Geopoliticamente, o Pentágono
afinal viu para que lado estão soprando os ventos da parceria global
estratégica: a favor de Rússia-China.
Pepe Escobar - Sputnik News / www.cartamaior.com.br
Não passa uma semana sem que o
Pentágono ponha-se a se lamuriar contra alguma terrível "ameaça"
russa.
O comandante do Estado-maior das
Forças Conjuntas dos EUA, Martin Dempsey, entrou em território de "não
sabidos", que pertence por direito Donald Rumsfeld, quando, recentemente,
tentou conceituar a "ameaça": “Ameaças são a combinação, ou o
agregado, de capacidades e intenções. Deixemos de lado por enquanto as
intenções, porque não sei o que a Rússia intenta.”
Bom. Dempsey pelo menos admite
que não sabe do que fala. Saiba ou não saiba, parece saber que a Rússia é mesmo
uma "ameaça" – no espaço, no ciberespaço, nos mísseis cruzadores
disparados em terra, submarinos.
E é principalmente ameaça à OTAN:
"Uma das coisas que a Rússia parece, sim, que faz, é desacreditar a OTAN,
ou, ainda mais sinistramente, criar condições para o fracasso da OTAN.”
Quer dizer que a Rússia
"parece, sim, que faz" desacreditar uma OTAN já autodesacreditada.
Terrível "ameaça".
Todos esses jogos retóricos
acontecem enquanto a OTAN “parece, sim, que faz” aprontar-se para confrontar
diretamente a Rússia. E que ninguém se engane: Moscou toma a beligerância da
OTAN, sim, como ameaça real.
É PGS vs. S-500
A avançada
contra-"ameaça" acontece bem quando a Think-tankelândia dos EUA está
recarregando a ideia de conter a Rússia. O conhecido centro Stratfor, fachada
da CIA, já lançou peça de propaganda elogiando o cérebro-em-chefe da Guerra
Fria George Kennan como autor da "política de contenção da Rússia".
O aparelho da inteligência dos
EUA pensava que estivesse falando sério. Não ironizava. Mas antes de morrer
Kennan disse que, àquela altura, já era preciso conter os EUA, não a Rússia
[The Choice: Global Domination or Global Leadership, Basic Books, março, 2004
(NTs)].
Conter a Rússia – mediante a
expansão da União Europeia e OTAN – é serviço que nunca deixou de ser tentado,
verdadeiro work in progress, porque o imperativo geopolítico nunca mudou; como
o Dr. Zbigniew “O Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski nunca se cansou
de repetir, tudo sempre teve a ver com deter a – ameaçadora – emergência de uma
potência eurasiana capaz de desafiar os EUA.
Até que a noção de
"contensão" foi expandida para incluir o desmantelamento da própria
Rússia. E também inclui o paradoxo interno de que a expansão infinita da OTAN
na direção leste torna a Europa menos, não mais, segura.
Assumindo-se que venha a
acontecer uma confrontação letal Rússia-OTAN, as armas táticas nucleares russas
derrubarão todos os aeroportos da OTAN em menos de 20 minutos. Dempsey – em
declarações cifradas – admite.
O que de modo nenhum ele pode
admitir é que, se Washington já não tivesse há muito tempo tomado a decisão
fatal, o movimento organizado entre os russos, de impedir o avanço infinito da
OTAN e de atualizar o arsenal nuclear, não teria sido necessário.
Geopoliticamente, o Pentágono
afinal viu para que lado estão soprando os ventos da parceria global
estratégica: a favor de Rússia-China. Essa mudança crucialmente decisiva, que
altera o equilíbrio global de poder, também significa que as forças militares
conjuntas de China e Rússia são superiores às da OTAN.
Em termos de poder militar, a
Rússia tem mísseis de ataque e defesa superiores aos dos EUA, com a nova
geração do sistema de mísseis terra-ar, o S-500, capaz de interceptar alvos
supersônicos e que blinda completamente o espaço aéreo russo.
Além disso, apesar da turbulência
financeira de curto prazo, a estratégica conjunta sino-russa para a Eurásia –
uma interpenetração da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda com a União Econômica
Eurasiana, UEE [Eurasian Economic Union, EEU] – com certeza favorece o
desenvolvimento das duas economias e da região em geral, em termos que podem
superar o crescimento somado de EUA e UE à altura de 2030.
À OTAN só resta encenar poderio
militar montado para shows de TV como “Atlantic Resolve” para
"tranquilizar a região" – principalmente os histéricos Polônia e
países do Bálticos.
Moscou, entrementes, já deixou
claro que nações que admitam em seu território os sistemas norte-americanos de
mísseis antibalísticos terão de enfrentar os sistemas de mísseis de alerta
precoce instalados em Kaliningrad.
E o major-general Kirill Makarov,
vice-comandante das Forças de Defesa Aeroespaciais da Rússia, também já deixou claro
que Moscou está atualizando suas capacidades aéreas e de mísseis de defesa,
para pulverizar toda e qualquer ameaça –
real – que o país receba do Prompt Global Strike (PGS) dos EUA.
Na doutrina militar russa de
dezembro de 2014, o crescimento militar da OTAN e o PGS dos EUA aparecem listados como
principais ameaças de segurança. O vice-ministro da Defesa, Yuri Borisov,
destacou que "a Rússia tem as capacidades necessárias, e será obrigada a
desenvolver sistema como o PGS.”
Onde está nosso butim?
Os jogos retóricos do Pentágono
servem também para mascarar um processo de apostas realmente muito altas.
Essencialmente, trata-se de guerra por energia – centrada na disputa pelo
controle do petróleo, gás natural e recursos minerais da Rússia e da Ásia
Central.[1] Quem controlará essa riqueza? Os testa-de-ferro dos oligarcas
"supervisionados" pelos chefes em New York e Londres? Ou a Rússia e
seus parceiros na Ásia Central? Daí a incansável guerra de propaganda.
Há quem argumente que os Masters
of the Universe promoveram a ressurreição dos velhos álibis geopolíticos da
contensão/ameaças – estimulados pelo que se pode chamar de conexão
Brzezinski/Stratfor –, para encobrir, ou esconder, outro fato impressionante.
Eis o fato: a verdadeira razão da
Guerra Fria 2.0 é que o poder financeiro New York/Londres sofreu perda de mais
de um trilhão de dólares, quando o presidente Putin arrancou a Rússia daqueles
esquemas de saqueio.
E o mesmo se aplica a todo o
golpe em Kiev – forçado pelas mesmas forças financeiras de New York/Londres,
para impedir que Putin destruísse suas operações de saqueio na Ucrânia (as
quais, por falar delas, prosseguem inalteradas, pelo menos no domínio das
terras agricultáveis).
Contensão/ameaças também estão
sendo usadas freneticamente para impedir a qualquer custo que se constitua uma
parceria estratégica entre Rússia e Alemanha – que a conexão
Brzezinski/Stratfor vê como ameaça existencial aos EUA.
O sonho molhado dessa conexão –
que, vale lembrar, os neoconservadores também sonham – seria um retorno
glorioso à época em que a Rússia foi saqueada livremente, nos anos 1990s,
quando o complexo industrial militar russo colapsou, e o ocidente assaltava
recursos naturais naquela região, como se fossem donos do mundo. Não vai
acontecer outra vez.
Assim sendo, qual o Plano B do
Pentágono? Criar condições para fazer da Europa cenário de guerra
potencialmente nuclear. Não há ameaça mais real que essa.
Créditos da foto: Flickr/ Michael
Baird
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