Altamiro Borges - http://www.novae.inf.br/
O dia 5 de outubro terá enorme
significado para todos os que lutam contra a ditadura da mídia no país e pela
democratização dos meios de comunicação. Nesta data vence o prazo das
concessões públicas de várias emissoras privadas da televisão brasileira, entre
elas de cinco transmissoras da Rede Globo – São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília, Recife e Belo Horizonte. A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS),
que reúne as principais entidades populares e sindicais do país, já decidiu
aproveitar o simbolismo desta data para realizar manifestações em todo o país
contra as ilegalidades existentes no processo de concessão e renovação das
outorgas de televisão no Brasil.
De acordo com a Constituição de
1988, a concessão pública de TV tem validade de 15 anos. Para que ela seja
renovada, o governo precisa encaminhar pedido ao Senado, que pode aprová-lo com
o voto de 3/5 dos senadores. No caso de rejeição, a votação é mais difícil. A
proposta do governo deve ser submetida ao Congresso Nacional, que pode acatar a
não renovação da concessão da emissora com os votos de 2/5 dos deputados e
senadores. Antes da Constituição de 1988, esta decisão cabia exclusivamente ao
governo federal. A medida democratizante, porém, não superou a verdadeira
“caixa-preta” vigente neste processo, sempre feito na surdina e sem
transparência.
Baixarias e lixo importado
Como explica o professor e
jornalista Hamilton Octávio de Souza, “os processos de concessão e de renovação
têm conseguido, ao longo das últimas décadas, uma tramitação silenciosa e
aparentemente tranqüila, com acertos apenas nos bastidores – especialmente
porque muitos dos deputados e senadores também são concessionários públicos da
radiodifusão, sócios e afiliados das grandes redes e defendem o controle do
sistema de comunicação nas mãos de empresários conservadores e das oligarquias
e caciques políticos regionais – os novos ‘coronéis’ eletrônicos”. Na prática,
Executivo e Legislativo não levam em conta nem as próprias normas
constitucionais.
Entre outros itens, a
Constituição de 1988 proíbe a monopolização neste setor, mas as principais
redes atuam como poderosos oligopólios privados. Além disso, exige que a
comunicação social promova a produção da cultura nacional e regional e a
difusão da produção independente, mas as redes – em especial a Globo – impõem
uma programação centralizada e importada da indústria cultural estrangeira. Ela
também exige que a TV tenha finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas, mas as emissoras produzem e veiculam programas que não atendem
esse preceito constitucional. “Elas despejam em cima da população programas de
baixaria e o lixo importado, que nada têm a ver com a identidade, os valores e
a cultura nacional”, observa Hamilton.
Manipulação e deformação da
sociedade
Além de deformar comportamentos,
com efeitos danosos na psicologia social, a mídia é hoje um instrumento
político a serviço dos interesses das corporações capitalistas. Como
decorrência do intenso processo de monopolização do setor, ela se tornou um
verdadeiro “partido do capital”, conforme a clássica síntese do intelectual
italiano Antonio Gramsci. Ela manipula informações, utilizando requintadas
técnicas de edição, com o intento de satanizar seus inimigos de classe e
endeusar os aliados. A defesa do “caçador de marajás” Fernando Collor, a
cumplicidade diante dos crimes de FHC e a oposição ferrenha ao governo Lula
confirmam esta brutal manipulação.
Estas e outras aberrações da
mídia – monopolizada, desnacionalizada e manipuladora – ficaram patentes no ano
passado. Vários institutos independentes de pesquisa provaram que a cobertura
da sucessão presidencial foi distorcida, “partidarizada”. O livro “A mídia nas
eleições de 2006”, organizado pelo professor Venício de Lima, apresenta tabelas
demonstrando que ela beneficiou o candidato da direita liberal, Geraldo
Alckmin, ao editar três vezes mais notícias negativas contra o candidato Lula.
“A grave crise política de 2005 e a eleição presidencial de 2006 marcam uma
ruptura na relação histórica entre a grande mídia e a política eleitoral no
Brasil”, afirma Venício.
Tentativa de golpe na eleição
Neste violento processo de
manipulação caiu a máscara da TV Globo – que até então ainda iludia alguns
ingênuos, inclusive no interior do governo Lula. A sua cobertura na reta final
das eleições foi decisiva para levar o pleito ao segundo turno. Conforme
demonstrou histórica reportagem da revista Carta Capital, uma operação foi
montada entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e a equipe da Rede
Globo para criar um factóide político na véspera do primeiro turno. Após vazar
ilegalmente fotos do dinheiro apreendido na tentativa desastrada de compra do
dossiê da “máfia das sanguessugas”, que incriminava o partido de Geraldo
Alckmin, o policial corrupto ordenou que a difusão das imagens fosse feita no
Jornal Nacional da noite anterior ao pleito.
A criminosa negociação foi
gravada, mas a TV Globo preferiu ocultá-la. Além disso, escondeu o trágico
acidente com o avião da Gol para não ofuscar sua operação contra o candidato
Lula. Para Marcos Coimbra, diretor do instituto de pesquisas Vox Populi, a
solerte manipulação desnorteou todas as sondagens eleitorais, que davam a
folgada vitória de Lula, o que evitou sua reeleição já no primeiro turno. “Os
eleitores brasileiros foram votar no dia 1º de outubro sob um bombardeio que
nunca tinha visto, nem mesmo em 1989... Em nossa experiência eleitoral, não
tínhamos visto nada parecido em matéria de interferência da mídia”, garante o
veterano Coimbra.
Um debate estratégico
Diante deste e de tantos outros
fatos tenebrosos, que aviltam a democracia e mancham a história do próprio
jornalismo, ficam as perguntas: é justa a renovação da concessão pública da
poderosa TV Globo? Ela ajuda a formar ou a deformar a sociedade brasileira? Ela
informa ou manipula as informações? Ela atende os preceitos constitucionais que
proíbe o monopólio da mídia e exige que a comunicação social promova a produção
da cultura nacional e regional e a difusão da produção independente e que tenha
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas? Estas e outras
questões estarão em debate nas semanas que antecedem o simbólico 5 de outubro.
À CMS caberá levar esta discussão
estratégica às suas bases. Já o governo e o parlamento, que devem zelar pela
Constituição, não poderão ficar omissos diante deste tema. “Antes de propor a
renovação automática da concessão, os órgãos de governo deveriam proceder à
análise cuidadosa dos serviços prestados, com a devida divulgação para a sociedade.
Antes de votar novos períodos de concessão, o Senado Federal deveria, em
primeiro lugar, estabelecer o impedimento ético aos parlamentares envolvidos
com a radiodifusão e, em segundo lugar, só aprovar a renovação que esteja de
acordo com a Constituição, a começar pelo fim do oligopólio – já que o objetivo
maior deve ser o da democratização da comunicação social”, pondera o professor
Hamilton de Souza.
Altamiro Borges é jornalista,
membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do
livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi). 2007-11-07
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