'O latifúndio se renovou e hoje
gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a
produção.'
IHU Online (via MST.org.br) / www.cartamaior.com.br
A concentração desequilibrada de
terras está na raiz da história brasileira. O antigo latifúndio, responsável
pelas extensas propriedades rurais, "se renovou e hoje gerencia um moderno
sistema chamado agronegócio", constata Inácio Werner, em entrevista concedida
à IHU On-Line por e-mail. Segundo ele, apenas no Mato Grosso, um dos principais
polos do agronegócio no país, a má distribuição da terra é evidente e tem se
tornado uma das principais causas de conflitos sociais. No total, "3,35%
dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras.
Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente
ficam com 5,53% das terras".
Nos últimos 10 anos, 114 pessoas
foram ameaçadas e seis foram assassinadas por combater o monopólio do campo. Na
avaliação do sociólogo, o Estado não dispõe de uma política pública eficiente
de proteção às vítimas porque é "forçado a tomar posição e enfrentar
aliados".
Inácio José Werner é graduado em
Ciências Sociais pelas Faculdades Integradas Cândido Rondon – Unirondon e
especialista em Movimentos Sociais, Organizações Populares e Democracia
Participativa pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Foi Agente de
Pastoral da Paróquia do Rosário e São Benedito, e posteriormente da Comissão
Pastoral da Terra – CPT. Atualmente, é coordenador do projeto Rede de
intervenção social do Centro Burnier Fé e Justiça, com sede em Cuiabá. Atua na
luta pela erradicação do trabalho escravo, coordena o Fórum de Erradicação do
Trabalho Escravo e participa da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho
Escravo – Coetrae e do Conselho Gestor do Fundo de Erradicação do Trabalho
Escravo – Cegefete. Integra ainda a coordenação do Fórum Mato-grossense de Meio
Ambiente e Desenvolvimento.
Confira a entrevista.
Qual a atual situação agrária do
estado de Mato Grosso?
O latifúndio se renovou e hoje
gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a
produção. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos
estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na
outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam
com 5,53% das terras.
Em que contexto social e
econômico ocorrem os conflitos agrários no campo em Mato Grosso?
Inácio Werner – A concentração
das terras traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média
nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso esta fatia cai
para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo fica com a agricultura
empresarial.
Dom Pedro Casaldáliga, em Uma
Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social,
documento que completa 40 anos no dia 9 de outubro, já denunciava o conflito
estabelecido pela ganância do latifúndio, que assalta e expropria comunidades e
povos que viviam por gerações em sua terras, destacando as populações
tradicionais como quilombolas, retireiros e povos indígenas.
Quais são as principais razões de
ameaças no campo no estado? Quantas pessoas estão sendo ameaçadas, hoje, no
Mato Grosso?
A principal causa de ameaça é a resistência
na terra ou a luta pela conquista de um pedaço de chão. Também temos ameaças
pela denúncia de venda de lotes destinados à reforma agrária, a denúncia de
trabalho escravo, desmatamento ou venda de madeira, além do uso abusivo de
agrotóxicos.
Segundo o caderno Conflitos da
Comissão Pastoral da Terra, em Mato Grosso, entre 2000 e 2010, 114 pessoas
foram ameaçadas, algumas mais de uma vez. Uma mesma pessoa chegou a ser
ameaçada seis vezes. Deve-se ressaltar que, destas 114 pessoas, seis foram assassinadas.
Nos últimos três meses recebemos mais cinco denúncias de ameaças de morte por
lideranças ligadas à luta do campo.
Quem são os grupos econômicos e
políticos que exercem hegemonia em Mato Grosso?
O latifúndio, rearticulado
através do agronegócio, perpassa e influencia a quase totalidade dos partidos
políticos em Mato Grosso. Uns representam o latifúndio e outros, o agronegócio.
Quem é Blairo Maggi? Qual é a sua
real força política no estado? Como construiu seu poder econômico e político? E
como ele se relaciona com o movimento social?
Blairo é da linha de frente do
modelo do agronegócio, alguém que passou a ser porta voz de uma classe,
captando muito bem o anseio dos latifundiários que, em vez de escolherem
representantes, apostaram em quem era "um" dos seus.
