O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa
conservadora, tão confiante na cumplicidade da mídia, não hesitava em ver o que
as imagens da câmera negavam
por: Saul Leblon / http://cartamaior.com.br/
Conta-se que em uma revista semanal de conhecida isenção
jornalística, repórteres não raro recebem um título pronto e a recomendação
expressa: providenciar um texto ‘investigativo’ que o justifique.
O juiz Sergio Moro e a equilibrada equipe responsável pela
operação Lava Jato poderiam ter feito estágio na referida redação, com a qual,
aliás, mantém laços de simpatia recíproca e de valores compartilhados.
Mesmo que não o tenham feito há sinais preocupantes de
comungarem um singular método Paraná de investigação nessa sua cruzada como
paladinos contra a corrupção, assim incensados com direito a pôster épico na
primeira página da Folha de São Paulo.
Armados de uma sentença - como os títulos prévios da
mencionada revista--, eles se puseram a campo para compor um lego jurídico em
que as peças servem na medida em que se encaixam nos espaços reservados.
Tudo recortado pelas lâminas de um primarismo, cujo fio da
meada se resume a um juízo de valor: a
corrupção no Brasil nasceu --e morrerá, se depender da monarquia de Curitiba—
junto com o PT.
A última e mais desconcertante evidencia de que a Nação está
ao sabor desse jogo de cartas marcadas (leia a cortante análise de Maria Inês
Nassif; nesta pág) em que a investigação cumpre papel acessório à sentença, foi a prisão do tesoureiro do PT , João Vaccari
Neto, de sua esposa, Giselda Rousie de Lima, e da nora, Marice Corrêa de Lima.
Quatro dias após à prisão da nora de Vacari , em 17/04
–antes declarada foragida e assim denegrida pelo jornalismo isento durante as
48 horas em que se encontrava em um
Congresso sindical no Panamá, o juiz Sergio Moro pediu a prorrogação de sua
detenção.
Justificando-a, em pomposa declaração à mídia, praticamente
sentenciou a investigada.
"Embora Marice não tenha sido identificada
nominalmente, os vídeos apresentados não deixam qualquer margem para a dúvida
de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima", afirmou o juiz Sérgio
Moro, no feriado da última terça-feira (Globo.com 21/04/2015 12h22)
O responsável pela Lava Jato respaldou sua esférica
assertiva no exame de imagens das câmeras de segurança de um banco, a partir
das quais o ‘método Paraná’ de investigações corroborou a manchete
preconcebida.
Aquela nacionalmente martelada nas horas seguintes, que atribuía
à Marice Corrêa de Lima a responsabilidade por depósitos considerados
suspeitos na conta da irmã, Giselda (esposa do tesoureiro do PT).
Pronto. Mais uma porta da corrupção petista arrombada pelo
‘método Paraná’.
No pedido de prorrogação, Moro alegou que a medida
‘oportunizará’ novo depoimento de Marice "na qual ela poderá esclarecer ou
não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de
João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos".
O ‘método Paraná’ de investigações sustentava que entre 2008 e 2014, a mulher de Vaccari,
Giselda Rousie de Lima recebeu cerca de R$ 323 mil em depósitos da ordem de R$ 10 mil mensais.
As quantias em alguns casos teriam sido depositadas em
caixas eletrônicos.
O vídeo alardeado por Moro, de março de 2015, fecharia a
peça condenatória contra Marice. Seria ela a mulher que aparece em uma agência bancária, efetuando um
depósito.
“Assim, tudo indica que Giselda recebe uma espécie de
“mesada” de fonte ilícita paga pela investigada Marice (em depósitos) feitos até março de 2015”, diziam os
procuradores, segundo o portal Globo.com.
Em depoimento à Polícia Federal, Marice , em vão, afirmou
não ter feito nenhum depósito para Giselda em março de 2015.
Sim, em vão, porque o ‘método Paraná’ já tinha seu labirinto
decifrado.
“Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é
imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado
que há risco concreto de reiteração delitiva”, defendia o MPF, que ainda pedia
a apuração da viagem dela ao Panamá, "pois levanta suspeitas da manutenção
de depósitos ocultos no exterior, como por diversas vezes se verificou com
outros investigados nesta operação".
