As leis trabalhistas britânicas
mostram que o thatcherismo não conseguiu desmantelar todo o programa de
proteção ao trabalho.
Marcelo Justo / http://cartamaior.com.br/
É o país mais desigual da União
Europeia, segundo um estudo recentemente divulgado, e tem o quarto mais alto
nível de subemprego. Com um milhão e meio de trabalhadores em condições
precárias e nove milhões em empregos de meia jornada, o Reino Unido vem sofrendo
o impacto de um de seus produtos de marca: o thatcherismo.
Ainda assim, as leis trabalhistas
mostram que o thatcherismo não conseguiu desmantelar todo o programa de
proteção ao trabalho e que os treze anos de novo trabalhismo, com os governos
de Tony Blair e Gordon Brown (1997-2010), conseguiram alguns avanços que serão
difíceis de reverter, como o salário mínimo.
Apesar da influência neoliberal
que revestiu os pilares desse novo trabalhismo da dupla Blair-Brown, algumas
medidas importantes foram aprovadas, desde o estabelecimento do salário mínimo,
em 1998, até a lei igualitária de 2010. Uma legislação trabalhista tomou forma
e estabeleceu os direitos mínimos de todo trabalhador: 28 dias de férias
remuneradas, incorporação de planos de previdência, um protocolo de segurança
no local de trabalho, uma legislação de combate a todo tipo de discriminação
sexual, religiosa ou racial.
A lei europeia também influenciou
nessa evolução. Muitas recomendações da União Europeia foram incorporadas à
legislação britânica, como a lei de horários de trabalho, de 1998, que fixa o
tempo de trabalho, o direito ao descanso e a férias; ou a lei igualitária, de
2010, que sintetiza quatro recomendações diferentes do organismo europeu a
respeito da não discriminação no ambiente de trabalho. Por isso, a lei europeia
é vista pelos conservadores como uma espécie de bicho de sete cabeças, a ponto
de a direita mais extrema do partido usar o tema para forçar o referendo, que
provavelmente acontecerá em 2017, sobre a permanência do Reino Unido na UE.
Os conservadores se agarraram na
bandeira nacionalista, bastante forte numa sociedade tão insular. Um dos
principais elementos desse discurso é o fato de Bruxelas poder interferir na
legislação trabalhista britânica apesar de o Reino Unido ter obtido as chamadas
cláusulas de “opt-out” (autorização para se negar a aplicar algumas leis) para
a legislação trabalhista, impedindo que se interfira nas leis de regulação de
greves legadas pelo thatcherismo.
Na prática, existe uma tensão no
Reino Unido entre dois modelos: o estadunidense, baseado na flexibilidade
(inspirado no thatcherismo e defendido pela direita), e o europeu, com foco na
regulação (com apoio dos sindicatos e do Partido Trabalhista). Essa tensão tem
como cenário um mercado de trabalho com diferentes níveis de proteção.
Cerca de 18 milhões de britânicos
trabalham em jornada completa, enquanto nove milhões estão em trabalhos de meia
jornada. Também se deve nesse panorama os mais de 800 mil trabalhadores com
subempregos, entre 1 e 19 horas semanais de trabalho, e outros 700 mil com
contratos de zero horas, no qual o trabalhador tem que estar permanentemente
disponível, embora só receba quando o empregador o chama para trabalhar.
Os trabalhadores de meia jornada
estão protegidos por uma lei do ano 2000, criada pelos trabalhistas, que lhes
garante direitos similares aos que possuem jornada completa. A situação é
totalmente diferente no universo dos contratos de zero horas e no mercado
informal. O empregador pode variar as horas de trabalho como melhor lhe convém,
e inclusive obrigar as pessoas que assinam esses contratos a estar disponíveis
e abandonar o que estão fazendo se são chamadas, ainda que nem todos os
contratos desse tipo contenham esta cláusula.
Este tipo de trabalho, que
começou a ser mais comum durante a crise econômica dos Anos 90, é hoje bastante
frequente nos setores agrícola, hoteleiro, educacional, no da saúde e de
alimentação. No programa de governo apresentado pelos trabalhistas para as
eleições de maio, o partido propunha uma forte redução e regulação desse tipo
de contrato.
Com a maioria plena parlamentária
que os conservadores obtiveram nas urnas, não haverá modificações na lei. Em
seu discurso à rainha, no dia 27 deste mês, em cerimônia formal na que se
anuncia o programa legislativo do governo, os conservadores impulsionarão uma
mudança legal no direito de greve, estipulando o apoio obrigatório de pelo
menos 40% dos membros do sindicato para que uma greve seja considerada válida.
A proposta despertou uma forte
polêmica. Um dos argumentos mais fortes é que, aplicando essa lógica às
eleições, os conservadores tampouco teriam direito de governar. Das 46 milhões
de pessoas com direito a voto, somente 11 milhões votaram, ou seja, menos de um
quarto do universo de eleitores – e somente uma parte deste votou pelos
conservadores.
Créditos da foto: E01 / Flickr
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