'Estamos fechando a torneira
porque em março, no mais tardar em junho, SP fica sem água', admitiu presidente
da Sabesp. Esse é o legado do choque de gestão?
por: Saul Leblon - http://cartamaior.com.br/
Após um ano de dissimulações, o
PSDB oficializou o racionamento de água em SP nesta 4ª feira.
O novo presidente da Sabesp ,
Jerson Kelman, em entrevista ao SPTV, da Globo, anunciou um corte drástico no fornecimento, que caiu de 16 mil
litros/s na 3ª feira, para 13 mil l/s a partir de agora.
O racionamento anunciado oficializa
uma realidade que já atinge mais de seis milhões de habitantes, cujo
abastecimento declina há um ano acumulando um corte de 60% no fornecimento
padrão da Sabesp às suas torneiras (de 33 mil l/s para 13 mil l/s).
E isso é só o começo.
'Estamos fechando a torneira porque em março,
no mais tardar em junho, SP fica sem água', admitiu presidente da Sabesp na
entrevista.
Nada como um copo após o outro.
Na reta final da campanha
presidencial de 2014, quando o então diretor-presidente da Agência Nacional de
Águas (ANA), Vicente Andreu, advertiu na Assembleia Legislativa de São Paulo,
que o abastecimento da cidade estava, literalmente, por um fio de água, foi
chamado de ‘bandido’ pelo grão tucano, vereador Andrea Matarazzo.
Ele disse aquilo que o PSDB se
recusava a admitir: restavam apenas 200 bilhões de litros do volume morto do
sistema Cantareira, que provê boa parte da água consumida na cidade.
O pior de tudo: a derradeira
reserva de água da cidade encontra-se disponível na forma de lodo.
E será com isso que a sede
paulistana terá que ser mitigada caso não chova o suficiente até o final de
março.
Como de fato não tem chovido nos
mananciais, nem há expectativa séria de que isso ocorra suficientemente até o
final da estação das águas, avizinha-se
o que o novo presidente da Sabesp finalmente admitiu: ‘em março, no mais
tardar em junho, SP fica sem água'.
Corta e volta para a campanha
eleitoral de Aécio Neves em 2014.
O estandarte da eficiência tucana
era martelado diuturnamente como um tridente contra aquilo que se acusa de
obras e planos nunca realizados por culpa da (Aécio enchia a boca para escandir
as sílabas) ‘má go-ver-nan-ça’.
Corta de novo e volta para o
presente com o foco na contagem regressiva anunciada por Jerson Kelman, o novo
titular do espólio da Cantareira e da Sabesp.
Vamos falar um pouco de
governança?
Atribuir tudo à ingratidão a São Pedro é um pedaço da
verdade.
Num sugestivo contorcionismo
eleitoral, Aécio negou a esse pedaço da verdade a explicação para a alta nos
preços dos alimentos afetados pela seca.
Ou isso ou aquilo.
Estocar comida, que não grãos,
caso do vilão tomate, por exemplo, que pressionou os índices de alimentos no
período eleitoral, está longe de ser uma
opção exequível em larga escala no enfrentamento de uma seca.
Mas estocar água e planejar dutos
interligados a mananciais alternativos, calculados para enfrentar situações
limite, mesmo que de ocorrência secular, é uma obrigação primária de quem tem a
responsabilidade pelo suprimento de grandes concentrações urbanas.
A Sabesp sob o comando do PSDB
detém essa responsabilidade há 20 anos em São Paulo.
Omitiu-se, com as consequências
previsíveis que agora assombram o horizonte de milhões de moradores da Grande
São Paulo.
Carta Maior lembrou no período
eleitoral --enquanto Geraldo Alckmin fazia expressão corporal de seriedade, que
Nova Iorque e o seu entorno, com uma população bem inferior a de São Paulo
(nove milhões de habitantes), nunca parou de redimensionar a rede de
abastecimento da metrópole movida por
uma regra básica de gestão na área: expansão acima e à frente do crescimento
populacional.
Tubulações estendidas desde as
montanhas de Catskill, mencionou-se então, situadas a cerca de 200 kms e 1200 m
de altitude oferecem ao novaiorquino água pura, dispensada de tratamento e
potável direto da torneira.
Terras e mananciais distantes são
periodicamente adquiridos pelos poderes públicos de NY para garantir a qualidade e novas fontes de
reforço da oferta.
O sistema de abastecimento da
cidade reúne três grandes reservatórios que captam bacias hidrográficas
preservadas em uma área de quase 2.000 km2.
A adutora original foi inaugurada
em 1890; em 1916 começou a funcionar outro ramal a leste da cidade; em 1945 foi
concluída a obra de captação a oeste, que garante 50% do consumo atual.
Mesmo com folga na oferta e a
excelente qualidade oferecida, um novo braço de 97 kms de extensão está sendo
construído há 20 anos.
Para reforçar o abastecimento e
prevenir colapsos em áreas de expansão prevista da metrópole.
Em 1993 foi concluída a primeira
fase desse novo plano.
Em 1998 mais um trecho ficou
pronto.
Em 2020, entra em operação um
terceiro ramal em obras desde o final dos anos 90. Seu objetivo é dar maior
pressão ao conjunto do sistema e servir como opção aos ramais de Delaware e
Catskill, que estão longe de secar.
Uma quarta galeria percorrerá
mais 14 kms para se superpor ao abastecimento atual do Bronx e Queens.
Tudo isso destoa de forma
superlativa da esférica omissão registrada em duas décadas ininterruptas de
gestão do PSDB no Estado de São Paulo, objeto de crítica até de um relatório da
ONU, contestado exclamativamente pelo governador reeleito, Geraldo Alckmin.
