Três fatos gravíssimos ocorridos
no Paraná antecipam a contrarrevolução conservadora que se anuncia no Brasil.
Leonardo Avritzer* - http://cartamaior.com.br/
Nesta conjuntura política confusa
na qual com menos de dois meses de governo, alguns atores políticos falam em
impeachment e outros em derrubada judicial do governo, alguns acontecimentos
ocorridos nas últimas semanas no Paraná nos dão uma boa ideia do que ocorrerá
no Brasil se as forças progressistas não reagirem a altura dos desafios
colocados pela conjuntura.
Três fatos gravíssimos ocorridos
no Paraná antecipam a contrarrevolução conservadora que se anuncia no Brasil: o
assalto aos trabalhadores do setor público pelo governador Beto Richa; a
tentativa de partidarizar as delações da operação "Lava Jato" e a
absoluta imobilidade da polícia federal em investigar os vazamentos seletivos
durante o processo eleitoral. Analisemos cada um deles.
O Paraná como quase todos os
estados da federação se encontra em uma situação financeira difícil provocada
seja por um processo de reeleição bastante custoso, como também pela situação
mais geral da economia que tem reduzido a capacidade de arrecadação dos
estados. Mas, apenas no Paraná, o governador dirigiu um assalto ao
funcionalismo e ao setor público.
No dia 04 de fevereiro, o
governador do Paraná - utilizando a supermaioria que ele tem na Assembleia
Legislativa no estado - apresentou em regime de urgência urgentíssima um
projeto de lei (06/2015) que, entre outras coisas, extinguiu o Fundo
Previdenciário dos Funcionários Públicos do estado incorporando-o ao orçamento
do setor público. Além disso, o governo do Paraná extinguiu os quinquênios e
tornou as licenças dos servidores inviáveis, uma vez que sua concessão passou a
depender dos secretários de estado.
Ou seja, na ânsia de equilibrar o
orçamento estadual, o governo retirou direitos que o funcionalismo tem há
décadas. Pior, ele ameaça fechar ou desativar quatro universidades estaduais
que estão, juntamente com as universidades estaduais paulistas e cariocas,
entre as melhores do país. Apenas, a mobilização social impediu o pior, mas
aqui já se anunciou o projeto socialmente regressivo através do qual o PSDB
pretende equilibrar o orçamento público no Brasil.
O segundo pilar da república do
Paraná é um judiciário politizado e partidarizado.
Evidentemente que a inciativa de
deslanchar a operação Lava Jato foi extremamente bem vinda, já que a população
brasileira não aguenta mais as formas ilegais de financiamento do sistema
político. Também foram extremamente exitosas os acordos para a recuperação de
ativos desviados da Petrobrás.
Mas, rapidamente, a operação Lava
Jato foi politizada com o vazamento de informações que tinham como objetivo
criminalizar o partido do governo e interferir no processo eleitoral.
Acusações que chegaram a ser
feitas à própria presidente na fase final da corrida eleitoral não tiveram a
sua origem devidamente explicitadas e comprometeram fortemente a ideia de uma
investigação republicana sem objetivos políticos.
Pior, as delações premiadas
passaram a transformar bandidos em heróis desde que apontassem na direção de um
partido. Tal fato, coloca mais uma vez o judiciário brasileiro em questão na
sua capacidade de punir malfeitos e a corrupção utilizando as regras do estado
de direito.
No caso da república do Paraná e
de seu maior expoente judicial, o juiz Moro a situação é bem pior. Deturpa-se o
estado de direito, coagindo física e moralmente os suspeitos como é o caso das
condições degradantes que os donos de empreiteiras estão sendo submetidos, para
coagí-los a assinar delações sou confissões para as quais o estado não tem
prova.
Esse instituto parece ser uma
enorme deturpação do estado de direito e sugere uma completa politização e
partidarização das investigações judiciais que ao que parece dispensam a
apresentação de provas empíricas. O único objetivo parece ser obter uma
informação que possa ser vazada à imprensa e aproveitada por atores políticos
perdedores da última eleição presidencial.
Por fim, cabe aqui mencionar o
papel da Polícia Federal. O Paraná apresenta a situação lamentável de uma
polícia que não tem mais comando centralizado, que abandonou os princípios
republicanos básicos e no qual os delegados podem se dar ao luxo de se
expressar politicamente contra o governo ou de não investigar aquilo que não
lhes interessa investigar.
O melhor exemplo vem de artigo na
Folha de São Paulo desta semana no qual a advogada de um dos investigados pela
Lava Jato expressa sua perplexidade em relação a não investigação de vazamentos
pela polícia federal do Paraná. Amplamente ignorado pela grande imprensa, ela
afirma que foi ao Ministério da Justiça informar ao ministro que o inquérito
que apura vazamentos ouviu quatro jornalistas que não quiseram informar as suas
fontes, direito este consagrado pela Constituição.
Nenhuma outra estratégia
investigativa foi tentada porque nada se procurou investigar. Ou seja, a mesma
polícia federal que pula muros para aparecer na TV, constrange empreiteiros no
cárcere e não investiga vazamentos que tiveram como objetivo desestabilizar o
processo eleitoral de uma eleição para presidente. Ou seja, não parece existir
o crime de lesão a soberania popular para a República do Paraná.
O Paraná representa muito bem o
projeto regressivo da direita brasileira expresso pelo mote “desempoderamento
da democracia e partidarização do Estado de Direito”.
Esse projeto, que despreza a
vontade popular expressa no pleito do dia 26 de Outubro, parece ter igual
desprezo pelo estado de direito e os métodos que ele consagrou para punir
delitos. A justiça é confundida com a vingança e não se legitima em nenhum
processo público.
Esse projeto que se apresenta
como alternativa de poder em um momento em que o poder não está ou não devia
estar em disputa, deve ser respondido a altura pelos brasileiros que continuam
acreditando que os problemas do país podem ser resolvidos com mais democracia e
mais Estado de Direito.
_________
Leonardo Avritzer é doutor em
sociologia pela New School for Social Research (1993) e pós-doutor pelo
Massachusetts Institute Of Technology (MIT), é professor adjunto da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Créditos da foto: Orlando
Kissner/Fotos Públicas
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