sábado, 22 de agosto de 2015

A classe média que me dá medo

Por Sandra Crespo / http://www.jornaldoromario.com.br/
Hoje um amigo se mostrou incomodado com a posição crítica de muitos esquerdistas em relação à classe média brasileira. E eu vesti a carapuça! Tenho metido o pau nos meus "pares" ultimamente.
Eu sempre fui classe média. Mesmo nas minhas recaídas "porção povão", que não são raras, tenho a marca de classe média carimbada na minha cara branca (embora morena quase jambo). Também sou elite nas roupas que uso e ainda nos gestos, no jeito de falar, no gosto musical, literário etc.
Não tem jeito.
Tudo me incrimina, a começar pelas oportunidades que tive desde criança (filha de funcionário do BB, nem tão rica assim hehe) as quais a minha empregada, dez anos mais nova que eu, jamais sonharia ter em sua infância!
Porém, desde pequena, eu sempre passei horas na cozinha e na área de serviço conversando com as empregadas da minha vida. Em casa, na casa da minha avó, nas cozinhas de amigos e depois com diaristas mil, copeiras, manicures, garçons, operários, alguns terceirizados da Câmara...

Enfim, aquele pessoal que o Chico Buarque diz que se alimenta de luz... E que, segundo o Aldir Blanc, come goiabada cascão com muito queijo nos melhores dias...
O certo é que, em casa, sempre me incomodei com a hora do almoço: nós numa mesa, e ela na outra, na cozinha.
Eu tenho uma empregada há 19 anos que é uma das melhores amigas que eu tenho neste mundo.
Ela cozinha e limpa a casa. Resolve mil pepinos, é meu braço direito. Cuidou do meu filho desde os seus dois aninhos. E teve dois filhos depois, nossos queridinhos aqui também.
Ela faz questão de comer na cozinha. E eu tenho às vezes que implorar, por exemplo, para ela participar conosco de um brinde, uma guloseima, um momento mais especial.
Estou falando de coisas pessoais para explicar o mal estar que sinto quando observo atitudes pró-apartheid de setores da classe média brasileira que não se conformam com as mudanças sociais ocorridas no Brasil nos últimos vinte anos. E teimam em perpetuar o sistema escravagista, Casa Grande e Senzala.
É aquela gente que vai para a rua pedir a cabeça da presidente "corrupta" e, enquanto faz selfies com a polícia, diz com asco que a chacina em Osasco é problema "da periferia".
Aquela gente que ocupa duas vagas no estacionamento, fura fila, diz que médico cubano negro é "escravo" e no dia seguinte telefona para um político pedindo uma "colocação" para seu filho. (Afinal, ele é muito preparado!).
Mas no domingo tá garantido: toda a família, com camiseta oficial da CBF, vai pra rua cantar o hino! Vai empunhar cartaz contra "os políticos" corruptos, menos aqueles do bem: os que odeiam Dilma, Lula e o PT, claro!
Eu falo com a Dilma (minha empregada tem o nome da presidente) que não tenho mais ambiente, que tô cercada de golpistas racistas, que tô até com medo, e ela: "Isso é problema da sua classe, porque a minha não tem a menor dúvida, nós não vamos mudar de lado!".
Daí eu me sinto tão só...
Pessoas com quem antes era normal ou até prazeroso conviver e conversar me parecem agora tão horríveis!
Não quero isso! O Brasil precisa se apaziguar. Não quero me sentir uma ilha de generosidade cercada de coxinhas direitistas, até porque não sou hipócrita nem santa. Mas também não consigo entender tanto egoísmo e tanto ódio, juro por Deus.

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