Se em vez do mantra do choque de
gestão, os sucessivos governos de Covas, Ackmin, Serra e Alckmin tivessem
reconhecido o papel do planejamento público, São Paulo hoje não estaria na
iminência de beber lodo.
Ou nem isso ter para matar a sede.
Pergunta aos sábios tucanos: caiu
a ficha?
É verdade que o Brasil todo
desidrata sob o maçarico de um evento climático extremo.
Sinal robusto dos tempos.
Mas desde os alertas ambientais dos anos 90 (a
Rio 92, como indica o nome, aconteceu no Brasil há 22 anos) essa é uma
probabilidade que deveria estar no monitor estratégico de governantes
esclarecidos.
Definitivamente não se inclui
nessa categoria o tucanato brasileiro: em 2001 ele já havia propiciado ao país
um apagão de energia elétrica pela falta de obras e a renúncia deliberada ao
planejamento público.
Os mercados cuidariam disso com
mais eficiência e menor preço –ou não era isso que se falava e se volta a ouvir
agora sobre todos os impasses do desenvolvimento brasileiro?
Ademais de imprevidente, o PSDB
desta vez mostrou-se mefistofelicamente oportunista na mitigação dos seus
próprios erros.
Ou seja, preferiu comprometer o
abastecimento futuro de milhões de pessoas, a adotar um racionamento preventivo
que alongaria a vida útil das torneiras, mas poria em risco o seu quinto
mandato em São Paulo.
É importante lembrar em nome da
tão evocada liberdade de imprensa: a dissimulação tucana não conseguiria concluir
a travessia eleitoral sem a cumplicidade da mídia conservadora que, mais uma
vez, dispensou a um descalabro do PSDB uma cobertura sóbria o suficiente para
fingir isenção, sem colocar em risco o continuísmo no estado.
É o roteiro pronto de um filme de
Costa Gavras: as interações entre o poder, a mídia, o alarme ambiental e o
colapso de um serviço essencial, que deixa
uma das maiores metrópoles do mundo no rumo de uma seca épica.
O PSDB que hoje simula chiliques
com o que acusa de ‘uso político da água’, preferiu ao longo das últimas duas
décadas privatizar a Sabesp, vender suas ações nas bolsas dos EUA e priorizar o
pagamento de dividendos a investir em novos mananciais.
Há nesse episódio referencial um
outro subtexto para o filme de Costa Gavras: a captura dos serviços essenciais
pela lógica do capital financeiro.
Enquanto coloca em risco o
abastecimento de 20 milhões de pessoas, revelando-se uma ameaça à população, a
Sabesp foi eleita uma das empresas de maior prestígio entre os acionistas estrangeiros.
Mérito justo.
Como em um sistema hidráulico, o
dinheiro que deveria financiar a expansão do abastecimento, vazou no ralo da
captura financeira. Encheu bolsos endinheirados às custas de esvaziar as caixas
d’água dos consumidores.
Não é uma metáfora destes tempos.
É a síntese brutal da sua dominância.
Mesmo que a pluviometria do verão
fique em 70% da média para a estação, o sistema Cantareira - segundo os
cálculos da ANA - ingressará agora no segundo trimestre de 2015 com praticamente
5% de estoque (hoje está com algo em torno de 6%).
Ou seja, São Paulo chegará no
início da estação seca de 2015 com a metade da reserva que dispunha em período
equivalente de 2014 e muito perto da marca desesperadora do início deste verão,quando ainda apostava no alívio da
estação das chuvas --inexistente no inverno.
A seca que espreita as goelas
paulistanas não pode ser vista como uma fatalidade.
Dois anos é o tempo médio
calculado pelos especialistas para a realização de obras que poderiam tirar São
Paulo da lógica do lodo.
Portanto, se ao longo dos 20 anos de reinado
tucano em São Paulo, o PSDB de FH e Aécio Neves, tivesse dedicado 10% do tempo
a planejar a provisão de água, nada disso estaria acontecendo.
Deu-se o oposto.
De 1980 para cá, a população de São Paulo mais
que dobrou. A oferta se manteve a mesma com avanços pontuais.
O choque de gestão tucano
preferiu se concentrar em mananciais de maior liquidez, digamos assim.
Entre eles, compartilhar os
frutos das licitações do metrô de SP com fornecedores de trens e equipamentos.
A lambança comprovada e documentada sugestivamente pela polícia suíça, até
agora não gerou nenhum abate de monta no poleiro dos bicos longos.
‘Todos soltos’, como diz a
presidenta Dilma.
A rede metroviária de São Paulo,
embora imune a desequilíbrios climáticos, de certa forma padece da mesma
incúria que hoje ameaça as caixas d’agua dos paulistanos.
Avulta daí um método – o jeito
tucano de governar não pode ser debitado na conta de São Pedro.
O salvacionismo tucano em São
Paulo não conseguiu fazer mais que 1,9 km de metrô em média por ano, reunindo
assim uma rede inferior a 80 kms, a menor entre as grandes capitais do mundo.
A da cidade do México, por
exemplo, que começou a ser construída junto com a de São Paulo, tem 210 kms.
Não deixa de ser potencialmente
devastador para quem acusa agora o PT de jogar o país num abismo de má gestão
só ter a oferecer à população de SP a seguinte progressão: racionamento
drástico imediato, seguido de seca de consequências imponderáveis navida de uma
das maiores manchas urbanas do mundo.
É essa a perspectiva para um
serviço essencial na capital do estado onde o festejado choque de gestão está
no poder há 20 anos.
Ininterruptos.
Uma questão para refletir:
O legado recomenda uma recidiva
da receita para todo o Brasil, como exigem os centuriões do mercado e alguns
cristãos novos petistas?
A ver.
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