Um retardou o julgamento no STF; outro manobrou para a Câmara
aprová-lo: para ambos o financiamento empresarial de campanha era questão de
honra.
Maria Inês Nassif / http://cartamaior.com.br/
Se for definitivamente aprovada pelo Congresso a emenda
constitucional que vai condenar o país a uma convivência forçada e duradoura
com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, será graças a manobras
de duas personalidades com grande dificuldade de conviver com o contraditório:
o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o ministro Gilmar Mendes, do STF.
No STF, Mendes interrompeu com um pedido de vistas, em 2 de
abril, o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) de autoria da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) que argui a constitucionalidade da doação empresarial de campanha.
O ministro botou o julgamento de seus pares na sua gaveta e tem esperado.
Aguardou tempo suficiente para Cunha tirar de outra gaveta, a da Câmara, uma
proposta de emenda constitucional que, se aprovada, vai tornar muito complicado
ao STF declarar a inconstitucionalidade da Adin.
Uma vez que o Congresso defina como direito constitucional
dos políticos e partidos receberem doação de empresas, o STF vai arrumar uma
encrenca brava com o Congresso se disser o contrário.
Essa era uma intenção explícita de Mendes. Pressionado a
desengavetar o julgamento da Adin, ele afirmou: “Temos que saber antes, e o
Congresso está discutindo, qual o modelo eleitoral, para saber qual o modelo de
financiamento adequado.” Indagado se essa não era uma posição contrária à
maioria do STF, Mendes afirmou: “Isso é provisório, o resultado de seis a um é
quando se dá a votação. Depois mudam-se os votos.”
Mendes, portanto, sabia que iria ser voto vencido no
julgamento da Adin– o placar de votação já estava em seis votos contra a
permissão de financiamento empresarial e apenas um a favor – e passou por cima
da decisão de seus pares. Não deu para ganhar no voto, foi no grito.
Se a Câmara confirmar a aprovação do financiamento
empresarial, e se o Senado, em dois turnos, entender dessa forma, Mendes terá
feito prevalecer a sua opinião minoritária sobre a de todos os outros ministros
do STF que entenderam não ser constitucional uma empresa financiar campanha,
porque empresa não é eleitor.
Do lado de lá da Praça dos Três Poderes, no Congresso, o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), armou para aprovar, em primeiro
turno, a emenda constitucional que torna legítima a doação empresarial de
campanha. Foi uma vacina contra uma futura decisão do STF, retardada pelo
pedido de vistas de Mendes. A permissão para doação existe na lei que, se
declarada inconstitucional, deixaria de valer. Tornando-se uma emenda
constitucional, fica mais difícil ao STF manter esse entendimento.
Para garantir a aprovação do dispositivo, o presidente da
Câmara amarrou uma série de compromissos, pressões e chantagens sobre as bancadas – em especial as dos parlamentares
eleitos com forte financiamento empresarial e as dos pequenos partidos, que têm
muito a perder se outros itens, como cláusula de barreira e fim das coligações,
forem aprovados dentro dessa reforma constitucional de Cunha, que é a antítese
de tudo o que se discutiu, entre entidades da sociedade civil, como mudança
necessária para “democratizar a democracia” brasileira e reduzir o poder do
dinheiro na política.
Na madrugada de quarta-feira, esse era um assunto
praticamente encerrado, pois o artigo da reforma política que constitucionaliza
o financiamento empresarial de campanha não teve número suficiente de votos no
plenário. Como o regimento do Congresso impede que um assunto derrotado em
plenário seja recolocado à votação no mesmo ano, esse seria um risco encerrado
para seus opositores. Não foi o que entendeu Cunha. Passando por cima de
regimento, o presidente da Câmara recolocou o assunto em pauta, não no mesmo
ano, mas na mesma votação. E ganhou.
Até agora, a vitória de Cunha foi ter mantido na reforma
política que ele quer fazer o financiamento empresarial de campanha. Ainda
faltam uma votação na Câmara e duas no Senado para que isso vire norma
constitucional. O que essa semana traz
de assustador, contudo, é a desenvoltura com que que o império da vontade de
duas únicas personalidades da República se impõe a todos os demais.
A rejeição do dinheiro de empresas em campanhas eleitorais
tem tantas razões éticas que aparentemente é incompreensível uma mobilização
tão grande de personalidades, forças e chantagens políticas para mantê-lo. O
entendimento de que a democracia é mais democrática se todas as pessoas tiverem
as mesmas condições de influenciar uma decisão pública não é uma questão
ideológica, é um fato, uma obviedade. Cunha e Mendes, todavia, tomaram a
permissão do financiamento empresarial de campanha como uma questão de honra e,
para revesti-la de alguma nobreza, colocaram-na no rol de brigas a serem
vencidas nas disputas frequentes com o governo, que rendem a simpatia da elite
brasileira e dos meios de comunicação. Isso, todavia, é apenas uma tentativa de
vender a decisão favorável à doação empresarial como um bom princípio. Mas não
é. Suas manobras se prestam unicamente a manter o status quo de um sistema
político em que valem os interesses dos eleitores mais poderosos, aqueles que
detêm dinheiro suficiente para financiar políticos.
Créditos da foto: Facebook do Chico Alencar e EBC
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