Preso desde 2001, o mauritano Mohamedou Ould
Slahi apresenta no livro 'Diário de Guantánamo' um relato escabroso sobre a
indignidade e a humilhação que ainda sofre
por Emir Sader / http://www.redebrasilatual.com.br/
Mohamedou
Ould Slahi escreveu, no meio do inferno de Guantánamo, um relato escabroso
sobre a indignidade e a humilhação que ainda sofre. E ainda consegue manter
humanidade e espirito de ironia.
O
crime contra a humanidade da instalação do campo de prisão e torturas de
Guantánamo foi praticado com aleivosia e premeditação. Ao instalá-lo no limbo
que representa Guantánamo, queriam exatamente um lugar fora de qualquer
jurisdição internacional, onde não houvesse nenhum limite ou controle sobre as
barbaridades que pretendiam cometer. Os resultados são já em parte conhecidos,
sem que nenhuma condenação formal do que os Estados Unidos continuam a realizar
ali tenha sido aprovada. Problemas de direitos humanos, segundo esses
organismos, acontecem na Venezuela, no Irã, na China, em Cuba, mas não em
Guantánamo.
A
publicação recente de um relato de um preso no inferno de Guantánamo, apenas se
agrega às monstruosidades conhecidas, mesmo se grande parte do livro aparece
borrado, com censura sobre o que deve significar situações ainda mais bárbaras
do que as relatadas.
Diário
de Guantánamo é de autoria de Mohamedou Ould Slahi, um cidadão mauritano que,
segundo a foto divulgada pela Cruz Vermelha Internacional, era um jovem
africano magro e sorridente. Não fica claro de quando é a foto, menos ainda a
aparência que ele deve ter depois de tudo o que ainda passa.
Ele
foi detido em 2001, continua preso, apesar da ordem de juiz federal que
decretou sua libertação imediata em 2009. Outro juiz federal forçou as
autoridades militares de Guantánamo a autorizarem, depois de uma batalha de
seis anos, que se pudesse tirar da prisão o testemunho escrito por Ould Slahi,
escrito na sua cela de isolamento. O livro é um brutal relato do que ele viveu
ali, ainda que quase a metade das páginas estejam censuradas, imposição das
agências de segurança dos Estados Unidos.
Ould
Slahi nem chega a ter características que pudessem classificá-lo como
terrorista, tanto assim que em 14 anos de brutais interrogatórios, não
conseguiram acusá-lo de nenhum delito. Em 2001 ele tinha 30 anos. Nasceu na
Mauritânia, de uma família religiosa e modesta. Era muito batalhador e
conseguiu se formar em Engenharia Eletrônica. Durante vários anos estudou e trabalhou
na Alemanha.
Seu
fervor militante levou-o a passar um verão em treinamento guerrilheiro no
Afeganistão, quando as milícias islâmicas gozavam da proteção e do apoio
econômico dos Estados Unidos. Quando voltou do Afeganistão, se afastou da
militância política. No final dos anos 1990 transferiu-se para o Canadá,
procurando um clima mais favorável para os imigrantes do que o vivido na
Alemanha.
Em
outubro de 2001 voltou para seu país. Assim que chegou, recebeu visita da
polícia, para algumas consultas de rotina, segundo os policiais. Disseram-lhe
que fosse com seu próprio carro, assim voltaria mais rápido para sua casa,
talvez essa tarde mesmo, quando terminasse tudo.
Até
hoje ele não voltou. Foi algemado, amarrado pelos pés, os olhos vendados,
colocaram uns tampões nos seus ouvidos, um capuz na sua cabeça. Os policiais da
Mauritânia disseram-lhe que uns emissários dos Estados Unidos tinham interesse
nele. Tiraram-lhe a roupa e colocaram um pijama cor laranja e um cinto branco.
Foi levado arrastado para um avião e amarrado a um banco. Quando o avião
aterrissou, ele conseguiu saber que tinha sido levado para a Jordânia.
Ould
foi interrogado e torturado durante oito meses em uma prisão de Amã. Depois foi
embarcado em um outro avião, nas mesmas condições do voo anterior, até a base
de Bagram, no Afeganistão. Em nenhum momento o informaram do que ele era
acusado. Um tempo depois foi levado em novo voo e arrastado pela escada de um
avião para a pista, quando notou o ar quente e úmido de Guantánamo.
Não
transcrevo aqui nada do que foi revelado por ele, pela indignidade e a
humilhação de tudo o que ele ainda sofre. São revelações escabrosas.
Ould
conseguiu aprender inglês em meio a tudo o que vivia, prestando atenção na fala
dos seus torturadores, assim como colocando atenção nas letras das músicas que
ouvia desde sua cela (para não dizer jaula). Seu livro é um testemunho
terrível, escrito no inglês que ele conseguiu aprender, escrito por alguém que,
no meio do inferno de Guantánamo, conseguiu manter sua humanidade e seu
espirito de ironia.
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