Hoje, na coluna Painel, da Folha, de
novo Sérgio Moro se compara a Giovani Falcone, um dos juízes da Operação Mãos
Limpas.
No debate com empresários do Lide (Grupo
de Líderes Empresariais), nesta quinta, o juiz Sergio Moro foi questionado por
João Doria Jr, que dirige o grupo:
–Com tantas pressões, o senhor está
preparado para resistir até o fim das investigações da Lava Jato?
–Quando estou em um momento de grande
dificuldade, lembro do juiz Giovanni Falcone.
O juiz italiano que conduziu os
processos contra a máfia acabou sendo assassinado em 1992.
–O buraco em que ele se encontrava era
muito mais fundo do que o meu. Então, sigo em frente –concluiu Moro, para
aplausos dos convidados.
É a enésima vez, e já há muitos anos
segue ele neste caminho, que Moro se
encarna nos juízes italianos que provocaram um terremoto naquele país, do qual
emergiu, como produto da “moralidade”, a figura triunfal de Sílvio Berlusconi,
seu autoritarismo, suas orgias e seu poder “afacistado”.
Deixo de lado a óbvia prudência que
mandaria um juiz equilibrado, nas circunstâncias em que está Moro, de abster-se
de um convescote numa platéia de grandes empresários – onde talvez estivessem
os que ele prendeu em Curitiba, não o tivesse feito – regidos por um candidato
declarado e lançado à prefeitura da maior cidade brasileira. Moro se atrai
pelas luzes feéricas, alimento essencial para os que sofrem desta “mania
heroica” que acomete o juiz do Paraná.
Porque o desejo de ser admirado como um
ser único, especial, uma rara emanação divina faz isso com as pessoas. É ruim
para qualquer ambiente. É tentador quando se é juiz. É perigosíssimo quando se
é um juiz em casos de notórios e imensos interesses políticos e econômicos que
dependem de suas decisões.
Desde o início desta operação – e a
presença “casual” de um réu e delator sob seu poder há quase duas décadas,
Alberto Youssef, faz com que se tenha o direito de situar este início em marco
muito, muito distante – Moro age de forma a ser o único a controlar as
investigações, as informações e os destinos dos acusados (ou daqueles que,
claro, adiante conseguirá acusar).
A tal ponto que o mais feroz rottweiller
da matilha conservadora, Reinaldo Azevedo, o repreende: “Mais de uma vez, vimos
o juiz Sergio Moro parar um depoimento para que a pessoa ouvida não citasse um
político com mandato, o que o obrigaria a mandar o caso para o STF. Para manter
a investigação sob sua jurisdição, orientava o depoente a não citar nomes de
políticos.”
Como não hesitou em praticar todo o tipo
de exagero, para colher do simbolismo de sua dureza o reconhecimento geral de
que era “um juiz diferente”, não destes que são prudentes e interpretam a lei
com cautela para que de sua própria interpretação não lhe venham violações e
injustiças eventuais. E não apenas o prazer, mas o alimento essencial do herói:
a vaidade.
Não resisto a transcrever o texto –
certamente não escrito pensando em seu caso – de Inês Bastos, voltado para
questões psicanalíticas:
O herói extrai alegria da tristeza do
outro, ele se sente bem se provar que o outro é mau. O herói, deste modo, peca
por excesso, sente-se o único responsável pelo que está ocorrendo à sua volta
e, por isso, assume mais do que pode cumprir. Ele se insurge contra a realidade
e vai além do que lhe é possível. Se na postura de vítima nos negamos, na
postura de herói nós negamos o outro, sentimo-nos o único sujeito da relação
humana e consideramos as outras pessoas como objetos.
O herói se coloca em nível superior ao
das outras pessoas, escondendo um profundo sentimento de inferioridade. É o
todo poderoso, o que sabe tudo, o que sempre tem razão, o imbatível, o melhor.
É aquele que perdeu a simplicidade de estar no mundo, é o que não sabe e não
sabe que não sabe; daí, a sua dificuldade em aprender. Supõe saber tudo e perde
com isso a capacidade de perguntar, a capacidade espontânea de fazer perguntas,
de perguntar o que não sabe.
Em contrapartida, seu comportamento é
sempre o de ensinar, de julgar, de analisar e de orientar os outros. É o dono
da verdade. Por isso, nunca diz: “Eu não sei”. Nunca pede ajuda. Ele se julga
como padrão dos outros e se relaciona com o mundo através de uma avassaladora
programação de dogmas, de verdades feitas, porque as pessoas serão boas,
honestas, verdadeiras, inteligentes, [somente] se coincidirem com o seu modo de
pensar, de sentir e de agir.
O Dr. Moro está diante de um dilema.
Ouviu-se, de maneira muito clara, a voz
do Supremo Tribunal Federal, por maioria muito ampla e, certamente, ciente o
que seu pronunciamento representou e representa, inclusive da repercussão em
frustrações e gemidos da República do Paraná.
Pode reavaliar se quer participar, como
um dos protagonistas, de um processo de estabelecimento de novas situações de
moralidade pública de que o Brasil precisa, mas dentro de um quadro de
normalidade, sem qual a moral é uma
fúria insana.
Ou pode ceder à fúria da vaidade
ofendida, da divindade falha, da obsessão frustrada, do herói contestado Do
homem que perde uma guerra por não aceitar a derrota em uma batalha na qual se
portou de forma insana.
Se o Dr. Moro soubesse olhar, veria que,
na história judicial brasileira, há um recentíssimo exemplo do esquecimento que
se reserva aos que aspiraram ser heróis assim.
Joaquim Barbosa, reduzido a jurista de
Twitter, tão apagado agora quanto brilhante quando tinha serventia aos deuses.
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