VICTOR NEIVA*
A prisão de João Vaccari Neto no
último dia 15 foi mais de uma série de fatos de grande repercussão relacionado
à operação lava-jato. Esta investigação de lavagem de dinheiro tem, desde o
segundo semestre do ano passado, provocado uma série de eventos espetaculares
determinantes no processo de crise política atualmente existente. De fato, os
acontecimentos por ela gerados tem seguidamente ocupado manchetes de destaques
na mídia. Mas será realmente que estamos diante de um processo legal típico
daqueles que aprendemos nos bancos das faculdades de direito, ou uma visão mais
aprofundada dos acontecimentos nos sugere um jogo combinado com o desiderato de
influir decisivamente nos rumos da República?
O caso tem o seu estopim
midiático a partir do doleiro camarada. O sujeito que, em 2003, por ter
dedurado todos os concorrentes menos o padrinho, foi agraciado com a liberdade
de viver e de fazer negócio em um mercado livre.
Pois bem, esse mesmo de quem
idoneidade passa longe, é premiado por caguetar novamente como se fosse a
primeira vez e aponta o dedo para funcionários da maior empresa da América
Latina, que acabam presos.
Sob ameaça de xilindró e com oferta
semelhante de também serem premiados pelo crime e por dedurar, delatam o acerto
das empreiteiras para combinarem o resultado das partidas licitatórias antes do
campeonato começar. Matéria do Valor[1] mostra
que elas realmente definiam o campeão como se fosse uma copa de futebol,
inclusive com bingos para escolher vencedores.
Prende-se então, não por legalidade,
mas por amor e para estimular mais deduragem. Segue-se então um festival de
disse-me-disse aonde apenas aquilo que desfavorece um dos lados do jogo
político vai a conhecimento do público, embora quase todos os atores relevantes
estejam envolvidos. A cada vazamento de informação, soam os tambores midiáticos
e um estardalhaço ensurdecedor passa a repetir o mantra de que tudo se rouba e
que nada presta em nossa tão amável passárgada.
A situação dos vazamentos se
torna não estrondosa que o candidato vencido no pleito presidencial aponta a vencedora
como partícipe do esquema. Na última edição antes da eleição, um dos semanários
de maior circulação do país sai com uma capa-panfleto que, mais que induzir,
afirma categoricamente que a presidente teria participado do crime.
Faz-se inútil a decisão da
justiça eleitoral determinando que seja dado direito de resposta à ofendida.
Cópias das capas-panfleto são espalhadas em locais de votação por todo o país
para tentar influenciar a consciência do povo.
Então
o inexplicável acontece. A estratégia dá errado e a situação vence. Mas a
estratégia não é de todo infeliz. Muda-se a composição do congresso e mantém-se
postos chaves, dentre eles o governo do maior estado do país, que, apesar de
assolado por delações premiadas de executivos de grandes multinacionais,
comprovações suíças de práticas criminosas e exposto à crises homéricas na prestação de
serviços públicos, é ungido pelo rufar dos tambores como um excepcional gestor.
A estratégia então precisa ser
refeita. O juiz das delações do doleiro camarada é alçado ao posto de
personalidade do ano e, logo em seguida, determina a condução coercitiva do
tesoureiro do partido vencedor para tomar depoimento, apesar de ter formalizado
estar à disposição da justiça. Mais uma vez um espetáculo grandioso para a desmoralização.
Os advogados das partes,
legitimamente representando os interesses dos seus clientes procura o Ministro
da Justiça para que tome providência em relação aos vazamentos, sempre
acompanhados do retumbante maracatu atômico. Fundam-se no que é de conhecimento
de todos que tiveram lições elementares de direito: é crime a violação de
sigilo funcional, ainda mais em uma investigação dessa magnitude, sob segredo
de justiça[1].
Tal fato é interpretado pelos
batuqueiros e pela nossa personalidade do ano não como uma atitude legítima de
buscar o cumprimento da lei, mas sim (pasme-se) como uma tentativa de influir
na investigação. E tome-lhe mais prisões. Será de quem vazou? Claro que não.
E eis que o homem mais importante
do Brasil para o mestre da bateria televisiva tem o palanque pra ele. Como era
de se esperar com quem viu melaço pela primeira vez, se lambuza. Defende suas
práticas e propõe rasgar todas as cartas de direito em que se baseiam o nosso
processo civilizatório. Seu discurso, com algumas variações pode se resumir à
ao seguinte: “para que imparcialidade judicial ou presunção de inocência,
deixe-me matar no peito e o Brasil vira a Suécia?”
Como a personalidade não pode
controlar integralmente a investigação por envolverem os cargos mais
importantes do país, o chefe do ministério púbico conhece do caso e afasta a
acusação do semanário panfletário contra a presidente, mas pede abertura de
investigação contra cerca de 10% do parlamento.
Até o mestre da bateria ficou com
medo da personalidade, até porque tinha o rabo preso com uns tributos que
esqueceu de pagar. Mas que siga o jogo. E, especialista em harmonia, fez um
batuque tão grandioso que fez as baterias cariocas de escola de samba parecerem
caixas de fósforo.
E eis que pela primeira vez o
carnaval se repetiu. Não bastasse o de fevereiro, em 15 de março uma multidão
foi fantasiada pra rua. De general, de carrasco, de analfabeto ou até pelado, o
povo charmoso foi pra rua. E, sob qualquer pretexto, desde que contra o
vencedor, fez-se o espetáculo.
Nesse interim, um parceiro de
batuque foi escolhido para representar o circo. E resolveu “investigar” aquilo
que apontou a personalidade do ano. Como era amigo da garotada, além de
inquirir para por no corner a eleita, ainda tentou legitimar uma prática em que
as amigas faziam de gato e sapato o trabalhador.
Deu merda. O terceiro carnaval
pareceu uma quarta-feira de cinzas. O convidado de honra, que era o argumento,
foi embora.
Mas eles tinham a vedete. Que, em
mais um rompante, resolveu fazer do tesoureiro a Geni. Só que tacar pedra na Geni
é mandar prender. Pouco importa que haja base legal pra isso[2].
Precisavam de um espetáculo para esconder a vitória do trabalhador, que impôs
um recuo na terceirização.
Mas quem sabe, né? De repente,
não mais que de repente, faz-se dessa
prisão um carnaval e apaga-se do trabalhador a moral. Risco não há, afinal. Se
der errado, a personalidade do ano coloca a gravata no varal, e, com a
aposentadoria compulsória, deixa Curitiba e vai para outro festival.
E quem é que vai me dizer que
isso é rigor da lei e não circo no final?
Victor Neiva*
É Advogado em Brasília
[2] Código Penal. Art. 325 - Revelar fato de
que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou
facilitar-lhe a revelação:
Segundo o
código de processo penal Art. 312. A
prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
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