Segundo Hervé Falciani, a
repatriação das somas devidas ao fisco só depende de vontade política. Ele está
pronto a colaborar com o governo brasileiro.
Leneide Duarte-Plon, de Paris – www.cartamaior.com.br
O primeiro-ministro grego, Alexis
Tsipras, declarou como prioridade de seu governo o combate à fraude fiscal.
Para lutar contra essa hemorragia de recursos públicos, a Justiça grega
trabalha arduamente no sentido de repatriar em condições vantajosas várias
dezenas de bilhões de euros que se encontram na Suíça e em outros paraísos
fiscais.
O governo brasileiro tem todo
interesse em fazer o mesmo e determinar através da Justiça o repatriamento do
que foi sonegado ao fisco e se encontra no HSBC de Genebra. Revelada por um
ex-empregado do banco, o franco-italiano Hervé Falciani, 42 anos, o SwissLeaks
, « a fraude fiscal do século”, trouxe à tona uma realidade escondida mas
conhecida de todos: a Suíça é o maior paraíso fiscal do planeta.
Em entrevista exclusiva que deu
por skype e que assino na revista Carta Capital desta semana, ele se disse
pronto a colaborar com as autoridades brasileiras. Para haver o retorno do
imposto fraudado aos cofres públicos é preciso que cada país faça sua própria
investigação. E para isso, há que haver vontade política.
Falciani forneceu em 2009 às
autoridades francesas uma lista de 106 mil contas secretas no HSBC de Genebra
pertencentes a cidadãos de diversos países. Conhecendo a fundo o funcionamento
do sistema, ele trabalhou com a justiça francesa por vários anos em segredo até
que o jornal Le Monde foi autorizado a ter acesso à lista e divulgou o
SwissLeaks em fevereiro deste ano.
O jornal decidiu compartilhar o
monumental volume de informação com o ICIJ (Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos) que reúne jornalistas de diversos países. O
jornalista brasileiro que teve acesso à lista de mais de 8 mil brasileiros
divulgou alguns deles, mas em vez de se interessar pelo problema de fundo, a
imprensa brasileira se perdeu em pequenos detalhes.
Segundo Falciani, para evitar os
casos particulares e as manipulações, é preciso ter coragem política e dizer :
« Vamos enfrentar a raiz do problema », sem a preocupação de uma pessoa ou um
grupo, sem se preocupar com o consórcio.
E a raiz do problema é o sistema
financeiro.
“Se houver mais transparência, o
Brasil terá mais investimento, mais benefícios para os brasileiros. Não é um
problema de pessoas, elas são substituíveis. É um problema de mecanismos », diz
o engenheiro informático, que se tornou próximo do Podemos, na Espanha, e do
Syriza, na Grécia.
O segredo bancário favorece todo
tipo de fraude, pensa Falciani. Ele se colocou à disposição do governo
brasileiro para ajudar a decifrar as 8.667 contas de brasileiros protegidas
pelo segredo bancário do maior sistema informático privado do mundo, que ajudou
a montar. Algumas contas são em nome de pessoas físicas, outras escondem seus
donos por trás de sociedades offshore.
Falciani frisa que a fraude
fiscal só pode ser desvendada e parte dos impostos repatriada ao Brasil se
houver vontade política da presidente Dilma Rousseff ou por decisão de justiça.
A Suíça, como os outros paraísos
fiscais, guarda nas contas secretas o dinheiro ganho legalmente por empresários
e até mesmo por banqueiros que não querem pagar parte de suas fortunas em
impostos, caso de Emílio Botin, dono do Santander, que detinha uma conta
secreta no HSBC. Mas além do dinheiro legal que foge ao fisco, as contas
secretas abrigam comissões de vendas de armas, comissões recebidas por tráfico
de influência política, além do dinheiro de mafiosos e traficantes de todo
tipo.
Pedra de Roseta
Falciani é o que os franceses
chamam de lanceur d’alerte (whistle blowers, em inglês). Sua causa é o direito
dos cidadãos à informação sobre o que se passa no mundo opaco da finança. O New
York Times comparou-o a Edward Snowden, o jovem funcionário da NSA (National
Security Agence) que revelou ao mundo, em 2013, o escândalo da espionagem e das
escutas ilegais de chefes de Estado, inclusive de Dilma Rousseff e de Angela
Merkel, feitas pelos americanos.
Mas a apropriação de dados
secretos do HSBC por Hervé Falciani não foi um ato isolado de um herói
solitário. Em seu livro Séisme sur la planète finance-Au coeur du scandale
HSBC, lançado recentemente em Paris, ele conta que a divulgação da lista com
106 mil contas foi um trabalho preparado por uma rede de pessoas que sempre o
ajudaram. Essa rede decidiu revelar ao mundo a total impunidade que o segredo
bancário favorece privando todos os países de impostos fundamentais no
desenvolvimento e no funcionamento dos serviços públicos.
Especialista em informática,
Falciani decifrou para as autoridades francesas o que chama de « Pedra de
Roseta », o intricado sistema de códigos espalhado por filiais em diversos
países do mundo que permitem a total opacidade do banco.
« Nas informações disponíveis,
pode-se encontrar todo o contexto de uma conta. Pode-se descobrir quem são os
laranjas, quem são os intermediários, os gerentes das contas », informa.
Cumplicidade na fraude
O banco HSBC já foi processado em
diversos países como a França, a Argentina, a Itália e os Estados Unidos, que o
responsabilizaram pela organização da monumental evasão fiscal de seus
cidadãos. A justiça belga processou o banco por fraude fiscal organizada,
lavagem de dinheiro, associação de malfeitores e intermediação financeira
ilegal. A todos esses países, o banco pagou multas milionárias como os 50
milhões de euros que teve de pagar à França por « lavagem financeira de somas
provenientes de fraude fiscal ».
Além disso, a justiça e a
administração francesas, que começaram a trabalhar com a lista Falciani desde
2009, já conseguiram repatriar 400 milhões de euros das contas de cidadãos
franceses. Em novembro de 2014, o governo argentino denunciou na Justiça o HSBC
por ter ajudado mais de 4 mil cidadãos argentinos a fraudar o imposto.
Segundo Falciani, argentinos e
brasileiros podem trabalhar em conjunto para recuperar o dinheiro devido ao
fisco. Ele já colabora com os espanhois e também com os argentinos, além dos
gregos.
« O responsável brasileiro da
receita pode pedir a colaboração de seu colega argentino, Ricardo Echegaray,
que investiga o caso. Eles podem começar um trabalho conjunto. Esse trabalho
pode durar vários anos e levará a mudanças benéficas. Só precisa haver vontade
política. »
As contas de brasileiros no HSBC
devem ocultar mais de R$ 7 bilhões, segundo estimativa preliminar.
Em seu livro, Falciani assinala
que o governo francês nunca aceitou comunicar todas as informações de que
dispõe. Negou os dados à Itália, aos Estados Unidos e aos outros países que lhe
solicitaram. A única exceção foi feita à Suíça, que beneficiou da total
cooperação.
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