quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Os campos de batalha não são lugar para sonhadores, por Sergio Saraiva

Todo autoengano é constituído da matéria da qual os sonhos são feitos.
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Por quão belo eu o tenha achado, a exceção, por ventura, de uma ingênua tentativa de cativar o Ministério Público para a causa que defende, não se pode dizer do texto “A Lava Jato fará bem ou mal ao Brasil?” mais do que a expressão acima.

O professor Ruben Bauer Naveira é didático e brilhante na forma de nos apresentar o diagnóstico de que o Brasil jamais teve uma elite e sim classes dominantes e subalternas.
Encantadoramente sonhador, contudo, ao meu ver, quando espera do Ministério Público uma ação transformadora da estrutura da nossas relações sociais. O Ministério Público sonhado como “salvador da pátria” não tem como substituir a própria Pátria. Tal e qual outros salvadores anteriores tampouco puderam substituí-la.
Somos uma sociedade estamental, daí não termos elites e sim classes dominantes.
E classes dominantes são predatórias e acumuladoras ou não seriam classes dominantes. Seriam a elite que não temos e nunca tivemos. Malgrados o Nabuco que o professor tão bem lembra e que também admiro e o Mauá que eu acrescentaria. Mauá e o trabalho como valor jamais foram aceitos pela sociedade imperial escravista e patrimonialista da qual nossa burguesia é herdeira. Nabuco, um monarquista de escol, jamais ocupou cargo de relevo no Império.
O desenho da nossa formação social corresponde a uma imutável pirâmide ao longo destes últimos cinco séculos. A linha de corte dessa pirâmide dividindo-a em estamentos superiores e inferiores se dá na altura da classe média e não exatamente no ponto central da pirâmide.
Isso com um detalhe cruel, as classes pequeno-burguesas que em outras sociedades se associam aos estamentos inferiores produzindo as transformações sociais populares, aqui, são manipuladas pelos meios de comunicação de massa e levadas a assumirem os valores das média e alta burguesias. Nesse sentido, as novelas da Globo são um caso à espera de uma tese de doutorado.
Transformar nosso quadro social no losango das sociedades mais igualitárias e, por via de consequência, mais prósperas é desafio para outros tantos séculos, dadas as forças que nos estamentos superiores tentam impedir, quando não criminalizar, qualquer forma de mobilidade social.
Basta ver como a piora do trânsito nas capitais foi atribuída a uma “irresponsabilidade” dos governos petistas que deram crédito aos pobres que assim compraram carros e com isso “entupiram” as ruas. Basta lembrar de colunistas de jornais incomodados com saguões de aeroportos transformados em “rodoviárias”. Ou de outros colunistas temerosos de encontrar o porteiro do prédio onde moram em uma viajem a Paris.
O Bolsa Família nunca foi mais que o “bolsa esmola” com a qual os governos petistas compram o voto do povo. Povo esse que tendo o que comer, para de trabalhar e passa a procriar desenfreadamente, até para receber mais recursos governamentais.
Não é em outro sentido a opinião de comentaristas econômicos que pregam que, após a “farra” que foram os últimos três governos, será agora necessário o “purgar” do desemprego e do rebaixamento de direitos sociais e trabalhistas para levarmos nossa economia de volta a “normalidade”.
Acrescente-se a isso a característica dipolar que acabou assumindo o nosso modelo de representação política, no qual, apesar de mais de três dezenas de partidos, são viáveis para assumir o Executivo Federal apenas dois. O PT e o PSDB.
Nesse contexto, o de uma sociedade estamental, quase de castas, o PT é associado às classes subalternas e o PSDB às classes dominantes.
A melhoria das condições de vida das classes subalternas promovida pelos governos petistas produziu nos estamentos superiores um profundo mal-estar devido a uma incoercível sensação de perda de suas vantagens comparativas. E quatro eleições consecutivas vencidas pelo PT mostraram aos estamentos superiores que o sufrágio universal não os conduziria de volta ao poder.
