas de deputadas com compromissos partidários os mais diversos. Isso é, ao
mesmo tempo, efeito e custo democráticos, pois a representação de múltiplos
interesses impede a tentativa de qualquer uniformização anti-democrática da
sociedade, e ao mesmo tempo impõe custos em tempo de negociação e formação de
consensos operacionais.
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