A luta dos sem terras no Brasil é
uma trágica crônica da morte. Mudaram os tempos, mas o cotidiano dessas
populações não se alterou.
Najar Tubino / www.cartamaior.com.br
Raimundo Rodrigues, de 54 anos,
pai de seis filhos, conselheiro da Comunidade da Rebio de Gurupi, em Bom Jardim
(MA), foi assassinado quando chegava em casa na tarde de terça-feira, dia 25. A
esposa, Maria da Conceição Chaves Lima, também foi atingida e está
hospitalizada em Açailândia. Raimundo já havia denunciado à Sociedade de
Direitos Humanos do Maranhão que vinha sendo ameaçado pelo fazendeiro Jesus da
Costa, que não aceitava a proibição de plantar na área da unidade de
conservação, que é administrada pelo Instituto Chico Mendes. Ele já havia
invadido as casa de 10 famílias que moram na reserva, depois colocou fogo junto
com os pertences dos moradores. A Polícia Federal já prendeu dois suspeitos.
Até julho de 2015, a Comissão
Pastoral da Terra – no Centro de Documentação dom Tomás Balduíno – registrou 23
mortes de agricultores em terra e assentados, na maior parte dos casos,
ocorridas em três estados – Rondônia, Pará e Maranhão. Somente uma morte
aconteceu fora da Amazônia – um indígena Tupinambá, na Bahia.
Paulo Justino morto após
audiência pública
Uma das causas apontada pela CPT
é o acirramento dos conflitos após as obras das usinas de Jirau e Santo
Antônio, em Rondônia, e de Belo Monte, no Pará.
“- O que mais preocupa em
Rondônia é a espiral crescente de morte de sem terras por jagunços, a mando de
latifundiários, com denúncias (reiteradas e não esclarecidas) do envolvimento
de policiais e milícias armadas. Rondônia têm acampamentos à beira da estrada e
conflitos sem solução há décadas”.
Um dos 11 assassinatos em
Rondônia ocorreu no dia 15 de junho, quando era realizado o IV Congresso
Nacional da CPT na capital, Porto Velho. Outras três mortes chamam a atenção:
de Paulo Justino Pereira, conhecido como Carcará – dia 1º de maio – no distrito
de Rio Pardo em Porto Velho – de Odilon Barbosa do Nascimento e Jander Borges
Farias. Estas mortes aconteceram por um conflito criado na Floresta Nacional
Bom Futuro – local onde morreu um policial da Força Nacional em 2014. Paulo
Justino lutava para reassentar as famílias despejadas e, para isso, havia
criado a Associação Vladimir Lênin. Ele foi assassinado na frente da Escola
Municipal do Distrito de Rio Pardo, um dia depois de participar da audiência
pública realizada em Porto Velho pela Comissão Nacional de Combate à Violência
no Campo.
Terra homologada nas mãos do
Gilmar Mendes
No Pará, um dos 11 casos de
mortes registradas pela CPT é de um trabalhador rural submetido ao trabalho
escravo e que foi cobrar o pagamento do patrão. Recebeu um tiro no peito como
pagamento. Enquanto isso, no município de Antônio João (MS) os indígenas
Guarani e Kaiowá retomaram as terras – Nandeu Marangatu -, no dia 20 de agosto,
hoje ocupadas por fazendeiros. Um grupo de 200 indígenas está acampado em oito
fazendas, que originalmente compõem a terra deles. Um processo que se arrasta a
10 anos, desde que o ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal (STF)
concedeu uma liminar aos fazendeiros. A terra já foi homologada, através de um decreto
presidencial, que está suspenso. O governo federal não pagou as indenizações
decorrentes. E agora o processo está nas mãos do ministro Gilmar Mendes,
mato-grossense de Diamantino, conhecido por suas ligações históricas com o
agronegócio.
Um clima de histeria domina
àquela região. A fazendeira Luana Ruis Silva acusou o CIMI de incentivar as
invasões e também atacou a CNBB:
“- Abomino esse braço demoníaco
da Igreja Católica que é a CNBB”, disse ela.
O bispo de Dourado, Dom Redovino
Rizzardo, gaúcho que está há 15 anos numa região onde vivem 35 mil indígenas e
70 mil agricultores, a maioria sulista, responde às acusações:
“- Não quero generalizar, a meu
ver, quem semeia o ódio de classes entre a população sul-mato-grossense não é o
CIMI, mas pessoas que tendo em mãos o poder político e econômico envenenam os
produtores rurais”.
