Por que será que imprensa e
oposição nunca tocam na raiz do problema do sistema político: O sequestro da
democracia pelo grande capital econômico?
Maria Inês Nassif - http://cartamaior.com.br/
O escândalo da Petrobras foi
eleito pelos meios de comunicação e pela oposição à presidenta Dilma Rousseff
como o terceiro turno, o episódio que, manipulado cotidianamente por
informações de um juiz, do Ministério Público e da polícia veiculadas por uma mídia
tradicional que tem lado – e não é o lado do governo – mostra-se capaz de
alimentar uma espiral crescente de mal-estar com a política. Essa ação
política, que ganhou força numa eleição particularmente radicalizada, é a
primeira desde o chamado Mensalão que teve impacto de fato sobre a opinião
pública.
Todavia, o que vem da tentativa
de hiperdimensionar a responsabilidade de um único partido, o PT, sobre o
episódio, tomando por base delações premiadas de dois réus que são figuras
centrais – e podem ser considerados como chefes do esquema de corrupção
incrustrado na Petrobras –, não fica em pé, se submetido a qualquer análise
feita sob critérios de racionalidade. Na maioria dos casos, as “denúncias”
constituem-se numa sucessão de hipocrisias que, se são capazes de manter um
clima perigosamente crescente de aversão a todos os políticos, sequer tocam na
raiz do problema do sistema político brasileiro: a captura do voto pelo poder
econômico.
A Proposta de Emenda
Constitucional de número 352, urdida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), com o apoio da oposição, por exemplo, jamais poderia ser
desvinculada desse debate, se ele fosse efetivamente sério, e nunca poderia ter
sucesso no meio de um escândalo como o da Petrobras. A PEC 352, afinal, é a
consagração de um sistema político que é caro e apoiado no financiamento
eleitoral e partidário por grandes empresas com interesses no governo ou em
assuntos em pauta no Legislativo, e cujo sucesso depende de uma eleição de
governantes, sim, mas fundamentalmente de uma grande bancada de parlamentares,
capazes de mobilizar mais rapidamente seus assuntos tanto no Legislativo como
no Executivo, via pressão por liberação de emendas parlamentares ou aprovação
de outras leis. A constitucionalização do financiamento privado de campanha
pretendido por Cunha e seus seguidores eterniza esse sistema político
totalmente vinculado ao poder econômico.
A notícia de que o presidente da
CPI da Petrobras na Câmara, Hugo Motta (PMDB-PB), e o relator Luiz Sérgio
(PT-RJ) receberam dinheiro de empreiteiras denunciadas na Operação Lava Jato,
que investiga a corrupção na Petrobras, não deveria ter surpreendido ninguém. O
sistema político brasileiro é assim. Aliás, a pergunta que se deveria fazer é:
quantos parlamentares eleitos receberam dinheiro para campanha de empresas que
têm profundos interesses na administração pública? Como isso não é crime, essas
doações podem ser levantadas na prestação de contas das campanhas dos
parlamentares. E, como o interesse das
empresas são nos votos que poderão ter no plenário do Congresso, supõe-se que
existam financiados às pencas, tanto na oposição como no governo. As
financiadoras certamente serão, em sua maioria, as encrencadas na Operação Lava
Jato, pois são elas as poucas grandes empreiteiras nacionais aptas a ganhar
grandes licitações, da Petrobras, do governo federal ou dos governos estaduais.
Aliás, se existe possibilidade
legal de as empresas financiarem a eleição de parlamentares, pela lógica
financiarão mais as que têm interesses mais arraigados na administração
pública: grandes empreiteiras, que normalmente são as que vencem licitações
para as grandes obras – que só se concretizam se houver liberação orçamentária
para tanto; setor financeiro, para o qual qualquer decisão, por exemplo, sobre
impostos, envolve giro diário de enormes fortunas (quem não se lembra da
rejeição da CPMF?); setor agrícola, cuja articulação é crescentemente vitoriosa
no Congresso em questões legais que dificultam a reforma agrária e aumentam o
poder de negociação dos grandes empresários rurais com o governo em geral, e
com o Banco do Brasil em particular.
Com fortes bancadas, grandes
empresas têm mais poder no Congresso do que qualquer outro eleitor. O voto do
eleitor vale um. O voto de uma empreiteira, ou do banco, vale os votos que
conseguiu, com o seu dinheiro, para eleger um parlamentar. No final das
eleições, o deputado ou senador que recebeu o dinheiro dessas empresas tem mais
compromissos com elas do que com o eleitor que ganha salário mínimo e mora na
periferia. Entre um e outro, certamente vai querer agradar o seu financiador.
Sob essa ótica, a onda de comoção
que se pretende alimentar contra os políticos porque eles recebem financiamento
de campanha de empresas poderosas perde qualquer racionalidade, se for
considerado aceitável – ou desejável – manter o financiamento empresarial de
campanhas políticas. A grande distorção gerada por essa permissividade do
sistema político-eleitoral do país não desaparece se a justiça conseguir
colocar na cadeia todas as empresas e todos os políticos que receberam propina
no esquema da Petrobras. O sequestro da democracia pelo grande capital
econômico apenas é contido se o financiamento empresarial for proibido.
Créditos da foto: Vitor Teixeira
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