segunda-feira, 20 de abril de 2015

LAVA JATO OU ARMAÇÃO ILIMITADA?

VICTOR NEIVA*

A prisão de João Vaccari Neto no último dia 15 foi mais de uma série de fatos de grande repercussão relacionado à operação lava-jato. Esta investigação de lavagem de dinheiro tem, desde o segundo semestre do ano passado, provocado uma série de eventos espetaculares determinantes no processo de crise política atualmente existente. De fato, os acontecimentos por ela gerados tem seguidamente ocupado manchetes de destaques na mídia. Mas será realmente que estamos diante de um processo legal típico daqueles que aprendemos nos bancos das faculdades de direito, ou uma visão mais aprofundada dos acontecimentos nos sugere um jogo combinado com o desiderato de influir decisivamente nos rumos da República?

O caso tem o seu estopim midiático a partir do doleiro camarada. O sujeito que, em 2003, por ter dedurado todos os concorrentes menos o padrinho, foi agraciado com a liberdade de viver e de fazer negócio em um mercado livre.
Pois bem, esse mesmo de quem idoneidade passa longe, é premiado por caguetar novamente como se fosse a primeira vez e aponta o dedo para funcionários da maior empresa da América Latina, que acabam presos.
Sob ameaça de xilindró e com oferta semelhante de também serem premiados pelo crime e por dedurar, delatam o acerto das empreiteiras para combinarem o resultado das partidas licitatórias antes do campeonato começar. Matéria do Valor[1] mostra que elas realmente definiam o campeão como se fosse uma copa de futebol, inclusive com bingos para escolher vencedores.
Prende-se então, não por legalidade, mas por amor e para estimular mais deduragem. Segue-se então um festival de disse-me-disse aonde apenas aquilo que desfavorece um dos lados do jogo político vai a conhecimento do público, embora quase todos os atores relevantes estejam envolvidos. A cada vazamento de informação, soam os tambores midiáticos e um estardalhaço ensurdecedor passa a repetir o mantra de que tudo se rouba e que nada presta em nossa tão amável passárgada.
A situação dos vazamentos se torna não estrondosa que o candidato vencido no pleito presidencial aponta a vencedora como partícipe do esquema. Na última edição antes da eleição, um dos semanários de maior circulação do país sai com uma capa-panfleto que, mais que induzir, afirma categoricamente que a presidente teria participado do crime.
Faz-se inútil a decisão da justiça eleitoral determinando que seja dado direito de resposta à ofendida. Cópias das capas-panfleto são espalhadas em locais de votação por todo o país para tentar influenciar a consciência do povo.
Então o inexplicável acontece. A estratégia dá errado e a situação vence. Mas a estratégia não é de todo infeliz. Muda-se a composição do congresso e mantém-se postos chaves, dentre eles o governo do maior estado do país, que, apesar de assolado por delações premiadas de executivos de grandes multinacionais, comprovações suíças de práticas criminosas e exposto à crises homéricas na prestação de serviços públicos, é ungido pelo rufar dos tambores como um excepcional gestor.
A estratégia então precisa ser refeita. O juiz das delações do doleiro camarada é alçado ao posto de personalidade do ano e, logo em seguida, determina a condução coercitiva do tesoureiro do partido vencedor para tomar depoimento, apesar de ter formalizado estar à disposição da justiça. Mais uma vez um espetáculo grandioso para a desmoralização.
Os advogados das partes, legitimamente representando os interesses dos seus clientes procura o Ministro da Justiça para que tome providência em relação aos vazamentos, sempre acompanhados do retumbante maracatu atômico. Fundam-se no que é de conhecimento de todos que tiveram lições elementares de direito: é crime a violação de sigilo funcional, ainda mais em uma investigação dessa magnitude, sob segredo de justiça[1].
Tal fato é interpretado pelos batuqueiros e pela nossa personalidade do ano não como uma atitude legítima de buscar o cumprimento da lei, mas sim (pasme-se) como uma tentativa de influir na investigação. E tome-lhe mais prisões. Será de quem vazou? Claro que não.
E eis que o homem mais importante do Brasil para o mestre da bateria televisiva tem o palanque pra ele. Como era de se esperar com quem viu melaço pela primeira vez, se lambuza. Defende suas práticas e propõe rasgar todas as cartas de direito em que se baseiam o nosso processo civilizatório. Seu discurso, com algumas variações pode se resumir à ao seguinte: “para que imparcialidade judicial ou presunção de inocência, deixe-me matar no peito e o Brasil vira a Suécia?”
Como a personalidade não pode controlar integralmente a investigação por envolverem os cargos mais importantes do país, o chefe do ministério púbico conhece do caso e afasta a acusação do semanário panfletário contra a presidente, mas pede abertura de investigação contra cerca de 10% do parlamento.
Até o mestre da bateria ficou com medo da personalidade, até porque tinha o rabo preso com uns tributos que esqueceu de pagar. Mas que siga o jogo. E, especialista em harmonia, fez um batuque tão grandioso que fez as baterias cariocas de escola de samba parecerem caixas de fósforo.
E eis que pela primeira vez o carnaval se repetiu. Não bastasse o de fevereiro, em 15 de março uma multidão foi fantasiada pra rua. De general, de carrasco, de analfabeto ou até pelado, o povo charmoso foi pra rua. E, sob qualquer pretexto, desde que contra o vencedor, fez-se o espetáculo.
Nesse interim, um parceiro de batuque foi escolhido para representar o circo. E resolveu “investigar” aquilo que apontou a personalidade do ano. Como era amigo da garotada, além de inquirir para por no corner a eleita, ainda tentou legitimar uma prática em que as amigas faziam de gato e sapato o trabalhador.

Deu merda. O terceiro carnaval pareceu uma quarta-feira de cinzas. O convidado de honra, que era o argumento, foi embora.
Mas eles tinham a vedete. Que, em mais um rompante, resolveu fazer do tesoureiro a Geni. Só que tacar pedra na Geni é mandar prender. Pouco importa que haja base legal pra isso[2]. Precisavam de um espetáculo para esconder a vitória do trabalhador, que impôs um recuo na terceirização.
Mas quem sabe, né? De repente, não mais que de repente, faz-se  dessa prisão um carnaval e apaga-se do trabalhador a moral. Risco não há, afinal. Se der errado, a personalidade do ano coloca a gravata no varal, e, com a aposentadoria compulsória, deixa Curitiba e vai para outro festival.
E quem é que vai me dizer que isso é rigor da lei e não circo no final?

Victor Neiva*
É Advogado em Brasília


 [2] Código Penal.  Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Segundo o código de processo penal Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

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