A morte de Zé Maria no Ceará
No Ceará, a justiça estadual, no
final de julho decidiu que os acusados do assassinato do líder comunitário e
ambientalista, José Maria Filho, serão levados a júri popular. Um dos réus é
João Teixeira Júnior, proprietário da Frutacor, uma das maiores exportadoras de
frutas – produzidas no sistema agroquímico – do país. Outros são o gerente José
Aldair Gomes Costa, que fez a ligação com o pistoleiro, e um morador da
comunidade de Tomé, em Limoeiro do Norte, onde ocorreu o crime (em 21 de abril
de 2010), que deu suporte assassino. Zé Maria, como era conhecido, denunciava a
grilagem de terras, a poluição das águas e a pulverização aérea de veneno nas
plantações de melão, manga e caju nas plantações comerciais da Chapada do
Apodi. Foi morto com 20 tiros.
Tanto o pistoleiro, Westilly
Hytler Raulino Maia, como outros dois moradores participantes morreram após o
crime. Dois deles, incluindo o pistoleiro em ações da polícia militar e outro
se suicidou.
A luta dos sem terras no Brasil,
assim como aqueles que pregam ideias novas, contra o uso de agrotóxicos, a
favor da agro ecologia, por uma produção livre de transgênicos, que acima de
tudo usam a terra para viver e produzir de acordo com o ambiente é uma trágica
crônica da morte. Mudaram os tempos, o país vive formalmente uma democracia há
30 anos, mas o cotidiano dessas populações não se alterou. No caso da Amazônia
existe um sindicato do crime organizado, formado por madeireiros e grileiros,
que mata qualquer trabalhador, assentado ou indígena que lutar contra o
agronegócio. O objetivo desse sindicato do crime, muitas vezes associado com
policiais, a mando de autoridades locais, é transformar a Amazônia numa imensa
plantação de soja e criação de boi. A meta deles é dizimar, sem alternativa.
Mesmo os dirigentes políticos do agronegócio, como o senador Blairo Maggi,
pensam da mesma maneira. O governo federal investe quase R$200 bilhões no
agronegócio, basicamente soja, milho e algodão, transformando o país na
referência mundial do uso de venenos e estes poderosos, como comentou o bispo
de Dourados, tramam abertamente contra a democracia.
Joaquim Barbosa em Rondonópolis –
R$100 mil
Eles são contra a reforma agrária
e qualquer outra iniciativa que saia da receita traçada por transnacionais –
transgênicos e venenos. A Amazônia, como é um rincão distante de Brasília,
convive diariamente com esta situação. O movimento das grandes obras, que vai
ainda se acirrar mais com a abertura do rio Tapajós para três novas usinas
hidrelétricas, só potencializa o horror que é esta crônica da morte perpétua.
Ao mesmo tempo, a Polícia Federal, em Bom Jardim, onde Raimundo Rodrigues vivia
e lutava para dar um futuro melhor aos seis filhos e a sua comunidade, cassava
a prefeita Lidiane Leite da Silva, de 25 anos, eleita pelo PRB, por desvios de
dinheiro público na construção de escolas e na merenda escolar, entre outras
coisas.
Lidiane aparecia nas redes
sociais com o figurino de gatinha de academia e dizia que agora poderia gastar
o que quisesse porque “estava sobrando”. Já na capital do agronegócio, em
Rondonópolis (MT), uma figura muito conhecida, o ex-ministro Joaquim Barbosa,
abria a Vitrine Agropec, na 43ª Exposul, onde se reúne a nata do agronegócio
brasileiro. Uma palestra sobre “as instituições do Estado democrático de
direito em tempos de crise” com a presença de 800 pessoas, sendo 250 convites
reservados aos patrocinadores – o site Rdnews, de Rondonópolis publicou que os
promotores não informaram o valor da palestra, mas que nos bastidores a cifra
citada era de R$100 mil. Pior, comentou outro jornalista de Cuiabá, Mário
Marques, em sua coluna no site Página Única é que Joaquim Barbosa não deu
abertura para conversar e os poderosos do agronegócio ficaram muito
contrariados, afinal pagaram tanto – por 40 minutos de palestra- e Barbosa
chegou com uma cara de quem comeu e não gostou e saiu do mesmo jeito.
Créditos da foto: Sebastião
Salgado
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