Em se tratando de corrupção, os
tucanos podem até ter deixado a casa uma bagunça nos anos 1990 mas, quando
muito, ganharam apenas um cafuné.
Fabio de Sá e Silva (*) - http://cartamaior.com.br/
Em evento destinado ao
recebimento de credenciais de novos embaixadores, Dilma concedeu entrevista a
repórteres, na qual tratou de vários temas.
Ao ser perguntada sobre a
Operação Lava Jato e seus efeitos sobre a Petrobras, a Presidenta vocalizou o
discurso com o qual intelectuais e sindicatos de trabalhadores têm conclamado a
defesa da estatal: o de que quem se envolveu em corrupção deve ser punido, mas
de que a empresa, por ser estratégica, deve ser preservada.
Para a Dilma de hoje, assim como
a de meses atrás, a resposta para a corrupção verificada na Petrobras não passa
por venda de patrimônio público, tampouco pela negativa geral de seus oponentes
na política partidária. Passa, isso sim, pela punição dos corruptos e
corruptores.
E exemplificou:
“Veja... Olhando o que vocês
mesmos divulgam nos jornais. Se em 1996–1997 tivessem investigado e punido, não
teríamos o caso desse funcionário que ficou quase vinte anos praticando atos de
corrupção”.
A afirmação, como se sabe, foi
baseada no que se tornou público da delação premiada de Pedro Barusco,
ex-gerente da empresa. Barusco afirmou ter visto o pagamento de propinas em
contratos se tornar sistemático já naquele período.
Apoiadores do governo rapidamente
comemoraram o que entenderam ser uma ofensiva da Presidenta contra o cerco que
setores da imprensa e a oposição pretendem lhe impor, com base na exploração
política diária e obscura dos bastidores das investigações da Lava Jato.
A euforia, porém, teve de ser
rapidamente contida.
Articulistas, políticos e
internautas protestaram contra o que entenderam ser tentativa de Dilma de jogar
no colo de FHC a responsabilidade por corrupção em operações da Petrobras.
Aécio, sempre o mais agressivo
orador, disse que Dilma estava “zombando da inteligência dos brasileiros”.
O próprio FHC se dignou a
responder. Como em diversas outras ocasiões, o ex-presidente insistiu em
argumento de caráter formal.
“Como alguém sério pode
responsabilizar meu governo pela conduta imprópria individual de um funcionário
se nenhuma denúncia foi feita na época?,” perguntou FHC, em tom de quem
pretende ter dado resposta definitiva.
Surgiram, então, os criativos
memes, nos quais cães labradores destruindo a mobília da casa ou dinossauros
mirando os asteroides cuja queda lhes custaria a extinção apareciam com
expressão cômica, tendo ao fundo o texto:
“Foi o FHC”.
Instaurada a confusão, apoiadores
do governo poderiam ter esclarecido que não foi isso o que Dilma quis dizer. O
argumento era, simplesmente, o de que são dois períodos do país que instituíram
padrões distintos no trato de corrupção envolvendo figuras proeminentes do mundo
da política.
Períodos que se distinguem, por
exemplo, pelo respeito à autonomia da PF e do MPF, pela criação da CGU e pelo
patrocínio à lei de acesso à informação, a mesma que hoje permite a crítica a
Cardozo por não ter disponibilizado imediatamente na agenda pública do
Ministério da Justiça seu encontro com advogados da Odebrecht.
Este argumento que, aliás, não é
novo, tem fácil comprovação empírica e forte enraizamento na consciência
popular – apesar dos esforços para se transformar corrupção em algo “do PT”,
interrompidos, apenas episodicamente, por denúncias que jogam luz sobre os pés
de barros de figuras como Azeredo, Demóstenes e Agripino.
Que o digam os entrevistados do
Datafolha no último dezembro, ou seja, depois de meses nos quais capas de revistas
tentavam caracterizar o período atual como o mais corrupto da história.
Destes, 46% achavam que, desde a
redemocratização brasileira, o governo Dilma foi aquele no qual a corrupção foi
mais investigada, à frente de Lula (16%), Collor (11%) e só então FHC (4%).
Ou que o governo Dilma foi o
período no qual os corruptos mais foram punidos (40%), à frente de Collor
(12%), Lula (11%) e só então FHC (3%).
A história, neste aspecto, é tão
caprichosa, que chegou a criar episódios parecidos com resultados muito
diversos.
Como o de dois parlamentares que
deram entrevistas à Folha de São Paulo denunciando ter havido compra de votos
no Congresso – em um caso, para aprovar a emenda da reeleição de FHC, em outro,
para compor a base aliada de Lula.
No caso referente ao governo
Lula, estrelado por Roberto Jefferson, os resultados foram a CPI dos correios e
a ação penal 470. No caso referente ao governo FHC, poderia dizer Dilma, “todos
soltos”.
As denúncias, acompanhadas “não
de indícios, mas de provas,” como disse anos depois o jornalista responsável
pela matéria, ficariam represadas nas mãos de Geraldo Brindeiro, conduzido e
reconduzido ao cargo de PGR ao longo de todo o governo FHC, mesmo quando ficava
em 7o lugar nas eleições internas das entidades de classe do MPF.
Partindo deste e inúmeros outros
casos – como SIVAM e Pasta Rosa –, apoiadores do governo poderiam ter criticado
o próprio FHC, cuja tese de que seu governo não teve corrupção porque nunca
teve condenados, ela sim, “zomba da inteligência dos brasileiros”.
Poderiam até ter feito um meme,
destacando que, assim como cães labradores, tucanos podem até ter deixado a
casa uma bagunça nos anos 1990 mas, quando muito, ganharam apenas um cafuné.
Mas corrupção é assunto sério
demais para seguir sendo tratado de maneira assim tão simplista.
Dilma e o PT ganharão se souberem
acrescentar um terceiro período à história, de cuja construção hoje fazem
parte.
Um período no qual o combate à
corrupção não terá se prestado a inviabilizar o desenvolvimento do país, mas no
qual – se não por uma reforma política estrutural, por mudanças de práticas na
organização partidária e na condução dos negócios públicos – o sistema político
terá se tornado mais blindado à influência do dinheiro.
Já FHC poderia desistir de sua
tese. Pois além de convencer a ninguém, ela não leva a lugar nenhum.
(*) Graduado (USP) e Mestre (UnB)
em Direito; PhD em Direito, política e sociedade (Northeastern University,
EUA).
Créditos da foto: reprodução
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