Blairo, através do Grupo Amaggi
(André Maggi, pai de Blairo) foi construindo seu "império" através da
diversificação. Não investiu somente na modernização de seu latifúndio: além de
rei da soja, ele compra, transporta, tem as barcaças, investe em portos,
constrói PCHs (pequenas centrais hidroelétricas).
Blairo também se modernizou na
relação com o movimento social. No início de seu governo, em 2003, dizia que no
Mato Grosso não existia trabalho escravo. Depois, através da pressão dos
movimentos sociais, assinou o Plano Estadual de Erradicação de Trabalho
Escravo. Recebeu o prêmio "motosserra de ouro", e depois deu sinais
buscando evitar a derrubada da mata.
Como o Partido dos Trabalhadores
(PT) do estado reagiu ao fato de Maggi ser um dos principais apoiadores de Lula
nas últimas eleições e agora de Dilma Rousseff?
A aliança entre PT e PPS e,
depois, PR foi costurada em nível nacional e repetida no estado com pouca
resistência; houve reações de setores minoritários.
Como repercutem as denúncias de
corrupção do Ministério dos Transportes em Mato Grosso que tem em Pagot um dos
personagens centrais e é um dos afilhados políticos de Maggi?
No Mato Grosso, a relação
Pagot/Maggi é muito conhecida; eles estavam juntos nos dois mandatos do governo
Maggi. A reação é pequena, pois a mídia repercute pouco e a relação de ambos é
vista como mais um escândalo a se somar a tantos outros.
O Fórum de Direitos Humanos e da
Terra – Mato Grosso propõe ao governo do estado a criação do Programa Estadual
de Proteção à Testemunha. Como o governo mato-grossense recebeu essa proposta e
qual sua expectativa em relação ao Programa?
O Fórum há anos insiste e faz
articulação para que o governo estadual possa aderir aos programas federais de
proteção. Estas tratativas de aderir esbarram em diversas desculpas, como as
alegações de que não há dinheiro para a contrapartida, que isso iria requerer
uma grande quantidade de policiais, que teria que haver leis para poder
implantar os programas. Agora, pelo menos um primeiro passo parece ter sido
dado à medida que se encontram previstos no PPA recursos para esta
contrapartida.
O que dificulta, em sua opinião,
a constituição de uma política pública eficiente de proteção às testemunhas
O que mais dificulta é o
convencimento da importância desta política. O segundo fator é o medo de se
comprometer, porque exige uma resposta do Estado. O Estado é chamado a agir
sobre as causas das ameaças e, então, é forçado a tomar posição e enfrentar
aliados.
Segundo a Comissão Pastoral da
Terra – CPT, nos últimos 25 anos, 115 pessoas foram assassinadas em função dos
conflitos do campo em Mato Grosso, e apenas três casos foram julgados. Como o
senhor analisa a atuação do sistema judiciário brasileiro nesses casos de violência?
Por que é difícil julgar os mandantes dos crimes?
A Justiça em nosso país não
condena quem tem dinheiro e influência política. Com intermináveis recursos e
manobras judiciais, os processos nunca vão a julgamento. Porém, a falha não
está só no setor judiciário, à medida que os inquéritos são mal elaborados,
muitas vezes propositalmente, para já nesta fase facilitar a absolvição do
criminoso influente. Sem dúvida, a lentidão da Justiça contribui com a
impunidade e, de certa maneira, incentiva o crime.
O Centro Burnier se constitui,
hoje, na principal referência do movimento social do Mato Grosso? Quais são as
outras organizações com quem vocês trabalham?
Não saberia dizer se o Centro
Burnier é a principal referência. O que sei é nos esforçamos para uma mudança
na forma de agir, sempre atuando em rede, reforçando espaços coletivos.
O desafio é criar uma rede forte
em momento de fragilização dos movimentos sociais onde a luta pela
sobrevivência de cada organização está ameaçada. Trabalhamos em várias frentes
de luta, em parceria com algumas instituições, como a Comissão Pastoral da
Terra, o Centro Pastoral para Migrantes, o Conselho Indigenista Missionário, as
Comunidades Eclesiais de Base, o Centro de Estudos Bíblicos, a Operação
Amazônia Nativa, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional, o Sindicato dos Profissionais da
Educação, o Instituto Centro de Vida, além de setores organizados na
Universidade Federal de Mato Grosso.
Créditos da foto: Cândido
Portinari
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