O grande temor agora é de que um
espirro da China provoque, como costumava acontecer com os Estados Unidos em
outras épocas, uma gripe mundial.
Marcelo Justo / www.cartamaior.com.br
O fantasma que ronda a
espetacular queda da bolsa chinesa é o do crash de 1929 e o da mais recente
crise financeira, em 2008, que foram os pontos de partida das duas maiores
recessões mundiais dos últimos 100 anos.
O mercado bursátil chinês fechou
em queda de 8,5% num dia tumultuado, que levou as autoridades do país a falar
numa “segunda-feira negra”.
A queda se disseminou. Primeiro,
pelas demais bolsas da Ásia. O preço do petróleo caiu ao seu nível mais baixo
em seis anos e o valor médio das “commodities” sofreram sua maior diminuição
neste século.
O efeito dominó alcançou as
bolsas europeias, que registraram queda entre 5 e 6%, para logo se estender aos
Estados Unidos e à América Latina.
O comportamento em manada dos
mercados financeiros é a norma em momentos de crise: na imensa maioria dos
casos, se trata de problemas passageiros, ajustes devido aos anteriores
excessos cometidos pela especulação.
O impacto sobre a economia real
depende das vias de transmissão de uma crise. No caso da bolsa chinesa, sua
conexão com o resto do mundo, ou com o conjunto da sociedade chinesa, não é
grande: as ações em mãos estrangeiras são mínimas e somente 6% da população tem
participação no mercado.
O grande temor agora é sobre a
hipótese de que um espirro da China provoque, como costumava acontecer com os
Estados Unidos em outras épocas, uma gripe mundial.
Os sintomas
Os mercados globais perderam
cerca de 5 trilhões de dólares (quase um terço do PIB estadunidense) desde que
o Banco Popular da China anunciou a desvalorização do renminbi (a moeda
chinesa, no dia 11 de agosto.
Essa perda reflete um temor a
respeito da economia chinesa, que não é novo, mas que se disparou com as
notícias dos últimos dois meses.
Em julho, o governo chinês
realizou uma drástica intervenção na bolsa de valores, depois que mais da
metade das companhias ameaçaram suspender suas operações no mercado bursátil.
Numa reação interpretada por
alguns como draconiana, o governo baixou as taxas de juros, flexibilizou as
regras para que os fundos de pensão e seguridade social pudessem investir mais,
e facilitou os empréstimos por mais de 40 trilhões de dólares, para que os
corretores da bolsa pudessem sustentar o preço das ações com maior demanda.
As medidas acalmaram as águas,
mas as três desvalorizações de agosto, equivalentes a uma queda de 3% no valor
do renminbi, voltaram a gerar incertezas.
O tiro de misericórdia veio na
sexta-feira passada, quando se conheceu um índice industrial que pelo sexto mês
consecutivo, estava por baixo dos 50 pontos, porcentagem equivalente a uma
contração industrial.
Segundo o que indicou à Carta
Maior o analista Kamel Mellahi, especialista em mercados emergentes da Warwick
Business School do Reino Unido, a atual tormenta reflete esses dados.
“A expectativa generalizada era
que a economia chinesa ia ter uma primeira metade de ano difícil, e que
melhoraria na segunda metade. Os dados não refletiram esta premissa. Muito pelo
contrário. O pulso econômico da atividade fabril está baixando muito mais
rápido do que o esperado”, comentou Mellahi.
Uma vez contextualizados, esses
casos não são tão impactantes. Segundo o professor John Ross, do Instituto de
Estudos Financeiros Chongyang, da Universidade Renmin, de Pequim, em entrevista
para a Carta Maior, o desempenho da economia chinesa continua sendo excelente.
“A China está crescendo a 6,5 ou
7%, três vezes mais que os Estados Unidos e quatro vezes ou mais em comparação
com a Europa. É uma economia que passou de um ritmo de crescimento
`supersensacional´ de 10% ou mais para um somente `sensacional´ como o atual”,
explica Ross.
Finanças e economia real
É preciso sempre tomar com calma
essas “segundas negras” das manchetes financeiras.
Na imensa maioria dos casos, o
catastrofismo é substituído, semanas depois, por títulos rimbombantes sobre
grandes recuperações, com fabulosos lucros.
Essa volatilidade é alimentada
pelo forte elemento especulativo presente nos mercados que operam na velocidade
da internet, e do comportamento “manada” durante as crises – quando os
investidores tentam fugir pela porta saída e encontram um monte de gente
correndo para qualquer lado.
Mas as bolsas também podem ter um
impacto na economia real.
