Ex-presidente do Uruguai manda
recado à juventude: "Temos que superar o individualismo para transformar a
sociedade".
Flávia Villela e Vladirmir
Platonow, da Agência Brasil / www.cartamaior.com.br
Rio de Janeiro – O ex-presidente
do Uruguai e atual senador José Pepe Mujica defendeu ontem (27), no Rio de
Janeiro, o aperfeiçoamento da democracia e repudiou golpes de Estado no
continente. Ele foi aclamado por cerca de 5 mil pessoas, durante palestra na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na noite de hoje (27).
Estimativa do número de presentes é da assessoria da universidade.
Aos 80 anos de idade, o político
uruguaio foi intensamente festejado pela plateia, majoritariamente formada por
jovens, que ouviam entre momentos de completo silêncio ou de palmas
entusiasmadas ao discurso de Mujica, marcadamente contra o materialismo
capitalista e a favor da solidariedade humana. Ao ouvir dos presentes gritos de
"não vai ter golpe", o político uruguaio fez uma acalorada defesa da
democracia.
"Tenho dificuldade para
entender, no momento, o que se passa aqui, porque não me corresponde. Porém, se
tenho que ser claro, aventura com o uniforme dos milicos, por favor! Golpe de
Estado, por favor! Este filme já vimos muitas vezes na América Latina. Esta
democracia não é perfeita, porque nós não somos perfeitos. Mas temos que
defendê-la para melhorá-la, não para sepultá-la", disse Mujica, e, mais
uma vez, ouviu a plateia gritar: "Não vai ter golpe".
Mujica não quis comentar a crise
política no Brasil, mas afirmou que o país "tem força suficiente para
superar as dificuldades". "O problema é que vocês só veem derrotismo
e acham que nada serve. Se teve gente que se equivocou, deve ser punida, mas
vocês têm que seguir em frente."
A palestra, inicialmente
programada para ocorrer no Teatro da Uerj, foi feita no anfiteatro, ao ar
livre, com a colocação de telões em outros espaços do campi, para comportar
todo o público. Mujica ressaltou a importância de os jovens seguirem com a luta
política e defendeu a necessidade de serem solidários uns com os outros.
"Meus queridos, ninguém é
melhor do que ninguém. Tenho que agradecer a sua juventude pelas recordações de
tantos e tantos estudantes que foram caindo pelos caminhos de nossa América
Latina. Vocês têm que seguir levantando a bandeira. Na vida, temos que defender
a liberdade. E ela não se vende, se conquista. Fazendo algo pelos outros. Isto
se chama solidariedade. E sem solidariedade não há civilização", destacou.
"Os estudantes tem que se
dar conta que não é só uma mudança do sistema, é uma mudança de cultura, é uma
cultura civilizatória. E não tem como sonhar com um mundo melhor se não gastar
a vida lutando por ele. Temos que superar o individualismo e criar consciência
coletiva para transformar a sociedade", concluiu Mujica.
Encontro com estudantes
Um dos assuntos abordados pelo
público, que pôde fazer perguntas ao ex-presidente, foi a questão da liberação
do consumo de maconha no Uruguai, com base em lei aprovada no seu governo.
Mujica fez questão de frisar que nenhum vício é bom, "exceto o amor",
e explicou porque decidiu tomar tal atitude em seu país.
Ele defendeu que a
descriminalização das drogas é o melhor combate ao narcotráfico. No Brasil, a
descriminalização do porte de drogas pelo usuário está atualmente em julgamento
no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Se queremos mudar algo, não
podemos fazer do mesmo. No meu país, tomamos uma decisão. Como não podemos
vencer o narcotráfico, pois de cada três presos, um é relacionado às drogas, ou
por tráfico ou por delito que cometeu para conseguir dinheiro para comprar a
droga, decidimos arrebatar o mercado. Isto não é legalização. É
regulação", disse.
Durante seu mandato, de 2010 a
2015, o Uruguai aprovou a descriminalização da maconha, o casamento homoafetivo
e a legalização do aborto.
"Iniciamos essa experiência
no Uruguai e não sabemos no que vai dar, mas o que estava sendo feito não dava
resultados. O narcotráfico é pior do que a droga. O que queremos é regularizar
o consumo, assegurar que o consumidor possa comprar uma dose sem ter que
recorrer ao narcotráfico", disse o senador.
"Nós não cremos que nenhum
vício seja bom, salvo o do amor, todos os demais são ruins. Mas se o vício vai
dominar uma pessoa, temos tempo de atendê-la, porque a temos identificada e
conhecida. Se a deixo no mundo clandestino, ela vai seguir se aprofundando no
vício," acrescentou.
A simplicidade do ex-presidente,
que vive sem luxos, é uma das suas características. Para ele, os políticos
devem viver como a maioria do povo e não como uma minoria privilegiada. "Se
você se acostuma a comer na mesa dos ricos, pensará que é rico. Não há homem
grande, há causa grande", completou Mujica.
A vinda de Mujica ao Brasil foi
patrocinada pela Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da América do
Sul (Federasur), que o homenageou em evento na manhã de hoje na sede da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio, onde discursou para
cerca de 400 pessoas.
Mujica foi presidente do Uruguai
entre 2010 e 2015. Militante do grupo de esquerda Tupamaro, ele foi preso
político por 14 anos.
Créditos da foto: Yasmin Botelho
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