O sábio é um imprevidente. Vive
apenas o dia de hoje. Não pensa no futuro. Não planeja nada. Não se atormenta
com o que pode acontecer amanhã. Eis um conceito comum a quase todas as escolas
filosóficas: o descaso pelo dia seguinte. Mesmo em situações extremas. Conta-se
que um filósofo da Antiguidade, ao ver o pânico das pessoas com as quais estava
num navio que chacoalhava sob uma tempestade, apontou para um porco impassível.
E disse: “Não é possível que aquele animal seja mais sábio do que todos nós”.
Era possível, sim.
O futuro é fonte de inquietação
permanente para a humanidade. Daí a recomendação reiterada dos filósofos para
que o tiremos da cabeça para nos concentrar apenas no presente. Tememos perder
o emprego. Tememos não ter dinheiro para pagar as contas. Tememos ficar
doentes. Tememos morrer. Tememos ser traídos numa relação amorosa. Tememos
perder os cabelos e ganhar rugas. Tememos, para resumir, o colapso dos nossos
planos. É mais inteligente, portanto, dada a deletéria carga de aflições
associada aos planos, simplesmente não tê-los. O medo do dia de amanhã impede
que se viva o dia de hoje. “A imprevidência é uma das maiores marcas da
sabedoria”, escreveu Epicuro.
Neste ponto a filosofia ocidental
encontra eco em outras tradições. A essência do zen budismo é viver o que se
consagrou como o “aqui, agora”. No zen, martela-se o conceito de que o passado,
como ficou para trás, já não existe. E o futuro, como ainda está por chegar,
também não. Vivamos o presente, então. No cristianismo essa ideia é também
potente. Uma das passagens mais líricas e belas do Novo Testamento afirma que a
cada dia bastam seus problemas. É nessa passagem célebre que Jesus, aos que se
inquietavam com o futuro, cita os lírios do campo, tão calmos em sua beleza
deslumbrante. E afirma que nem Salomão, “em toda a sua magnificência”, se
vestiu como qualquer um deles.
Somos tanto mais serenos quanto
menos pensamos no futuro. Como tantas outras coisas, é mais fácil escrever esta
frase do que praticá-la. Mas um bom ponto de partida para todos nós é refletir
sobre ela. Vivemos sob o império dos planos, quer na vida pessoal, quer na vida
profissional, e isso traz muito mais desassossego que realizações. O mundo
neurótico em que arrastamos nossas pernas trêmulas de receios múltiplos deriva,
em grande parte, do foco obsessivo no futuro. E não estamos falando num futuro
paradisíaco, mas num amanhã cheio de trevas e riscos e perdas. Há um sofrimento
por antecipação cuja única função é tornar a vida mais áspera do que já é.
Epicuro, como já foi dito, saldou
a imprevidência como um gesto essencial de sabedoria. Volto a ele. Epicuro,
numa sentença que o tempo fez antológica, disse que nunca é tarde demais e nem
cedo demais para filosofar. Para refletir sobre a arte de viver bem, ele queria
dizer. Para buscar a tranquilidade da alma, sem a qual mesmo tendo tudo nada
temos a não ser medo, medo e medo. Também nunca é tarde demais e nem cedo
demais para lutar contra a presença descomunal e apavorante do futuro em nossa
vida. O homem sábio cuida do dia de hoje. E basta.
O jornalista Paulo Nogueira é
fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do
Mundo.
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