Procedimento,
tido como legítimo e comum no Congresso, tem sido criticado por analistas e já
levou parlamentares a serem chamados de 'office boys'
Hylda
Cavalcanti - Rede Brasil Atual / www.cartamaior.com.br
Brasília
– Quanto menor é o nível de conhecimento dos parlamentares sobre o processo
legislativo e maior a renovação das bancadas, assim como o comprometimento
deles com o poder econômico, maiores são as chances de aproveitarem
contribuições e subsídios encaminhados por empresas privadas e instituições
diversas em seus projetos e emendas. Muitas vezes até, eles aproveitam os próprios
textos literais, da forma como lhes são entregues. Esse tipo de procedimento,
que tem chamado a atenção da Câmara dos Deputados nos últimos dias, nas
votações de maior repercussão, ultrapassa a questão do lobby e passou a levar
os autores destas matérias a serem conhecidos como “parlamentares que atuam
como laranjas” da iniciativa privada e de entidades de classe.
Mas
a prática não é proibida e sempre foi comum nas últimas décadas, no Congresso
Nacional. Segundo confirmam parlamentares e assessores da Casa, o envio
sistemático de sugestões de emendas e até textos prontos aos gabinetes muitas
vezes até ajuda na atuação dos parlamentares. Mas o aumento das sugestões
acatadas, por outro lado, na avaliação de analistas legislativos, mostra que as
relações entre os representantes do Congresso e estes setores estão cada vez
mais intricadas. E que, nos últimos tempos, cada vez menos são feitas
alterações ou apreciações por parte do gabinete do parlamentar.
“Não
podemos ser ingênuos para criticar por criticar esse tipo de trabalho porque
todos os órgãos possuem assessoria parlamentar justamente para atuar junto aos
gabinetes da Câmara e do Senado, inclusive sindicatos e entidades de classe.
Mas o aumento observado pode ser um reflexo de que alguma coisa não anda bem na
atual legislatura”, afirmou o cientista político Alexandre Ramalho, consultor
legislativo do Senado e professor da Universidade de Brasília (UnB).
‘Office
boys’
Para
o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o acompanhamento e trabalho de
empresas e entidades junto aos deputados é legítimo. O problema apontado por
ele é a forma como estas práticas têm sido observadas. “É preciso certo
cuidado, critério para avaliar e participar da discussão sobre estas matérias a
serem entregues. Caso contrário, os deputados correm o risco de se
transformarem em meros office-boys das empresas", ressaltou.
Na
última noite, durante o início da votação do Projeto de Lei (PL) 863, da
desoneração, a divulgação, pelo jornal Folha de S. Paulo, de emendas aprovadas
em nome de empresas e associações deram prova disso – o que foi ratificado,
posteriormente, pelos deputados que as apresentaram. A protocolização das
emendas entregues por empresas e entidades a esses parlamentares apenas
registrou uma repetição do que aconteceu durante a apreciação do projeto de lei
sobre a terceirização, em abril passado – quando os parlamentares se valeram da
mesma prática.
Conforme
avaliação primária da mesa diretora da Casa, na época – pelo menos 20 textos
que foram formalizados, referentes a emendas ao PL da terceirização continham,
ainda, o papel timbrado de instituições diversas.
No
caso da votação do PL 863, foram confirmadas três emendas – apresentadas pela
empresa Contax, de call center; pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil
(Abit); e pela Frente da Indústria de Máquinas e Equipamentos, que congrega
indústrias do setor. A primeira foi apresentada pelo deputado Tenente Lúcio
(PSB-MG). A segunda, por Vanderlei Macris (PSDB-SP). A última, pelo parlamentar
Jerônimo Goergen (PP-RS).
Os
três confirmaram ter usado os textos, mas argumentaram que discutiram o assunto
com estas empresas e entidades e, em alguns casos, o material foi analisado e passou
por acréscimos com a participação de assessores de seus gabinetes. “Não vejo problema em representar setores da
sociedade”, afirmou à Folha o deputado Jerônimo Goergen (que não foi encontrado
pela reportagem da RBA).
Aumento
da pressão
A
questão que chamou a atenção, no entanto, foi o fato de a maior parte dos
deputados ter deixado claro o aumento da pressão, nos últimos dias, para pedir
a retirada ou inclusão de itens que facilitassem a situação de determinados
setores na mudança das alíquotas de recolhimento sobre o faturamento das
empresas – uma vez que o projeto, que integra o ajuste fiscal do governo, tinha
a proposta inicial de reduzir a desoneração para 56 setores da economia.
Para
assessores das lideranças do DEM, do PSDB e do PDT, ouvidos em separado, uma
parte do aumento deste tipo de auxílio indireto aos deputados tem ocorrido, nos
últimos meses, também, em razão da renovação de 1/3 da Câmara. Boa parte dos
projetos são de parlamentares que não conseguiram se reeleger e constantemente
têm procurado os colegas das bancadas e entregado projetos pedindo para serem
apresentados por eles. E a maior parte dos pedidos têm sido feitos junto aos
recém empossados, como confirmou um advogado da liderança do PSDB.
O
troca-troca de projetos ficou mais intenso depois que a presidência da Câmara
foi assumida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha nunca escondeu que
desde o início do primeiro mandato costuma pedir matérias para serem
apresentadas por outros colegas, como estratégia para que sejam aprovados em
comissões técnicas da casa e do Senado.
Regulamentação
do lobby
Outro
que usa o mesmo artifício é o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Ao ser
questionado pelo fato de, em 25 anos na Câmara só ter conseguido aprovar uma
única proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria, Bolsonaro afirmou
que o dado não reproduz a realidade porque outros projetos seus foram aprovados
por colegas. "Sou completamente discriminado porque eu sou um homem de
direita. Então, alguns projetos meus dou para outro deputado apresentar porque,
se pintar meu nome, não vai para a frente", disse.
Para
o especialista em marketing político Alexandre Bandeira, o tema remete
diretamente à falta da regulamentação do lobby no país. A regulamentação é alvo
de uma proposta que tramita no Congresso há décadas, sem apreciação por parte
nem da Câmara nem do Senado.
“O
conjunto dos parlamentares é soberano para decidir sobre as matérias e é
legítimo esse aproveitamento de textos e propostas apresentados a eles por
entidades da sociedade civil e instituições, que muitas vezes possuem
assessorias parlamentares bem maiores que o número de servidores que compõem a
estrutura dos gabinetes destes deputados. O que o país precisa é regulamentar o
lobby", acentuou Bandeira.
De
toda forma, a repercussão desse rito legislativo leva os técnicos e segmentos
diversos que acompanham as atividades do Congresso a observarem um outro lado
da tramitação das propostas. Uma vez, que, embora um projeto aprovado na Câmara
ou no Senado tenha o registro dos parlamentares autores – responsáveis formalmente por tais textos – o
caminho percorrido até a matéria ser incluída na pauta do plenário pode ter
sido bem mais sinuoso do que o imaginado.
Créditos
da foto: Troca-troca de projetos ficou mais intenso depois que a presidência da
Câmara foi assumida por Cunha (PMDB-RJ). Foto de Marcelo Camargo
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