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Publicado na BBC Brasil.
Nos anos 1990, uma das maiores operações anticorrupção da
história europeia expôs uma rede com tentáculos nos principais setores da vida
política e econômica na Itália.
Foi a Operação Mãos Limpas, ou Mani Pulite, que ajudou a
desmantelar esquemas de pagamento de propina por empresas privadas interessadas
em garantir contratos com estatais e órgãos públicos e desvio de recursos para
o financiamento de campanhas políticas.
A investigação levou ao fim da chamada Primeira República
Italiana, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã
(DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).
Bettino Craxi foi líder do PSI entre 1976 e 1993. Foi,
também, primeiro-ministro da Itália, entre agosto de 1983 e abril de 1987. Em
1992, foi acusado pela Mãos Limpas de corrupção e financiamento ilegal de
partido. Condenado, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000.
O PSI não chegou a ser extinto e existe até hoje, ainda que
com pouca participação no cenário político italiano.
A Mãos Limpas italiana seria a fonte de inspiração de muitos
policiais e procuradores que atuam na operação Lava Jato, que investiga o
desvio de recursos da Petrobras para partidos políticos, segundo o jornal Folha
de S.Paulo.
Mas para Vittorio Craxi, conhecido como Bobo Craxi, filho de
Bettino Craxi e ex-deputado pelo PSI, a Operação Mãos Limpas piorou a situação
no país. Segundo Craxi, se antes no meio político havia desvios ilegais para
prover fundos a partidos, hoje cometem-se ilegalidades “para financiar-se a si
mesmo”.
Veja abaixo a entrevista dada à BBC Brasil.
BBC Brasil – É
possível estabelecer um paralelo com o que ocorreu na Itália durante a Operação
Mãos Limpas com a Operação Lava Jato? O PT pode perder a sua força?
Vittorio Craxi - Acho difícil fazer uma comparação com o que
ocorreu na Itália pois o PT é muito maior e mais forte no Brasil do que o
Partido Socialista Italiano era naquela época. Embora fosse do poder, o PSI era
muito menor do que o PT, não tinha a mesma força que o PT tem hoje no Brasil.
O PT ainda tem condições de se reerguer porque conta com uma
história recente de crescimento econômico e com a força do seu líder, (o
ex-presidente) Lula, que ainda é muito popular.
BBC Brasil – Apesar
disso, dirigentes do partido foram condenados por corrupção.
Craxi - É inevitável que depois de uma prolongada
permanência no poder ocorram episódios de corrupção. O risco de degeneração é
fisiológico. No Brasil dos últimos anos o crescimento econômico gerou muita
‘desenvoltura’ no mundo dos negócios, com políticos de esquerda atuando como se
fossem de direita.
Este foi o erro do PT, aderir às prerrogativas dos partidos
de direita, que defendem o mundo financeiro, o capitalismo liberal e a
iniciativa privada. O partido deve ser salvo com a regeneração dos dirigentes e
não com a abolição do próprio partido.
Os brasileiros acabaram de votar e deverão mudar o
presidente nas próximas eleições. Esta é a democracia: respeito ao voto dos
cidadãos, são estas as regras.
Em geral, penso que neste momento histórico mundial, o
melhor papel para a esquerda seja o de oposição. Do contrário, acabaremos por
aceitar as regras do capitalismo financeiro global.
BBC Brasil – Nos anos
90, seu pai foi condenado por corrupção e financiamento ilegal do PSI. Ele
chegou a admitir que o financiamento irregular dos partidos era uma praxe na
época. Ele poderia ter agido de forma diferente?
Craxi - O que ele disse foi que o financiamento de toda a
política na Itália, não apenas a do partido dele, era em parte feito de forma
ilegal, porque os partidos não declaravam estes recursos, porque havia uma
grande desordem nas regras e, portanto, havia grande tolerância com relação a
isso.
Foi um discurso muito aberto e franco sobre a importância do
financiamento aos partidos, que é uma das condições fundamentais da democracia.
A política é e deve continuar sendo financiada, no modo mais
transparente possível. Ou então não se trata de democracia, mas de regime.
Na minha opinião, a solução é tornar o financiamento aos
partidos público e ‘desfiscalizar’ o financiamento privado.
BBC Brasil – O
financiamento dos partidos continua sendo um desafio para a política?
Craxi - Penso que o financiamento à política seja um dos
grandes temas da democracia. Mas as acusações de corrupção não devem ser
generalizadas.
Há casos de corrupção e casos de financiamento irregular à
política, e devem ser diferenciados. Isso vale tanto para os partidos de
esquerda, quanto de direita.
O ex-presidente (Fernando) Collor também esteve envolvido em
atos de corrupção e por isso sofreu o impeachment.
BBC Brasil – A
situação melhorou após a Operação Mãos Limpas?
Craxi - Mudou para pior. Antes cometia-se ilegalidade para
financiar os partidos, hoje comete-se ilegalidades para financiar-se a si
mesmos.
BBC Brasil – E o que
é pior?
Craxi - Hoje existem ladrões, naquela época não. A Operação
Mãos Limpas foi um desastre para a Itália, porque os juízes fizeram carreira e
alguns foram inclusive acusados de corrupção, os partidos desapareceram.
Não por acaso um homem rico organizou um partido. E partidos
pessoais não são partidos. Por isso acredito que as grandes ideias e os grandes
partidos devam ser salvos, apesar dos erros que possam ter cometido.
BBC Brasil – Apesar
da Operação Mãos Limpas, o fenômeno de propinas e troca de favores continua
sendo um assunto na Itália, com diversos episódios recentes de irregularidades.
Existem novas formas de corrupção na política?
Craxi - Sim, e infelizmente não é apenas um problema de
leis, mas de cultura, de respeito às regras. É preciso fazer um trabalho
profundo principalmente nas classes dirigentes do governo.
É difícil modificar a mentalidade de um criminoso, mas
podemos ensinar às novas gerações a respeitar antes de tudo a legalidade, a
transparência e o respeito das regras.
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