Daí o retorno do moralismo e do uso da bandeira do combate à corrupção utilizados para colocar mais uma vez a “burguesia indignada” nas ruas em suas manifestações de intolerância e preconceito. A busca do impeachment ou mesmo do anacrônico golpe militar como atalho para a volta ao poder.
Posta esta longa e enfadonha descrição do cenário político-social brasileiro tal qual o vejo, chegamos à atuação do Ministério Público na investigação da Lava Jato.
Um dos mecanismos de manutenção do nosso status quo depravado é a combinação perversa da má qualidade da educação pública com o sistema de concursos públicos com que se tem acesso aos cargos públicos e, portanto, à burocracia estatal que, de facto, dirige o país.
Nenhum reparo, aqui, aos concursos públicos e sua pressuposta promoção da meritocracia.
Mas a combinação perversa citada acima acaba por reservar os cargos superiores da burocracia estatal aos oriundos das classes dominantes. Entre esses cargos superiores estão os da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário. Mormente os delegados, promotores e procuradores e juízes, tão atuantes, nos últimos doze anos, no combate à “corrupção petista” e tão “garantistas”, digamos assim, quando se trata da “corrupção peessedebista”. Entendendo-se, mais uma vez, o PT e o PSDB como representação do nosso quadro social, onde só os três “Pês” vão para a cadeia.
Os casos do Supremo e, a seu modo, da Procuradoria Geral da República são algo à parte, já bem explicado pelo professor André Motta Araújo. Derivam da inexperiência lulista em relação à “real politique” necessária quando da indicação de um Ministro do STF e do Procurador Geral da República. Erros que FHC, com o traquejo social que Lula não tinha, não cometeu nas suas indicações. Dilma também cometeu seus erros nesse campo, mas parece ter entendido o que deve ser feito. Vide suas duas últimas indicações e o movimento para impedi-la de nomear novos ministros.  A tal “PEC da bengala” não tem outra finalidade.
E aqui chegamos a Lava Jato.
Como podem os delegados, procuradores e juízes envolvidos na investigação, por mais isentos que se queiram, se anteporem às pressões dos estamentos superiores, aos quais muitos deles pertencem, para denunciarem o partido e as empresas e não seus dirigentes como os reponsáveis pelas propinas e superfaturamento das obras da Petrobras?
Some-se a isso os poderosos interesses financeiros envolvidos na mudança do modelo de exploração dos campos de petróleo do pré-sal e na abertura à força do mercado brasileiro para as empresas de engenharia estrangeiras.
Pressões político-ideológicas-financeiras e de classe vindas dos estamentos superiores e, portanto, poderosíssimas sobre um grupo de homens. Delegados, procuradores e juízes – mas homens.
Que condições políticas têm para resistir à essas pressões? Principalmente porque o quadro político atual não é favorável a essa resistência.
É nesse cenário que não me permito sonhar. Até porque os sinais que veem dos vazamentos e da não investigação do período FHC não embalam meus sonhos.
Tampouco me agrada as prisões preventivas parecerem método de investigação ou as delações premiadas com direcionamento determinado por revistas semanais.
Quando as vimos serem utilizadas em investigações que não envolvam o PT?
Podemos esperar pela divulgação dos achados da investigação para avaliarmos o quão contra majoritário os delegados, procuradores e juízes envolvidos na Lava Jato puderam ser. Mas podemos também, e creio que devemos, criar um ambiente político que os permita sê-lo.
Nesse sentido, o Ato em Defesa da Petrobras de 24 de fevereiro de 2015 é uma ação política da maior relevância e que tem de ter continuidade e ampliação. Que tenha sido escondido pela mídia mainstream no seu aspecto político e apresentado como não mais que uma briga de torcidas, mostra o quanto foi acertado.
Não nos enganemos, vivemos em um luta de classes na qual os estamentos superiores querem transformar o caso Petrobras em sua última batalha.
E campos de batalha nunca foram lugar para sonhadores.

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