Por Miguel do Rosário - http://www.ocafezinho.com/
Há
tempos que eu queria escrever um texto calmo.
Calmo
e otimista.
Nem
que seja uma calma e um otimismo um pouco fingidos, apenas para apaziguar o
espírito.
Acho
que todos, no fundo, ansiamos desesperadamente por isso: paz.
Então
vou escrever um texto calmo e otimista.
A
mídia não nos deixou descansar.
Pulamos
de um primeiro turno frenético para um segundo turno sombrio, cheio de aves de
mau agouros cruzando o céu, prenunciando o início de uma era de retrocessos.
Uma
era de investigações abafadas e perseguição aos críticos do governo.
Felizmente,
os agouros não se realizaram e Dilma ganhou.
À
vitória de Dilma, porém, seguiu-se um terceiro turno paranoico, fértil em
teorias de conspiração, algumas embasadas em fatos realmente estranhos.
Vencida
todas estas etapas, zarpamos enfim para o alto mar.
Sim,
o golpismo continua vivo e atuante. Todos os dias teremos uma novidade.
Entretanto,
gostaria de citar nosso amigo Merval, que outro dia disse que havia dois tipos
de corrupção.
Uma
boa, tucana, que seria “tradicional, por assim dizer”.
E
uma outra maligna, petista, que visa o poder pelo poder (outra citação, desta
vez de Osmarina).
A
mesma coisa vale para o golpismo. Há um golpismo do mal, que vislumbramos neste
terceiro turno.
Não
sabemos até que ponto esse golpismo do mal foi paranoia nossa.
Mas
havia alguma coisa, efetivamente, cheirando mal.
O
discurso raivoso do presidente do TSE, José Antonio Dias Toffoli, contra Dilma,
não ajudou em nada a afastar as suspeitas de conspiração.
Os
xingamentos de Gilmar Dantas aos “blogs sujos”, idem.
Mas
além desse golpismo do mal, que foi vencido, há o golpismo “tradicional, por
assim dizer”, que é a nossa cruz de cada dia.
Então
vamos a ele e passemos à agenda de hoje, à Operação Lava Jato.
Este
sábado foi particularmente pesado.
Já
temos até um novo apelido para a Lava Jato: Vaza Jato.
Os
portais da grande mídia inundaram-se de depoimentos feitos por uma bandidagem
subitamente arrependida.
A
Constituição diz que delação premiada tem de ser feita em sigilo, pelo bem da
investigação.
Porque
senão teremos a repetição aqui do caso do italiano Enzo Tortora. Os bandidos
ouvem a delação de um comparsa, na mídia, e seguem a mesma história.
Falam
o que a mídia quer ouvir. Combinam narrativas.
Não
quero, contudo, falar mal da Lava Jato.
A
Lava Jato é uma investigação importante, que vai proporcionar avanços para uma
cultura corporativa mais hígida na Petrobrás, nas estatais e em todas as
grandes empresas que fazem negócios com o Estado.
Os
excessos cometidos agora, contanto que não estraguem a investigação, poderão
ser moderados no Supremo Tribunal Federal, onde o processo inevitavelmente irá
terminar, porque envolve políticos.
Realmente,
é algo novo.
Não
se pode mais falar de impunidade, porque apenas a prisão e o marketing negativo
já produziram danos incalculáveis às reputações de executivos, empresas e
servidores envolvidos.
Claro
que ainda há enormes riscos de manipulação política, mas a correlação de forças
na sociedade, hoje, está um pouco mais equilibrada.
Será
muito mais custoso para a mídia, ou quase impossível, construir uma narrativa
tão fantasiosa, para o escândalo da Petrobrás, como foi o mensalão.
Eles
vão tentar, e talvez até consigam. Mas não por muito tempo. E dará muito
trabalho, e lhes tomará tempo e reputação.
Neste
ponto, a nossa fraqueza, a nossa pequenez diante da grande mídia, é a nossa
maior força, porque é nosso atestado de honestidade: não fomos criados no mesmo
berçário que as empreiteiras.
A
mídia foi.
São
todos filhotes da ditadura.
As
redes sociais, a blogosfera, por sua vez, não tem interesse em proteger
ninguém.
O
campo progressista não é tolerante com a corrupção.
Se
há gente do governo ou da base aliada envolvida, que todos sintam o peso da
lei.
Há
uma justiça poética que nos tranquiliza, ou deveria nos tranquilizar.
Temos
um governo que se deixa investigar.
Temos
um governo que não construiu um sistema autoritário que pudesse tolher o
trabalho das instituições, de investigarem o próprio governo.
A
família inteira de Lula sofreu devassa pela Polícia Federal.
O
irmão de Lula chegou a ter a sua casa revistada pela PF, ainda no governo Lula.
Isso
é um sinal de transparência e vigor democráticos.
Lendo
sobre a corrupção no Iraque, ou no México, o principal problema apontados por
analistas é que esses governos não permitem que nenhuma investigação atinja
pessoas influentes, próximas ao poder.
Claro,
temos que cuidar para evitar uma nova farsa judicial, como foi a Ação Penal
470, na qual se usava justamente esse argumento, que é uma teoria de
linchamento.
Na
falta de elementos probatórios, defendia-se a condenação dos réus com base no
“sentimento das massas” e na necessidade de mostrar ao populacho que, pela
primeira vez na história, políticos graúdos eram presos.
Pois
bem, foram presos.
Injusta
ou justamente, a lei foi cumprida, e a mídia pôde mostrar ao populacho que
“poderosos” foram condenados e presos.
