O uso de igrejas como canal de
lavagem de dinheiro não é propriamente uma novidade. Mas, com o presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o depósito de R$ 250 mil numa conta da
Assembleia de Deus, a lavagem de dinheiro alcançou uma igreja tradicional,
fundada no Brasil há mais de cem anos.
“É impossível auditar as doações
dos fiéis. E isso é ideal para quem precisa camuflar o aumento de sua renda,
escapar da tributação e lavar dinheiro do crime organizado”, diz o
desembargador Fausto de Sanctis, aquele da operação Satiagraha, um dos maiores
especialistas brasileiros estudos sobre lavagem de dinheiro.
O desembargador De Sanctis lançou
este ano nos Estados Unidos uma obra sobre o tema: “Churches, Temples, and
Financial Crimes” – A Judicial Perspective
of the Abuse of Faith (Igrejas, Templos e Crimes financeiros – Uma perspectiva
judicial do abuso de fé).
A obra ainda não foi traduzida
para o português, mas trata das investigações policiais realizadas no Brasil,
entre elas a da Universal do Reino de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus e
a Renascer em Cristo, igrejas grandes, mas com menos de 40 anos de história.
O dono de uma grande
incorporadora de Santana, Zona Norte de São Paulo, contou-me que há alguns anos
vendeu uma cobertura para o líder da Igreja Deus É Amor e teve muito trabalho,
não para receber, porque o pastor pagou em dinheiro vivo, mas para passar a
escritura no nome dele.
“Ele não queria de jeito nenhum.
Passaram-se alguns anos até que eu disse: pastor, não dá mais”, contou o empresário.
Só assim a cobertura saiu do nome da incorporadora e foi para o do pastor David
Miranda, falecido recentemente.
O poder das igrejas tem levado a
disputas ferrenhas, no caso daquelas que promovem algum tipo de processo
eleitoral para escolher sua direção.
Um pastor com direito a voto numa
grande igreja evangélica me disse que, quando havia eleição, evitava beber água
no local de votação, com medo de que algum adversário tivesse colocado
sonífero.
Na igreja de Eduardo Cunha, este
problema não existe mais. Manuel Ferreira, líder nacional da Assembleia de Deus
– Ministério Madureira, mudou o estatuto há alguns anos e transformou a
presidência num cargo vitalício.
Assim, ele e os filhos — Abner,
que comanda a igreja no Rio de Janeiro, e Samuel Ferreira, o chefe em São Paulo
–, só deixarão o posto depois de mortos e serão sucedidos pelos filhos.
A vitaliciedade e hereditariedade
não impedem que os Ferreira participem ativamente da atividade democrática
externa. Um missionário da igreja, Samuel Aragão, gravou um vídeo em que diz
que o apoio nas eleições é em troca de cargos no governo e de outras vantagens.
Em 2012, na eleição para
vereador, Samuel Ferreira dividiu São Paulo em regiões e as entregou a
candidatos de vários partidos, nem todos evangélicos. Em 2014, a igreja fez
campanha para alguns deputados federais. No Rio de Janeiro, um deles era
Eduardo Cunha.
Samuel Ferreira se apresenta com
roupas de grifes e, em seus deslocamentos pelo Brasil, utiliza avião
particular, nada de voos comerciais. Há 10 anos, Ferreira era o responsável
pela igreja em Campinas.
Ganhou poder, ao ser escolhido
para governar a igreja no Estado, e perdeu peso, com uma redução no estômago
que eliminou metade dos seus quase 150 quilos. Em Campinas, quem manda agora é
o filho, nomeado pastor, apesar de bastante jovem.
Com mais de cem anos de história,
a Assembleia de Deus comandada pela família Ferreira é uma dissidência da
Assembleia de Deus original, chamada Missão.
Nesta Assembleia de Deus, existe
eleição, mas desde 1988 ninguém bate o pastor José Wellington. Dois filhos de
José Wellington estão na política. A filha é deputada estadual em São Paulo e o
filho, deputado federal.
“O que as lideranças das igrejas
querem é o poder, e nenhuma aliança na Assembleia de Deus é feita de graça”,
contou-me ex-deputado federal eleito muitas vezes com o apoio das igrejas
evangélicas.
A promiscuidade das igrejas com o
poder não é exclusiva do universo evangélico. Nessa história, se feito um exame
de DNA, a paternidade será encontrada na Igreja Católica – até porque é muito
mais antiga –, citada no livro do desembargador Fausto de Sanctis sobre lavagem
de dinheiro por causa do escândalo do banco do Vaticano.
O papa Francisco fez lá uma limpa
recentemente. Mas essa limpeza vai durar até quando? Num ambiente religioso, a fé pode não mover
montanhas, mas é usada para comprar todo tipo de riquezas.
Serve também para vender o voto
do eleitor, e agora, como indica o depósito da propina na conta da Assembleia
de Deus, negociar o poder de lavar mais branco.
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