A reaproximação entre Cuba e os EUA contém um
paradoxo e uma lição geopolítica, sobretudo para os países que se propõem subir
na escada internacional do poder.
“O Brasil terá que descobrir um novo caminho de
afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua
zona de influência imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das
grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma
violência que utilizaram os europeus e os norte-americanos para conquistar suas
colônias e protetorados”
J.L.Fiori,
“História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”,
Editora Boitempo, SP, 2014, p: 279
A geografia teve um papel decisivo na formação e no
desenvolvimento político e econômico da América do Sul. Por um lado, ela permitiu e estimulou a
formação de um região geopolítica e geoeconômica plana, homogênea, de alta
fertilidade e de crescimento econômico quase contínuo na Bacia do Prata; mas,
ao mesmo tempo, ela impediu que os
países e a economia do Prata – incluindo o Brasil - se expandissem na direção
da Amazônia, do Caribe e do Pacífico.
No caso do Brasil, em particular, a topografia do
seu território atrasou a sua própria interiorização demográfica e econômica, e
enviesou os seus processos de urbanização, crescimento e internacionalização,
na direção do Atlântico. A Floresta
Amazônica, com suas planícies tropicas de baixa fertilidade e alto custo de
exploração, dificultou a sua própria ocupação, e bloqueou o caminho do Brasil na direção da Venezuela, Guiana, Suriname, e
Mar do Caribe. O Pantanal e o Chaco boliviano, com suas montanhas e
florestas tropicais limitaram a presença
do Brasil nos territórios entre a Guiana
e a Bolívia; e a Cordilheira dos Andes,
com seus 8 mil km de extensão e 6.900 metros de altitude, obstruiu o acesso do
Brasil ao Chile e ao Peru, e o que é ainda mais importante, ao Oceano Pacífico
com todas as suas conexões asiáticas.
Esta geografia extremamente difícil explica a
existência de enormes espaços vazios dentro do território brasileiro e nas suas
zonas fronteiriças, e sua escassa relação econômica com seus vizinhos, durante
quase todo o século XX, quando o Brasil não conseguiu – nem mesmo - estabelecer
um sistema eficiente de comunicação e integração bioceânica, como aconteceu com
os Estados Unidos, já na segunda metade do século XIX, depois da sua conquista
da Califórnia e do Oregon, que se transformou num passo decisivo do seu
desenvolvimento econômico, e da projeção do poder global dos Estados Unidos.
Todas estas
barreiras e dificuldades geográficas, entretanto, adquiriram uma nova dimensão
e gravidade, no início do século XXI, graças:
i) a transformação da China, do
sudeste asiático, e da Bacia do Pacífico,
no espaço mais dinâmico da economia mundial; ii) sua transformação
simultânea, e no tabuleiro geopolítico mais relevante para o futuro do sistema
mundial no transcurso do século XXI; iii) a consequente, “chegada’ econômica da China ao continente
sul-americano, e ao Caribe e América Central, sobretudo depois do anúncio da
construção do novo Canal Interoceânico da Nicarágua, financiado e construído
pelos chineses, a um custo previsto de
40 bilhões de dólares; iv) a consequente revalorização geopolítica e
geoeconômica do Caribe e da América do
Sul, como tabuleiros relevantes da
competição global entre os Estados Unidos e a China, e da competição regional
destes dois países, com o Brasil.
Esta nova situação obriga o Brasil a redefinir
´inevitavelmente - sua estratégia, e o cálculo de custos do seu
próprio projeto de integração regional, incluindo a ocupação dos “espaços
vazios” da América do Sul, e da “conquista” do seu acesso ao Oceano Pacífico e
ao Mar do Caribe. Este tem que ser o ponto de partida do debate sobre a Unasul
e o Mercosul, e sobre o fortalecimento da soberania política e econômica do
continente, incluindo, como é óbvio, os países sul-americanos da Aliança do
Pacífico. Mas este ponto é esquecido em
geral pelos analistas, e é substituído por uma discussão sem fim sobre a
“lucratividade” comercial ou financeira, do projeto e do processo da integração
continental. Estes analistas não entendem ou não querem aceitar que se trata de
um objetivo e de um processo que não pode ser avaliado apenas pelos seus
resultados econômicos, porque envolve um jogo geopolítico e geoeconômico muito
mais complexo e global.
Desta perspectiva, o recente reatamento das
relações diplomáticas dos EUA com Cuba, explicita e aprofunda esta disputa pela
supremacia regional. Foi uma vitória política indiscutível de Cuba e da América
Latina, e também, do “internacionalismo liberal” de Barack Obama, que luta para
sobreviver ao seu atropelamento pelo ultraconservadorismo dos republicanos, e
de muitos dos seus próprios partidários democratas. Mas ao mesmo tempo, esta
reaproximação é inseparável da expansão econômica chinesa no Caribe e na
América Central, e do anúncio do novo “Canal da Nicarágua”, com 278 km de
extensão, bem maior e mais complexo do que o Canal do Panamá, e com a obra
programada para começar em dezembro de 2104. Uma disputa que começa no Mar do
Caribe, mas se projeta e prolonga na luta pela liderança política, econômica e
estratégica da América do Sul.
Neste sentido, a reaproximação entre Cuba e os EUA
contém um paradoxo e uma lição geopolítica, sobretudo para os países que se
propõem subir na escada internacional do poder e da riqueza: uma vitória parcial, em qualquer tabuleiro do
sistema provoca sempre o aparecimento de um novo desafio estratégico ainda mais
complexo do que o anterior. Neste caso, foi uma vitória dos “povos latinos” e
de certa maneira, da própria política externa brasileira, mas esta mesma
vitória aumenta a urgência do Brasil abrir seus canais de comunicação e
transporte com o Mar do Caribe e com a
Bacia do Pacífico, a qualquer preço, e por mais criticada que seja a
rentabilidade econômica imediata do projeto.

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