Santo
Agostinho explica que uma república e um povo só podem existir se há justiça, e
justiça boa.
A
injustiça, ou uma justiça mal feita, aniquilam a essência da república, que é
promover a felicidade do povo.
Sem
promoção da felicidade, não há justiça, nem república, nem povo, apenas um
amontoado caótico de seres humanos.
Esta
é a justiça poética: quanto mais a Polícia Federal investigar corrupção dentro
de uma estatal e quanto mais ela se aproximar de algum figurão da base aliada,
ou mesmo do PT, mais estará demonstrado que a democracia avançou no atual
governo, e que Dilma falou a verdade quando prometeu que não ficaria pedra
sobre pedra.
O
clima, enfim, melhorou sensivelmente, mesmo diante da avalanche histérica de
vazamentos da Lava Jato, alguns deles com histórias mirabolantes, que ainda
precisam ser analisadas por uma investigação mais objetiva.
Investigação
esta que não será feita pela imprensa familiar, cujo interesse pelos escândalos
sempre parece evaporar quando aparece um tucano na história.
A
mídia tem se enrolado cada vez mais em suas contradições.
A
própria comparação de Merval, separando uma corrupção boa, tucana, e uma corrupção
ruim, petista, mostra que a mídia quer vender a teoria que o PT praticava
corrupção com fins “revolucionários”.
Só
que entre corruptos e corruptores presos na Lava Jato não havia ninguém
interessado em implantar um regime “bolivariano” no país.
Os
empreiteiros presos não são petistas, nem de esquerda, nem comunistas. Os
servidores corruptos da Petrobrás, idem.
A
corrupção na Petrobrás é uma corrupção “tradicional, por assim dizer”.
Há
mais de dez anos que o PT é o partido que mais ganha dinheiro do fundo
partidário e recebe mais doações legais de grandes empresas.
Mesmo
recebendo doações de empresas, o partido defende uma reforma política que
imponha o financiamento público, exclusivo, de campanha eleitoral.
Não
teria sentido, portanto, o PT, enquanto partido, receber dinheiro de propina de
empreiteira.
Se
há petista envolvido, era “corrupção tradicional, por assim dizer”.
Além
do mais, a troco de que o PT investiria tanto na renovação da Polícia Federal,
contratando milhares de novos delegados e agentes, estabelecendo autonomia de
investigação e se recusando a realizar qualquer interferência na instituição?
Os
“petralhas” seriam então os corruptos mais burros do mundo. Não, peraí, seriam
inteligentes para roubar sem serem pegos e burros para dar autonomia a PF?
Se
a intenção fosse roubar para o partido, o PT teria feito o que fez FHC: reduzir
a PF, asfixiá-la, convertê-la numa instituição de araque, que só aparecia no
Jornal Nacional, de vez em quando, para queimar algumas toneladas de maconha. E
devia ser maconha já vencida, que os traficantes entregavam à polícia para
montar um teatrinho junto à opinião pública.
Todos
os elementos, portanto, concorrem para dar mérito ao PT, a Lula e à Dilma pelo
combate à corrupção no país.
Há
corrupção no PT, no governo e nas estatais?
Sim.
Mas
há também investigação e punição.
O
próprio fato dos delegados e agentes da PF responsáveis pela Lava Jato serem
tucanos assumidos, que xingam Lula e Dilma nas redes sociais, me parece, à
parte a falta de educação com seus superiores ou ex-superiores hierárquicos,
uma mostra da extraordinária liberdade democrática vigente em nossas
instituições.
É
exatamente o contrário do que eles dizem ser o “chavismo” ou “bolivarianismo”.
Quem
aparelha as instituições, quem criminaliza a opinião adversária, quem censura
imprensa, até onde sabemos, são os tucanos.
Para
finalizar, eu acho que algumas coisas vão mudar para melhor no governo, na
comunicação e na política, até porque ele será forçado a isso.
A
pressão e a crítica, todavia, são necessárias, naturalmente, para que o jogo de
forças dentro do governo seja vencido pelo campo popular.
Não
é só o governo Dilma que tem de aprimorar a sua atuação política.
A
sociedade precisa se mobilizar mais, nos sindicatos, nos movimentos sociais, em
toda parte.
De
qualquer forma, Dilma está mais experiente, e convencida de que precisa
estabelecer um diálogo mais frequente e mais profundo com suas bases, no
congresso e na sociedade.
Ela
já reiterou essa disposição. E se realmente for assim, mudanças virão.
E
mesmo que ela traia as suas promessas de diálogo, o que não acredito que vá
acontecer, as mudanças virão de qualquer jeito, porque nem a inércia do governo
tem o poder de parar as rodas da história.
O
debate sobre a democracia da mídia, por exemplo, ganhou força. Nunca esteve tão
presente na ordem do dia.
A
mídia ampliou seu exército de zumbis, mas o campo popular também se tornou mais
consciente do papel da comunicação na luta política.
Tudo
isso reflete um processo de mudança na correlação de forças, um processo que
dificilmente podemos enxergar ou entender completamente, porque estamos
mergulhados nele.
Há
um processo histórico em curso que nos ultrapassa, e a vitória será dada a quem
estiver do lado certo.
Não
creio que o lado certo, numa democracia, seja o monopólio da informação e das
empresas que se enriqueceram na ditadura.
Resta
apenas saber se os próximos momentos da nossa história estarão ou não ao lado
da democracia.
Eu
acho que sim.
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