Fernando Brito / http://tijolaco.com.br/
Pedro Celestino, candidato de
consenso à Presidência do Clube de Engenharia, sintetiza, com clareza e
didatismo, as contradições e erros do projeto do Senador José Serra que retira
da Petrobras a condição de operadora única e a propriedade de, no mínimo, 30%
das jazidas de petróleo do pré-sal:
“Cabe registrar a disposição do
nobre senador José Serra de, finalmente, oferecer à opinião pública as razões
que o fizeram apresentar o PL 131, que retira a obrigatoriedade de a Petrobras
ser a operadora única dos campos do pré-sal. O debate de idéias em termos
elevados é intrínseco à democracia. É pena, entretanto, que tal disposição só
tenha se manifestado após 46 senadores terem rejeitado o pedido de urgência
para a tramitação do seu projeto; caso o houvessem aprovado, a deliberação
sobre assunto de vital interesse para o país seria tomada sem discussão. É que
o senador considera o petróleo uma “commodity”, e não um insumo estratégico
para o Brasil. Não vê, ou não quer ver, que o controle do petróleo é, e
continuará a ser nas próximas décadas, o pano de fundo dos principais conflitos
geopolíticos mundiais.
Considere-se, por exemplo, o
cenário antevisto pela AIE – Agência Internacional de Energia, que prevê que:
a) a produção mundial de petróleo
continuará a crescer, passando dos atuais 85 milhões de barris/dia para quase
100 milhões de barris/dia em 2035;
b) os campos produtores atuais
atingiram seu pico de produção (65 milhões de barris/dia) em 2007/2008,
entrando em declínio desde a partir daí;
c) em 2035 cerca de 38 milhões de
barris/dia serão produzidos por campos já descobertos, (mas não em produção)
por campos novos a serem descobertos.
Resultado deste cenário: a
ampliação do estoque de reservas para futura produção de petróleo continuará a
ser o principal objetivo das petrolíferas privadas mundiais (Shell, Exxon,
Chevron, BP e Total). E quando se fala de petróleo, área em que os projetos são
de longa maturação, pois envolvem largo espectro de riscos e incertezas,
assenhorear-se de áreas já descobertas, em que tais imprevisibilidades sejam
minimizadas, torna-se objetivo prioritário dessas empresas. Não foi outro o
motivo que levou recentemente a Shell a comprar a BG. Segundo o seu presidente
a Shell, ao adquirir a BG, aumentará nos próximos 5 anos a produção de petróleo
no Brasil, dos atuais 100 mil barris/dia para 500 mil barris/dia. Com isso, 20%
da sua produção mundial sairá do Brasil.
No planeta, nos últimos 30 anos,
a maior descoberta de petróleo foi a do pré-sal brasileiro, com reservatórios a
exibir níveis de produtividade incomuns (poços que produzem mais de 20 mil
barris/dia), com baixo custo de extração (US$ 9,00/barril, segundo a Petrobrás).
Esta é a razão do desesperado interesse das petrolíferas privadas mundiais no
nosso pré-sal.
Qualquer empresa petrolífera
preocupa-se simultaneamente com o aumento da produção e o aumento das reservas.
Se é a produção que sustenta financeiramente a empresa, são as reservas que
propiciam o lastro econômico que, por sua vez, promove a sustentabilidade do
seu futuro. A produção dos campos produtores decai em média 10% ao ano e as
reservas se esgotam rapidamente, por isso a atividade de exploração e produção
(E&P) é tão frenética na busca de novas reservas.
No Brasil, após a quebra do
monopólio estatal do petróleo em 1997, a estratégia das petrolíferas privadas
mundiais foi a de aguardar os resultados dos esforços exploratórios – como se
sabe, carregados de riscos e incertezas – da Petrobrás, para aí sim, sem risco
exploratório algum, adquirir as áreas promissoras, em leilões promovidos pela
ANP, agência cada vez mais capturada por interesses privados. Basta dizer que
sua diretora-geral defende a revisão da Lei da Partilha. Não por acaso, a ANP é
tão cara ao senador Serra, desde o tempo de David Zylberstajn, o competente
genro de FHC.
O modelo de partilha foi adotado
para assegurar ao país ganhos maiores, em áreas de risco exploratório muito
baixo, como é o caso do pré-sal. Ao propor que a Petrobrás deixe de ser a
operadora única do pré-sal, o senador Serra presta um serviço às petrolíferas
privadas mundiais. É da entrega do nosso petróleo, é disto que se trata, o que
não é novidade. Basta recordar o que ocorreu após a quebra do monopólio da
Petrobrás. Para atrair as empresas estrangeiras, determinou-se
irresponsavelmente à Petrobrás reduzir a aquisição de blocos para explorar,
descobrir e produzir petróleo nas rodadas I, II, III e IV (esta em 2002). Se essa
diretriz não fosse revertida a partir de 2003 com a retomada da aquisição de
blocos nas rodadas seguintes, a partir de 2008 a Petrobrás não teria mais onde
explorar em território brasileiro, comprometendo o seu futuro como empresa
petrolífera.
O aumento constante das reservas
e da produção a partir de 2003 decorreu da forte retomada dos investimentos em
E&P e da decisão de abandonar a política de concentração dos investimentos
na Bacia de Campos, com grande produção, mas com declínio de produção já à vista
(sucediam-se os poços exploratórios secos perfurados). Essa inflexão permitiu
que as sondas fossem espalhadas pelas bacias do Espírito Santo, Santos e
Sergipe, que propiciaram, a partir de 2003, as grandes descobertas e o
crescimento efetivo das reservas e da produção, processo que culminou com a
descoberta do pré-sal em 2006. É bom lembrar que essas bacias tinham sido
praticamente abandonadas nos anos anteriores, para permitir a entrada das
empresas estrangeiras. Se a Petrobrás continuasse concentrada na Bacia de
Campos – a empresa abandonara investimentos em áreas novas – aí sim, teria sido
transformada em uma empresa petrolífera sem qualquer sustentabilidade
financeira, a curto prazo, e econômica, a longo prazo.