O juiz Sérgio Moro foi alpem.
O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa
conservadora avaliou como ‘perturbadora a extensão temporal aparente da prática
criminosa’ por parte de Marice Corrêa de Lima.
No mesmo despacho em que determinou a prorrogação da prisão
temporária, o magistrado menciona que há registros de envolvimento de Marice no
escândalo do Mensalão.
Vai por aí o ‘método Paraná’.
Atire primeiro.
Pergunte depois.
O constrangimento do ambiente jurídico é que as fotos e
vídeos sobre os quais se baseou o assertivo e pomposo ajuizamento de Moro neste
caso desmentem o preconcebido de forma clara, serena e
ostensiva.
Será apenas um ponto fora da curva na Lava Jato? Ou a
síntese de um ambiente condenatório embalado pela cumplicidade irrestrita
daqueles que em vez de arguir incensam o
flerte com o arbítrio?
Agora se sabe , da boca do próprio juiz Moro, que Marice não era a mulher dos vídeos que, há dois dias, ele dizia ‘não
deixarem qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice
Correa de Lima" (Globo.com 21/04)
A mídia tolamente hipnotizada ou deliberadamente cínica, em
boa parte cúmplice do ‘método Paraná’ de sentenciar antes, para investigar
depois, olhava para as fotos dos vídeos publicadas em suas próprias página como
os bobos da corte da fábula do Rei Nu: elogiava a fina seda do monarca de
Curitiba.
E Moro estava despudoramente nu de razão neste caso.
Mas de tal forma confiante no silencio obsequioso da mídia
aliada que não hesitava em expor ao ridículo suas palavras, lado a lado das
fotos que as contradiziam.
E a mídia nada disse diante do exclamativo estupro das
evidências.
Nada disseram os colunistas da indignação seletiva nas longas, constrangedoras últimas 48 horas
em que as fotos circularam como a criança da fábula que gritava ‘ o rei está
nu, o rei está nu’.
Foi preciso o próprio rei admiti-lo para jornalismo genuflexo, de novo, endossa-lo.
As irmãs Giselda (esposa de Vaccari) e Marice (nora) são
parecidas.
Mas não são iguais.
Da análise pedestre, a olho nu, sem a ajuda dos recursos
digitais hoje disponíveis, avultava a diferença entre a nora condenada pelo
‘método Paraná’ e a imagem capturada pela PF das câmeras do caixa automático.
Quem fazia o depósito a Giselda nos vídeos era a própria
Giselda.
Só Moro não via –ou não podia ver sem ter que descartar mais
uma peça teimosa do lego com o qual quer levar o PT ao inferno, a Petrobras ao fundo do
pre-sal, as empreiteiras nacionais a falência e o Brasil ao buraco sem fim. Ou
pelo menos tenta-lo até 2018, quando então, os bobos da corte que hoje
elogiam a seda fina de seu traje invisível
vestiriam outro monarca para catapulta-lo ao trono do Brasil.
Erros acontecem.
Evitá-los é o dever de todos.
Sobretudo, porém, é o dever de um juiz não ceder à sulforosa
sofreguidão dos que antepõem aos fatos -e às fotos-- a sua opção política, temerariamente envelopada em força de lei,
como se a investigação legal fosse um jogo de truco cuja principal matéria
prima é o blefe contra adversários políticos marcados para morrer.
O caso Marice/Giselda pode não ser um ponto fora da curva na
circularidade vertiginosa em que evolui a Lava Jato.
Não se faça juízo prévio dos fatos em investigação neste
episódio ou em qualquer outro em questão.
Não só da Lava Jato, mas também da extensão imponderável dos
ilícitos no metrô de SP ou no escândalo
de Furnas em que, segundo depoimento público do doleiro Alberto Youssef –esquecido pela monarquia de
Curitiba-- Aécio Neves e a irmã
desfrutaram de um comissionamento de longos cinco anos a US$ 100 mil por mês.
Dê-se a todos a isonômica e devida presunção da inocência.
Antes que condenações prévias, a exemplo do caso caricatural
das irmãs Marice/Giselda, subordinem o ambiente jurídico brasileiro ao arbítrio
de um rei nu e ao elogio da seda fina que o veste por parte dos bobos da corte.
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