O valor da bolsa chinesa é um
terço do PIB do país, enquanto a maioria das economias desenvolvidas está a
mais de 100%.
Nos outros países, uma queda
sustentada do valor bursátil pode impactar o crescimento econômico e o consumo.
“O problema é que os mercados
bursáteis dos países ocidentais estão seriamente superestimadas. Se a taxa de
juros está tão perto de 0% por tanto tempo, o que sucede é que os ativos
financeiros terminam necessariamente superestimados”, indicou Ross à Carta
Maior.
Se essa queda dos mercados se
prolongar, o impacto seria inevitavelmente refletido na debilitada economia
global, que necessita mais demanda e mais consumo para revitalizar a produção e
o comércio global.
América Latina
No caso da América Latina, o
impacto da desaceleração chinesa já vem sendo sentido há dois anos.
Em seu último informe, a CEPAL
apontou que a região só cresceria 0,5% este ano, e citou a queda dos preços das
commodities, provocada por essa desaceleração, como uma das principais causas.
A Venezuela (pelo petróleo) e o
Chile (pelo cobre) estão entre os mais prejudicados, mas não são os únicos.
Os problemas chineses contagiaram
a região, e não somente no que diz respeito aos preços das commodities.
A desvalorização do renminbi
produziu uma queda de 1% do real brasileiro, enquanto o peso chileno também
sofreu o impacto das notícias chinesas, com uma queda ao seu nível mais baixo
nos últimos 12 anos.
“Será fundamental ver a
capacidade de reação de cada economia e como substituem a queda nas
matérias-primas. Países como o México podem substituir o mercado chinês pelo
estadunidense, e têm portanto maior capacidade de reação. Esses países podem se
beneficiar, porque a desvalorização de suas moedas lo fará mais competitivos”,
indicou Kamel Mellahi à BBC Mundo.
O que o governo chinês pode
fazer?
O governo chinês não tem o
prejuízo laissez-faire” dos países desenvolvidos: sempre que tem que intervir,
o faz sem vacilar.
O fez durante a recessão econômica
mundial, com um massivo programa de investimentos estatais que permitiu ao país
ser o primeiro a sair da contração global, e tracionar boa parte do mundo, em
especial os países em desenvolvimento.
Desde 2010, a China embarcou numa
profunda mudança de modelo econômico, de um baseado em investimentos e
exportação a outro mais dependente do consumo.
Assim, a China deixou claro que
essa mudança diminuiria as taxas de crescimento que, nas três décadas prévias,
haviam sido de dois dígitos, e que passariam a ficar por volta dos 7%.
Entre a vontade intervencionista
e as exigências que planteiam essa mudança de modelo há fortes contradições.
“A China tem uma linha vermelha:
o emprego. Isso é o que diz oficialmente o governo, porque é essencial para a
paz social. Se a situação piorar e afetar os níveis de desemprego, vai a ser
inevitável a tentação de voltar a estimular a economia com um novo plano de
investimento em infraestrutura”, contou Mellahi à BBC Mundo.
A taxa de desemprego chinesa tem
variado pouco nos últimos cinco anos. Em 2014, ela foi de 4,09%, marginalmente
mais alta que os 4,05% de 2013.
Mas o Boletim do Trabalho da
China, editado em Hong Kong e especializado em temas trabalhistas, mostra que
esse índice subestima o número real de desempregados.
“O índice oficial só registra o
número de gente que busca empregos nas relações com o total de empregados
urbanos, ignorando os trabalhadores rurais, os imigrantes e os que tem trabalho
part-time ou temporário”, analisa o informe.
Os perigos ocultos (subprime
chinês)
Um grande enigma na crise
bursátil chinesa é sobre se as ações se usaram como colaterais (garantias) de
seus empréstimos bancários e hipotecários.
Se a soma é muito grande, temos
uma pequena bomba de tempo, que poderia explodir com bancarrotas e um vermelho
nas contas financeiras dos bancos.
Bastam dois dados para ver a
dimensão desse possível buraco.
O plano de estímulo chinês de
2008-2098 quadruplicou o nível de dívida, até chegar a 28 trilhões, cerca de
282 % do PIB.
Segundo a consultora McKinsey,
quase metade dessa dívida está vinculada ao setor imobiliário.
A dívida não se limita aos bancos
chineses, o que afeta as entidades estadunidenses.
Por agora, a crise parece uma das
flutuações bursáteis, tão frequentes no mercado financeiro, mas se essa bomba
de tempo efetivamente existe, e o impacto sobre a economia chinesa e a mundial
será muito mais forte.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Fernanda
Carvalho / Fotos Públicas
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