A crise da Petrobras à luz do problema global do petróleo,
mas o alarmismo da imprensa parece interessado em modificar o regime de
partilha do pré-sal
Darío Pignotti – http://cartamaior.com.br/
“Há vários interesses
geopolíticos interferindo na crise da Petrobras”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo,
ao lembrar que as petroleiras norte-americanas ficaram de fora da exploração de
uma enorme reserva da área do pré-sal onde estão presentes companhias chinesas,
associadas à estatal brasileira.
O professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e
eventual assessor da presidenta Dilma Rousseff analisa o escândalo em torno da
operação Lava Jato a partir de um ângulo geopolítico e econômico, evitando o
alarmismo da velha imprensa, que parece interessada em “modificar o regime da
partilha e voltar ao de concessão”, segundo afirmou em entrevista à Carta
Maior.
Mar de fundo
“Claro que tudo isto que acontece na Petrobras tem
importância geopolítica. Acredito que os Estados Unidos não se conformem em
terem ficado de fora da exploração do campo de Libra, no leilão do ano passado,
vencido por um consórcio de petroleiras chinesas, e todo o mundo sabe que a
China quer disputar novos leilões na área do pré-sal, fortalecendo sua
presença”.
“A crise da Petrobras tem que ser compreendida em meio a um
quadro maior, que é o problema global do petróleo, envolvendo a Rússia e as
pressões feitas recentemente contra a Rússia, tentando encurralar o governo de
Putin. Me parece difícil que as potências ocidentais consigam fazer a alma
russa ceder”.
Dilma
“É absurdo vincular de algum modo a presidenta Dilma com a
corrupção. É inaceitável que setores da oposição, setores da sociedade
brasileira digam essas coisas que na verdade são conseqüência de não aceitarem
que foram derrotados nas eleições. Isso é desconhecer o voto popular, isso é
golpismo”.
Petróleo, Rússia e Brics
“Eu não sei se este escândalo é em represália pela
participação brasileira nos Brics, o que sei é que a posição do Brasil nos
Brics é algo que os Estados Unidos e a Europa olham atentamente. Quando alguém
fala com funcionários internacionais, contam as pressões que o Brasil sofreu
relacionadas ao banco de fomento e ao acordo do fundo de contingências dos
Brics, que é uma espécie de novo FMI (acordos assinados neste ano na cúpula dos
Brics de Fortaleza).
Se este fundo já estivesse em funcionamento hoje, talvez
pudessem mitigar as pressões cambiais que a Rússia sofre e que estão afetando o
Brasil também. As pressões de certos grupos são fortíssimas para que o Brasil
se separe dos Brics e também do Mercosul, que estará reunido nesses dias na
Argentina. E querem empurrar o Brasil para fazer um acordo com a União
Europeia, que eu chamo de ‘volume morto da economia mundial’. Eu não digo que é
preciso se separar dos Estados Unidos e da União Europeia”.
Petrobras e empreiteiras
“O peso da Petrobras e das empreiteiras na formação de
capital fixo é fundamental no Brasil, então o que eu tenho manifestado é o
temor de uma paralisia maior na economia. Existe o risco de que seja
introduzido um fator depressivo em uma economia que se está comprometendo o
corte de gastos e a austeridade com o novo governo.
É preciso saber discernir entre os eventuais crimes que
tenham ocorrido e permitir que as empresas empreiteiras continuem operando
porque não é possível substituí-las. Elas têm uma memória técnica muito
importante, participaram em todas as grandes obras de infraestrutura desde o
regime militar”.
“É preciso evitar um problema sistêmico, se a Petrobras
continuar neste impasse, isto vai prejudicar as empresas provedoras da
Petrobras, que já estão estranguladas e não estão cobrando”.
Hipocrisia
“Há muita hipocrisia no modo como a mídia trata a crise no
Brasil. Fala-se com muito alarmismo da Petrobras e não se diz como agiram os
norte-americanos diante da crise do subprime, foi um problema muito maior que o
da Petrobras. Alguns bancos receberam multas pesadas, alguns executivos foram
sancionados penalmente, foram menos do que aqui, mas ao final, os americanos
preservaram as estruturas.
