Nas passeatas de março e abril, eternizadas por multidões
vestidas com camisas da CBF aos gritos de “vai pra Cuba!”, Kim tornou-se líder prematuro
do neo anticomunismo.
Leandro Fortes, via CartaCapital / http://limpinhoecheiroso.com/
Em meio à histeria ideológica que se estabeleceu como agente
político no contexto de passeatas nacionais mais ou menos frustradas, o
reacionarismo antipetista regurgitou uma liderança improvável: o jovem Kim
Kataguiri, um ex-estudante de economia de 19 anos, um foragido da faculdade sob
alegada justificativa de que os professores, vejam só, sabiam menos do que ele.
Nas passeatas de março e abril, eternizadas por multidões
vestidas com camisas da CBF aos gritos de “vai pra Cuba!”, Kim tornou-se um
líder prematuro do neo anticomunismo rastaquera da classe média paneleira
nacional. Claro, com a conivência da mídia e de certa oposição
ultraconservadora que vislumbrou na possibilidade do impeachment da presidenta
Dilma Rousseff uma solução rápida para um mal de 13 anos: a ausência de votos.
Essa mistura de mídia conservadora com anseios golpistas,
sabe-se, não é novidade alguma. Trata-se de um modelo udenista mais do que
manjado.
Nem tampouco é novidade que dessa miscelânea despontem
pessoas assim com status de liderança para, justamente, esconder quem realmente
os controla e financia, a saber, os pilares de sempre do atraso pátrio, o
grande capital rentista e o latifúndio.
O pequeno Kim é apenas parte dessa patética fauna de
sociopatas convocados para a defesa da Pátria.
Absortos na fantasia de serem parte de um grandioso projeto
nacional – o impedimento da presidenta da República –, Kim e seus camaradas
organizaram-se em uma caminhada pretensamente cívica e a ela deram um nome
solene: Marcha da Liberdade.
A ideia era reunir patriotas em torno de uma empreitada épica
e cruzar os mais de mil quilômetros que separam a capital paulista de Brasília,
no Planalto Central do Brasil.
Diante de um chamado desta monta, era mais do que óbvia a
adesão de milhares de cidadãos e cidadãs indignados com a corrupção e os
desmandos dos governos do PT. Tomariam, pois, as estradas, formariam um oceano
verde amarelo sobre o asfalto e, enfim, entrariam triunfantes na Capital
Federal, se possível, nos braços do tucano Aécio Neves, o quase-presidente.
Daí, seria uma questão de tempo até tirar a usurpadora do
Palácio do Planalto e dar início a uma nova era com Michel Temer na
Presidência. Mas algo deu terrivelmente errado.
Nunca se soube e, provavelmente, nunca se saberá, quantas pessoas
participaram, de fato, da tal marcha. É certo que, com base nas informações
mais otimistas, esse número nunca passou de duas dezenas.
Como à mídia nunca interessou mostrar a andança, também muito
pouco, ou quase anda, soube-se do roteiro e da rotina da intrépida coluna.
Soube-se apenas, por declarações de Kim, que a marcha se
desenvolveu ao ritmo de, ora 20 quilômetros, ora 40 quilômetros ao dia, a
depender do clima, do ânimo e da capacidade física dos andarilhos.
Um cálculo básico, feito a partir de uma média tomada à
caserna, de 4 quilômetros a cada uma hora de marcha, revela que a caminhada
liderada por Kim foi tão verdadeira como a intenção de muitos de seus
seguidores em fazer uma intervenção militar a favor da democracia.
Como os marchantes da liberdade alegaram ter percorrido de
20quilômetros a 40quilômetros por dia, na primeira hipótese, o grupo anti-Dilma
gastaria, em média, 5 horas por dia para percorrer 20quilômetros.
Restariam 19 horas para descanso, necessidades fisiológicas,
atividades lúdicas, leitura de apostilas da Escola Superior de Guerra e de
livros do astrólogo Olavo de Carvalho.
Na segunda hipótese, os marchantes andariam 40quilômetros,
numa média de 10 horas de caminhada diária pelas estradas de São Paulo, Minas
Gerais, Goiás e Distrito Federal.
Como é bem provável que muitos desses rebeldes
pró-impeachment nunca tenham caminhado 10 horas em um mês inteiro, melhor
centrar na primeira hipótese, já bastante difícil de acreditar: 5 horas de
marcha, 20quilômetros por dia.
Assim, em 24 de maio, 30 dias depois de a marcha ter deixado
São Paulo, quando Kim e uma companheira de luta foram atropelados a 5
quilômetros de Alexânia, em Goiás, a trupe deveria ter percorrido 600
quilômetros.
Faltariam, portanto, quase 500 quilômetros até Brasília.
Ocorre que Alexânia fica a apenas 80 quilômetros da capital
federal. Logo, Kim, ao ser abalroado por um motorista bêbado, estava a somente
85 quilômetros de seu destino.
Ou seja, do nada, sumiram da rota coisa de 400 quilômetros.
Das duas, uma: ou o Jaspion da TFP usou superpoderes para
teletransportar a tropa em alguns trechos, ou, como mais do que se desconfia,
os marchantes da liberdade passaram mais tempo em carros e ônibus de apoio do
que, propriamente, com o pé na estrada.
Quando, finalmente, chegou em Brasília, Kim Kataguri caiu na
real.
Na verdade, já tinha caído antes, quando, no meio da
peregrinação, foi informado que Aécio Neves, o líder da resistência que nunca
foi às manifestações, desistira de pedir o impeachment de Dilma.
Na capital federal, Kim tomou chá de cadeira para ser
recebido pelas lideranças da oposição, até conseguir fazer um selfie com dois
baluartes progressistas do Congresso Nacional, os deputados do PSC Marco
Feliciano, profeta da cura gay, e Eduardo Bolsonaro, cria do próprio, com quem
aprendeu a defender a ditadura, a tortura e redução da maioridade penal.
A mídia e parte alucinada da oposição haviam prometido a Kim
reunir, numa apoteose revolucionária, 30 mil pessoas em Brasília.
Entre manifestantes e curiosos, feita uma soma generosa,
apareceram umas 300 pessoas para receber Kim e seu triste Exército de
Brancaleone em frente ao Congresso Nacional.
Não foi de todo mal.
Vai que, depois dessa, o moleque se anima a estudar de novo?
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