A pesquisadora Liziane Guazina,
da UnB, analisa a 'guerra semântica' da direita para desconstruir a imagem de
Lula e acabar com seu capital simbólico.
Darío Pignotti - Página/12 / www.cartamaior.com.br
Fascismo politicamente correto. A
garota de 17 anos vestida com uma camiseta verde e amarela contou porque
marchou pela queda de Dilma Rousseff, com a mesma superficialidade que
descreveria os posters da banda pop One Direction que adornam o seu quarto.
“Este é o meu primeiro protesto, claro que quero o impeachment… precisamos de
um país melhor”, disse Fernanda, reproduzindo o jargão das centenas de milhares
de brasileiros que se mobilizaram no dia 16 de agosto, em favor da quebra
institucional, mesmo que seja via intervenção militar, contra a presidenta
eleita há dez meses atrás, com 54 milhões de votos. Quando lhe preguntaram se
ela é de “direita ou esquerda”, não houve dúvidas: “Sou de direita”. Ao ter que
explicar sua opção, vacilou alguns segundos, até pedir auxílio: “mãe, por que
eu sou de direita mesmo?”.
Depois de ver as respostas de
Fernanda, a investigadora Liziane Guazina observou, em entrevista com o
Página/12, que “nestas imagens, há muitos elementos que sintetizam o ambiente
político de hoje no Brasil”.
A direita hegemoniza as ruas
Responsável pelo núcleo de
estudos de Meios e Política da Faculdade de Comunicação da Universidade de
Brasília, Liziane Guazina constata que a esquerda brasileira perdeu sua
influência sobre as ruas, a partir da onda conservadora. “O grande paradoxo do
momento atual é que a direita se tornou forte no espaço público que sempre
havia sido dominado pela esquerda. Na marcha do dia 16 de agosto, assim como
nas de março e abril, todas defendendo a queda de Dilma, vemos uma direita
querendo ser e sendo protagonista. A direita brasileira se apropriou da
necessidade de participação. A crise de representatividade que existe no
Brasil, devido a um sistema político superado, terminou sendo uma bandeira dos
conservadores, que estão liderando o processo político, com a anuência dos grandes
meios, e tudo isso faz com que os métodos autoritários terminem se
legitimando”.
“O outro paradoxo é que essa
maior participação nos pode levar a menos democracia. Um dos princípios
defendidos historicamente pela esquerda era o que dizia que havia que
participar mais para ampliar a democracia, para haver mais pluralidade, para
conquistar mais direitos. Agora, essa maior participação conservadora faz o
contrário. A direita foi às ruas para defender menos liberdade (querem governos
mais duros), menos direitos (pela redução da maioridade penal, contra a
legalização do aborto), mais exclusão (um discurso contra o Bolsa Família e o
programa de saúde Mais Médicos). Se essas manifestações crescem, nos poderiam
levar a situações limite, mas ainda é cedo para afirmar que se esse cenário é
realmente possível”.
Logo após descrever como a frente
destituinte tomou conta das grandes iniciativas políticas do país, Guazina
retornou ao vídeo da jovem Fernanda, a garota de direita que marchou com a mãe
e os grupos de direita, enquanto outros manifestantes faziam selfies junto com
os policiais militares armados que escoltavam amavelmente os participantes.
“Essa garota é a um exemplo
adequado do que vemos nas manifestações atuais, é a personificação da
ignorância política, ela ignora suas raízes históricas, ignora o que é o
sistema político do país. Mas ela não pode ser considerada inocente, porque
está participando da concentração de São Paulo que foi a mais forte do país.
Embora ela ignore o que significa de fato a sua opção política, essa
participação tê consequências. Pensando melhor, eu a definiria como a
personificação da ignorância participativa, não sei se esse caso em si pode ser
considerado uma ameaça à democracia. Teria que estudá-lo melhor para fazer essa
afirmação.”
O capital simbólico de Lula
“A voz rouca das ruas”, “Primeiro
presidente operário” são definições citadas para evocar Luiz Inácio Lula da
Silva, cujos dois governos costumam ser identificados como os da “Bolsa
Família”, ou os do “aumento do valor real dos salários”, da “política externa
altiva” e o do “fortalecimento da Petrobras”.
Após deixar o governo, no dia 31
de dezembro de 2010, com mais de 80% de respaldo, a imagem de Lula voltou a ser
um dos alvos prediletos das empresas de comunicação, através de uma fórmula
conhecida: produzir notícias que o vinculem com os casos de corrupção, mesmo
que não haja indícios, nem menos documentos que comprovem as denúncias. Há
poucas semanas, o fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) passou a responder
os abusos desinformativos da Rede Globo e da revista Veja com processos
judiciais, mas isso não acabou com as calúnias.
Durante os atos do dia 16 de
agosto, um boneco inflável com a imagem de Lula, vestido como presidiário,
surgiu em frente ao Congresso nacional, em Brasília, onde houve cânticos
ofensivos repetidos tanto na capital como em outros grandes centros
brasileiros.
As autoridades do PT denunciaram
uma campanha que busca neutralizar o ex-presidente como provável candidato
presidencial em 2018, projeto cuja viabilização depende e para isso a oposição
o qual será necessário dinamitar o capital simbólico do petista. Ou seja, fazer
com que o “significante” Lula saia do mar de conotações positivas ao redor da
sua figura e se afogue numa cadeia de conceitos negativos, como a corrupção e o
tráfico de influências.
Guazina menciona a “batalha
semântica em torno do símbolo Lula, que ainda tem uma imagem muito boa perante
grande e importante parte da população, que sabe que seu legado é real, porque
o Brasil de hoje não é o mesmo de antes de 2003 (início da primeira gestão do
PT). Esse boneco inflável, e outros elementos usados pelos manifestantes, nos
dizem que há um discurso visando o aniquilamento dessa figura. Para esses
grupos conservadores, não basta ser adversários de Lula, é preciso fazer ele
desaparecer. Essa retórica pode ser vista nos meios de comunicação, nas redes sociais,
onde há várias provocações, ressignificações da imagem de Lula através de
memes: Lula num caixão, ou Dilma num caixão, e outras coisas do gênero”.
“Outra forma de reverter a força
simbólica de Lula é afetando a imagem da Petrobras. Muitos recordarão aquela
foto de Lula em 2006, vestido com o macacão laranja, numa plataforma da empresa
estatal, com os dedos sujos de petróleo. É uma imagem forte. Não sei se essa
simbologia desapareceu totalmente, mas se pode observar que está sendo
desconstruída essa ideia da Petrobras como uma grande empresa, como a potência
de um Brasil que cresce. Agora, nesse novo contexto político, com esse discurso
legitimado pelos meios hegemônicos, vai sendo imposto a ideia de que a
Petrobras está ligada ao crime, é uma empresa que significa corrupção”.
Nesse punto, a doutora Guazina
propõe refletir sobre qual seria a interpretação mais apropriada da liberdade
de expressão.
“Esse é um dos grandes temas que
devemos discutir hoje no Brasil, porque esses grupos conservadores reivindicam
seu direito de ter liberdade de expressão para incitar o ódio, eliminar o
adversário, até para justificar algo contrário à democracia, como a intervenção
militar contra as instituições. Estão planteando uma liberdade sem nenhuma
responsabilidade, que não respeita os direitos humanos nem a convivência
pacífica. Então, devemos nos perguntar se isso realmente é liberdade de
expressão”.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: EBC
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