O aumento da produção foi
extraordinário a partir de 2003. Extraordinária também foi a elevação das
reservas. Apesar dos desmandos, a Petrobras passou a ser a melhor, a mais
eficaz e, economicamente, a mais sustentável a longo prazo das grandes empresas
petrolíferas mundiais. Definitivamente não está, como diz o senador Serra,
“quase arruinada”.
O senador Serra critica o
endividamento da Petrobrás, segundo ele quase 6 vezes maior que o endividamento
médio das petrolíferas. Para não questionar números, pois caberia argüir a que
universo de empresas corresponderia a média por ele citada, basta dizer que há
petrolíferas de inúmeros tipos, tamanhos/dimensões e missões/objetivos
empresariais. As estatais do Oriente Médio, por exemplo, têm endividamento
baixíssimo, pois produzem em campos terrestres, de geologia bem conhecida; já
as petrolíferas privadas mundiais têm reservas e produção cadentes há anos, o
que em contrapartida lhes permitiu acumular recursos financeiros para adquirir
reservas mundo a fora, o que lhes seria permitido aqui, caso o projeto do
senador Serra fosse aprovado. Nenhuma delas é como a Petrobrás, detentora de
reservas totais de petróleo crescentes, que beiram os 30 bilhões de barris, que
conta com um corpo técnico reconhecido como entre os melhores e mais bem
capacitados – senão o melhor – dentre todas as petrolíferas, que detém
tecnologia integral para não só produzir suas reservas de petróleo, como para
avançar continuamente no domínio tecnológico, e que apresenta a mais segura e
eficaz competência operacional do mundo para produzir em águas ultra profundas,
como as do pré-sal, com total segurança paras as pessoas e para o meio
ambiente. O mau uso da estatística pelo senador Serra traz à lembrança o
falecido Roberto Campos, que acertadamente dizia que a estatística mostra o
supérfluo e esconde o essencial.
O senador Serra, para justificar
a entrega do petróleo do pré-sal às petrolíferas privadas mundiais, alega que,
entre a quebra do monopólio estatal em 1997 e 2010, sob o regime de concessão,
a produção de petróleo da Petrobrás passou de 800 mil barris/dia para 2 milhões
de barris/dia, enquanto que, sob o regime de partilha, teve um “aumento pífio
de 18%”. Aqui está a justificativa, ainda velada, para o abandono do regime de
partilha, iniciado pelo seu projeto. O argumento do senador não se sustenta: o
aumento da produção de petróleo da Petrobras até 2010 decorreu, essencialmente,
da produção de descobertas anteriores à quebra do monopólio, pois a produção
das descobertas posteriores só começou a se fazer sentir a partir de 2005-2006;
nada, porém, se compara à extraordinária curva de crescimento da produção de
petróleo no pré-sal, que aumenta mês a mês desde 2013, quando lá se iniciou a
produção, à taxa de 5% a.m., chegando hoje à casa dos 800 mil barris/dia. Esta
é a razão da tentativa, patrocinada pelo senador Serra, de entregar o nosso
petróleo às petrolíferas privadas mundiais.
O senador Serra critica a
Petrobrás pelo “controle oportunista de preços” e pelos “projetos aloprados de
refinarias”, que teriam quase arruinado a empresa.
Quanto ao “controle oportunista
de preços”, labora em erro o senador Serra. Administrar o preço na porta da
refinaria é do interesse do cidadão brasileiro – em ultima análise, o acionista
controlador da Petrobrás – e cumpre função social de extrema importância, a do
controle do custo de vida. Os acionistas estrangeiros, introduzidos na
Petrobrás após a quebra do monopólio, é que não concordam com isso, exigem o
alinhamento dos preços dos produtos da Petrobrás aos preços internacionais. A
quem serve o senador Serra ao defender essa opinião? Certamente, não aos
interesses nacionais. Quanto aos “projetos aloprados de refinarias”, tanto o
COMPERJ no Rio de Janeiro, como a RENEST em Pernambuco são tecnicamente
justificados, pois agregam valor ao petróleo aqui produzido, e tornam o país
auto-suficiente neste insumo. Na verdade, a posição do senador é coerente com a
do governo FHC, do qual foi uma das principais lideranças: buscou-se, então,
desinvestir em refino (alienou-se ⅓ da REFAP à YPF e preparou-se a venda da
REDUC, suspensa em 2003), para tornar o país dependente da importação de
derivados. As beneficiárias da canibalização da Petrobrás seriam, é claro, as
petrolíferas privadas mundiais.
Finalmente, o senador Serra
comenta algumas decisões da atual diretoria da Petrobrás, em princípio
alinhadas às suas ideias. Propõe-se a venda de ativos de produção, solução
simplista que suprimirá da Petrobrás justamente a origem dos recursos que, no
futuro, garantirão o rolamento das suas dívidas e a sustentabilidade a longo
prazo da saúde financeira da empresa. As medidas anunciadas são, na verdade,
uma solução obtusa, que beira o suicídio empresarial, em favor de interesses
das petrolíferas privadas mundiais, tão caras ao senador Serra.”
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