O Congresso introduziu mudanças nas leis financeiras para
proteger os bancos e os depósitos. Foi um projeto redigido pelo Citigroup. E,
frente a tudo isto, ninguém se escandaliza e ninguém fala de corrupção”.
Abutres
“Quando a justiça dos Estados Unidos intervém na crise da
Petrobras diante das demandas dos advogados que patrocinam os acionistas,
estamos vendo um procedimento estranho, parecido com o que aconteceu com os
fundos abutres e a Argentina.
Claro que há acionistas da Petrobras na Bolsa de Nova York,
os ADR são emitidos em Nova York, mas acredito que tudo isto seja um pretexto
para poder levar o caso à justiça norte-americana”.
Capitalização estatal
“O governo teria que capitalizar a empresa, que está muito
desvalorizada, seu valor de mercado está muito longe de seu valor patrimonial.
O preço das ações da Petrobras está diminuindo aceleradamente porque as bolsas
se movem seguindo as expectativas de curto prazo, e eu acredito que se
enxergassem em longo prazo, o prelo das ações não teria uma queda tão
significativa”.
Polícia
“As estruturas encarregadas de “vigiar e punir”, como dizia
Foucault, como é a polícia federal, agem sem cuidar das estruturas empresariais
fundamentais.
Isso é inevitável no Brasil. Aqui, a Polícia Federal e as
polícias estaduais estiveram sempre sintonizadas com certos grupos políticos,
com a imprensa e com setores do Poder Judiciário. É assim que o sistema
funciona, e os membros da polícia atuam individualmente seguindo esta lógica.
Não é pela maldade ou pela vontade deste ou daquele delegado, é o mecanismo
existente que faz com que a investigação seja feita sem que se leve em conta as
consequências que isso terá para o conjunto da sociedade”.
Globo
“O que se lê na cobertura do Globo é que eles querem
transformar o regime de partilha que está em vigor pelo de concessão que se
aplicava antes. Mas não se justifica um regime de concessão porque agora não há
riscos para os privados porque as reservas já estão descobertas, seus recursos
já estão estimados. E tudo isto é para tirar o controle da exploração da
Petrobras e passar para as empresas petroleiras estrangeiras. Acredito que
também querem trazer as construtoras estrangeiras, em especial as construtoras
norte-americanas.
Esses grupos de imprensa sempre atacaram a Petrobras, desde
a sua criação (1953).
Toda a imprensa brasileira, salvo o jornal Última Hora,
esteve visceralmente contra a Petrobras e atacou a campanha “O Petróleo é
Nosso”.
(As palavras de Belluzzo sobre o lobby da Globo a favor das
empreiteiras norte-americanas ficaram em evidência em uma coluna de Carlos
Alberto Sardenberg, que propôs a formação de um programa similar ao PROER dos
anos 90, para socorrer e depurar as empreiteiras e ao mesmo tempo permitir que
estas se associem a empresas estrangeiras).
Graça Foster
“Acredito que não possamos subestimar o problema da
corrupção na Petrobras, que mostra que houve falta de controle de suas
autoridades. Essa corrupção enfraquece a empresa. Tenho a melhor impressão de
Graça Foster, acredito que ela não esteja envolvida em nada, mas me parece que
a direção da Petrobras deveria sair para conter a crise. Acredito que ela
deveria ser substituída por um empresário ou por um militar.
Vou lembrar algo que parece meio desagradável, mas a verdade
é que o Exército sempre teve um compromisso com o petróleo, por isso eu
designaria uma militar democrata sério para administrar a Petrobras, isso daria
credibilidade.
Há muitos militares democráticos?, perguntou Carta Maior.
“Sim, há. É preciso lembrar que o processo de criação da
Petrobras contou com o apoio do exército. O golpe de 64 fez com que esses
militares nacionalistas perdessem peso. Não se pode generalizar quando se fala
dos militares. Depois do golpe, houve um grupo comprometido com a tortura, mas
houve outro grupo que não estava. Por isso acredito que haja militares
nacionalistas que agora podem dar uma contribuição com a Petrobras”.
Créditos da foto: reprodução
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