A vencedora foi a Troika. Ao
longo dos últimos 5 anos, seus projetos de lei foram aprovados no Parlamento
com dificuldade. Agora, será fácil.
Yanis Varoufakis, para o Sin
Permiso – www.cartamaior.com.br
Alexis Tsipras conseguiu uma
vitória importante depois da humilhante rendição perante a Troika,
representante dos agiotas contra a Grécia, em julho. Desafiando os partidos da
oposição, as pesquisas de opinião e os críticos presentes em seu próprio partido
(entre eles, o que vos escreve), ele se prendeu a um governo com uma maioria
reduzida, embora administrável. A pergunta agora é se poderá combinar a tarefa
de exercer a liderança do governo e a administração do poder.
Os maiores perdedores foram os
partidos menores que ocupam os extremos do debate posterior ao referendo. A
Unidade Popular fracassou de forma incrível na hora de explorar a aflição que
grande parte dos eleitores do “NÃO” sentiu depois da guinada radical que
Tsipras deu em favor de um acordo que cortava ainda mais gastos e atacava a
soberania nacional, incrementando os já absurdos níveis de austeridade. Potami,
o partido que se apresenta como a nova cara em favor do reformismo defendido
pela Troika, tampouco conseguiu reunir o universo mais reduzido, que votou pelo
“SIM”. Com um vitorioso Tsipras agora firme no timão, e com o programa da
Troika como bússola, os novos partidos de direita não tinham nada o que
oferecer.
A grande vencedora foi a própria
Troika. Ao longo dos últimos cinco anos, os projetos de lei assinados pela
Troika foram aprovados no Parlamento com maiorias absolutamente exíguas, o que
levou a algumas dores de cabeça entre os que patrocinaram essas medidas. Agora,
os projetos necessários para se estabelecer o terceiro resgate passarão pelo
Parlamento com maiorias cômodas, já que o Syriza está comprometido com eles.
Quase todos os deputados da oposição (com exceção dos comunistas do KKE e dos
neonazistas do Amanhecer Dourado) estão de acordo com o pacote.
Claro que, para chegar a esse
ponto, a democracia grega teve sofrer uma ferida profunda: somente 1,6 milhão
dos que votaram no referendo de julho voltaram às urnas no domingo passado.
Isso representa uma grande perda para os burocratas de Bruxelas, de Frankfurt e
de Washington, para os que tratam a democracia como algo, em muitos casos,
inconveniente.
Tsipras deverá colocar em prática
uma política de consolidação fiscal e um programa de reformas que estava
destinado a fracassar. As pequenas empresas sem liquidez, sem acesso aos
mercados de capital, terão agora que pagar antecipadamente os impostos do ano
que vem, baseados numa projeção dos seus benefícios em 2016. Os lares terão que
pagar escandalosos impostos sobre a propriedade dos apartamentos que não podem
ocupar, ou de lojas que não podem vender. O aumento da taxa do imposto sobre
produtos e serviços fará com que aumentem as tentativas de fraudar sua
cobrança. Semana sim, semana não, a Troika exigirá medidas políticas mais
recessivas e antissociais: cortes nas aposentadorias, redução no investimento
as áreas sociais, maior rigor nas cobranças de dívidas hipotecárias.
O plano do primeiro-ministro para
enfrentar o temporal econômico que lhe espera se fundamenta em três
compromissos. O primeiro é o acordo com a Troika, um assunto que precisa ser
resolvido, e que dá lugar a novas negociações, de outros importantes detalhes.
Em segundo lugar, a redução da dívida, que acontecerá em breve. O terceiro
ponto é que terá que enfrentar os interesses dos oligarcas gregos. Os eleitores
apoiaram Tsipras porque ele soube se mostrar como o candidato com mais
possibilidades de realizar essas promessas. O problema é que sua capacidade de
realizá-las se vê gravemente cerceada pelo acordo que já foi assinado.
Sua capacidade de negociação é
irrisória, já que existe uma clara condição estabelecida, de que “o governo
grego deve entrar em acordo com a Troika para tomar qualquer ação relativa as
metas que deve alcançar segundo o estabelecido no memorando de entendimento” –
notem que não há nenhuma necessidade de compromisso por parte da Troika para
com o governo grego.
A redução da dívida chegará, mas
não será uma medida terapêutica. O alívio da dívida é algo importante, porque
deveria resultar em menos austeridade – menos objetivos de superavit primário –
para aumentar a demanda e agitar os instintos animais dos investidores. Mas já
existe um acordo sobre um pacote ainda mais severo de austeridade – absurdos
superavits primários de 3,5% do PIB, a partir de 2018 – que desencoraja
qualquer investidor sensato.
A terceira promessa é o segredo
da vitória de Tsipras. Mesmo aceitando um novo empréstimo que limita a
capacidade do governo de reduzir a austeridade, com a desculpa de faz isso em
defesa dos mais necessitados, a razão de ser que sobrevive de uma administração
de esquerda é a de enfrentar os interesses dos grandes poderes econômicos que
atacam os direitos sociais. A Troika é, e sempre foi, a melhor amiga dos
oligarcas, e vice-versa. Durante os primeiros seis meses de 2015, quando nossa
ideia era denunciar o monopólio da Troika sobre a política grega, ditando as
medidas a serem tomadas, seus maiores partidários no país foram os meios de
comunicação, que estão nas mãos dos oligarcas e de seus agentes políticos. As
mesmas pessoas e os mesmos interesses que agora se aderiram ao projeto de
Tsipras. Ele poderiam se voltar contra esses? Creio que ele até gostaria de ter
essa possibilidade, mas a Troika já desmontou suas principais armas –
obrigando-o, por exemplo, a dissolver a unidade de delitos econômicos.
Em 2014, o primeiro-ministro
conservador Antonis Samaras se encontrou num beco parecido, tendo que aplicar
um programa imposto pela Troika e destinado ao fracasso. Preferiu a mesma
saída: lealdade para com a Troika, enquanto montava uma estratégia política
para evitar que o Syriza ganhasse as eleições, apesar do desgaste das suas
medidas.
Tsipras terá o mesmo resultado
quando tiver que insistir no compromisso com outro programa equivocado da
Troika? As perspectivas não são boas, mas não deveríamos descartar nenhuma
possibilidade. Sua sorte depende de que o seu novo governo siga vinculado às
vítimas do seu acordo com a Troika, que aplique reformas de verdade para dar
certa confiança às empresas de boa vontade, para que invistam e utilizem o
aprofundamento crise para exigir concessões reais por parte de Bruxelas. Seria
uma façanha, porém pouco provável, enquanto a agenda conservadora continuar
fazendo a diferença.
Falando em diferenças, os
conservadores fizeram tudo o que foi possível para projetar uma imagem mais
suave durante a campanha. Mas a crise dos refugiados obrigou a misantropia
desse setor a sair do armário. O contraste entreo recebimento dado a milhares
de pessoas em semanas recentes e dada nos campos construídos pelo governo de
Samaras explica porque os progressistas decepcionados se decidiram votar
novamente no Syriza.
Em raros momentos de inexplicável
otimismo, gostaria de imaginar que a gentileza aos imigrantes em apuros pode
ser um presságio de uma renovada campanha do governo grego contra a distópica
visão da Europa através dos olhos da Troika.
Yanis Varoufakis, ex-ministro da
Fazenda do governo grego, durante a primeira gestão do Syriza, é um economista
greco-australiano de reputação científica reconhecida internacionalmente.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Steven E.
Purcell / Brookings Institution
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12