Fabio Hernandez - http://www.diariodocentrodomundo.com.br/
Meu tio Fábio, um homem sábio do
interior, um dia me entregou um livro do Plutarco. Confesso que tremi diante da
idéia de enfrentar, na inexpugnável solidão da leitura, as páginas com certeza
brilhantes mas inevitavelmente árduas do grego. Mas, prático que é, e
conhecedor das limitações de seu sobrinho como leitor, tio Fábio me avisou que
desejava que eu lesse somente um trecho marcado numa determinada página.
Ali se contava a história de um
soldado que salvara a vida de um rei numa batalha. Um sábio imediatamente
aconselhou o soldado a fugir. O soldado preferiu ficar, na esperança de ser
recompensado pelo rei que salvara. Acabou morto. E logo. Quando terminei de ler
essa história, imediatamente me lembrei de outro trecho de livro que tio Fábio
me passara. Platão – tio Fábio sempre bebeu na sabedoria grega -. Contava que
Sócrates disse mais ou menos o seguinte aos homens que o condenaram a tomar
cicuta: que bem fiz eu a vocês para que me tratem assim?
As duas história tratam do mesmo
tema: a ingratidão. E francamente: não sei por que iniciei minha coluna com a
dupla história grega de ingratidão humana. Ou melhor. Sei sim. É que eu queria
fazer uma conexão entre aqueles episódios e a vida amorosa. O fato cruel e
inescapável é o seguinte: o amor é ingrato. O amor tem uma série de virtude:
ele ilumina, ele embeleza a vida, ele torna divertido um congestionamento. Mas
ele é ingrato como o rei que matou o soldado que o salvara e os atenienses que
fizeram Sócrates beber cicuta.
Um amigo meu, Roni Maldonado,
outro dia veio desabafar comigo. Ele acabara de romper com a namorada, uma
loira de fazer cego olhar para trás, e ela além de gritar-lhe insultos
arrebentou a pontapés a porta de seu carro. Roni é essencialmente um ingênuo do
amor, um otimista das relações sentimentais. Ela sinceramente achava que, por
fatos como ter arrumado um bom emprego para a namorada e num período de
depressão ter-lhe até financiado um terapeuta de 120 reais a hora, receberia de
volta alguma gratidão, e não uma porta de carro arrebentada a golpes de salto
alto.
Tive vontade de apresentar Roni a
tio Fábio e pedir a ele (meu tio) que falasse um pouco a meu amigo sobre a
gratidão humana. Tive vontade de falar um pouco do soldado e de Sócrates, do
rei assassino e da cicuta. Mas apenas balancei a cabeça numa muda expressão de
solidariedade a meu amigo ferido na alma. Roni, refleti, passará a vida inteira
atrás de uma ilusão, de uma fantasia tão irreal quanto a espada de Arthur: a
gratidão amorosa. O que você possa ter feito de bom a alguém numa relação
amorosa não conta no final. O que vale são apenas os crimes, geralmente
imaginários, que você cometeu. Não conheço caso de amor que termine com uma
declaração sincera de agradecimento pelos serviços prestados.
Roni me contou, em sua
estupefação tola, que até em relação ao sexo ouviu palavras que quase o reduzem
a um eunuco da corte de Ramsés. “E ela vivia me agradecendo por tê-la ensinado
a gozar com penetração”, me repetia ele. “No final me disse que eu não tinha
nenhuma imaginação quanto a sexo. Que eu era um idiota sexual.”
O meu ponto é o seguinte: faça
sempre tudo que puder por sua namorada, mulher, amante. Tudo. Agrade-a de todas
as maneiras possíveis. Flores, beijos, bom sexo, atenção. Dê tudo. Mas jamais
cometa o erro fatal do soldado. Não faça nada esperando gratidão. O amor é
ingrato como o rei que matou o homem que o salvara da morte.
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