A austeridade ao fim e ao cabo serve, no seu
conjunto, somente para dar mais gás ao mercado financeiro, aos banqueiros, aos
rentistas e aos especuladores.
José Carlos Peliano* // www.cartamaior.com.br
A vida nos ensina que não há resposta pronta para
tudo. E mesmo que haja, cada caso é diferente do outro, seja pelo tempo
transcorrido, pelo espaço onde se deu o caso, seja pela presença distinta de
pessoas. Ainda que as pessoas sejam as mesmas, mas a cada dia a gente se vê,
percebe ou sente algo diferente de tempos passados em nós mesmos.
Pois bem. Não há, portanto, o mesmo remédio para
doenças aparentemente semelhantes ou, mesmo que sejam, os pacientes podem estar
em situações de saúde diversas uns dos outros. A prescrição pode indicar à
primeira vista o mesmo tratamento e remédios, mas o quadro geral, o exame
clínico e mesmo a reação do paciente podem apontar soluções heterogêneas.
Saindo da saúde física para a econômica, a visão
geral, nesse caso, é a mesma. A teoria econômica trata das relações entre os
agregados, nos microssistemas ou macro-sistemas, lhes atribuindo comportamentos
e reações observáveis e factuais.
Esse quadro geral é verdade desde que os cenários
reais onde essas relações se deem se comportem e ajam da mesma maneira. É o
modelo que tem que se adaptar à realidade e não a realidade ao modelo.
Caso contrário, não necessariamente é a teoria que
não se aplica, mas sua aplicação pelos responsáveis pela política econômica é
que deu água. Não foi analisada direito a situação, tampouco prescritos os
remédios e tratamentos econômicos adequados.
Como os erros dos economistas nesses casos são
verificados mais tarde pelo funcionamento da economia, até lá eles têm tempo
para jogar muitas vezes a culpa noutros fatores fora daqueles atribuídos às
suas próprias análises e prescrições.
Tomando o programa de austeridade levado a termo na
economia brasileira nos dez primeiros meses pelo ministro da Fazenda,
verifica-se uma fragrante incompatibilidade entre o que ele e sua equipe
conceberam e os resultados concretos verificados até agora.
Os preceitos teóricos aplicados por ele e sua
equipe e gente do FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e todo o resto
de assessores, colaboradores, etc. e tal, são os mesmos. Os quadros analíticos
deles são, sem tirar nem por, de fundamento único, monetarista.
Em situações, como a do Brasil, nas quais a demanda
está pressionando os preços, juntamente com uma oferta reduzida, os
investimentos contidos, o comércio externo entrando no vermelho, a receita
fiscal reduzindo e o superávit primário aumentando, o diagnóstico deles é
simples: economia asfixiada por consumo exagerado e preços altos. Nesse consumo
entenda-se famílias e governo.
Solução invariável em todos os cantos do mundo:
conter e cortar gastos públicos, incluindo ações e atividades; elevar juros
referenciais e congelar salários, até mesmo demitir e adiar contratações. Em
poucas palavras: dar um tranco nas atividades econômicas.
Essa receita purgativa, que muitos de nós já
conhecem, torna as expectativas dos empresários de duvidosas para negativas; se
antes não investiam porque não sabiam em que a política econômica iria apostar
e apontar, agora entendem que a contenção e corte de gastos vai reduzir os
espaços para novos projetos ou a continuação de antigos promissores.
A ponto de manietarem os empresários que quiserem,
ainda assim, se atrever na expansão ou modernização das instalações produtivas
e os consumidores atrás de novas aquisições, manutenções ou reparos. Mesmo que
seja para sair na frente na crise e aguardar o retorno após. A elevação da taxa
referencial de juros, que torna o dinheiro mais caro, restringe essas
iniciativas.
A falta de perspectiva da economia diante da
contenção e corte de gastos, investimentos e consumo torna o país num
desfavorável atrativo para investimentos externos. A queda na entrada de moedas
estrangeiras por conta disso eleva seus valores e derruba o real. A taxa de
câmbio sobe e fica por lá.
Recebe a equipe econômica a ajuda da oposição na
confirmação do estancamento da economia. A balbúrdia política que vêm fazendo
para detonar a presidente com um impedimento encomendado fornece combustível e
faísca para abalar a confiabilidade nas instituições brasileiras. Daí dispara
ainda mais a taxa de câmbio.
A impropriedade dessas medidas se baseia no
princípio, seguido pela equipe econômica, de que tudo se resume no
desequilíbrio da quantidade de moedas. Ou seja, moeda em demasia em circulação
favorece a demanda, aumentando o consumo e elevando os preços dos produtos –
demanda maior que oferta.
Assim, a alternativa deles é tornar mais cara a
moeda (o real) pelo aumento de juros e reduzir o consumo, não só pelos juros,
mas também pelo corte de gastos públicos (consumo e investimento). A ideia
deles é baixar a inflação e tornar o ambiente mais favorável aos investimentos
e, após isso, o consumo.
Mas em assim fazendo, eles destroem postos de
trabalho e provocam desemprego. Embora esse resultado atenda à redução da
demanda pretendida, o custo social se eleva abusivamente, sem falar nos
estragos da saúde física e mental dos trabalhadores e famílias.
Sem necessidade teórica e prática. Senão veja-se.
Uma alternativa seria substituir a redução da dívida pública, através da venda
de títulos no mercado, pela velha e conhecida emissão de moedas. Ao invés de
controlar a demanda via taxa de juros, o governo poderia fazer o mesmo com o
uso dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central e restrições
monitoradas do crédito em geral.
Dessa forma, as expectativas dos empresários
começariam a se tornar positivas, não haveria destruição de postos de trabalho,
a demanda permaneceria a mesma ou pouco reduzida, mas com a perspectiva de
novos projetos de investimentos e ampliações da capacidade produtiva existente,
o que absorveria eventuais pressões de demanda.
Não haveria recuo da entrada de divisas para
investimentos, tampouco os importadores não seriam sacrificados pela elevação
da taxa de câmbio. Os exportadores continuariam do mesmo jeito de antes com
suas pautas atendidas.
A falsidade do programa de austeridade reside no
fato de que ele não é imparcial. Teoricamente até pode ser uma vez que se
admite na análise que tudo o mais está invariável, incluindo a distribuição de
renda. Ou seja, os consumidores tem níveis semelhantes de consumo e renda.
Assim, desde essa perspectiva, as variações nas
agregações de consumo, investimento, poupança e nível geral de preços são as
que importam para o estudo e a avaliação do quadro, da prescrição e dos
remédios econômicos.
Mas não é assim na vida real. A desigualdade de
renda no Brasil é marcadamente desigual, embora em descenso há uns 10 anos.
Poucos abocanham mais da metade de toda a renda gerada. Logo a austeridade
tende a desconstruir a situação econômica pré-existente. provocando aumento no
grau de desigualdade, tornando a distribuição de renda ainda mais achatada na
base.
A austeridade ao fim e ao cabo serve, no seu
conjunto, somente para dar mais gás ao mercado financeiro, aos banqueiros, aos
rentistas e aos especuladores. Esses não são afetados pela crise. O discurso de
que todos devem pagar ou pagam com a retração econômica, até mesmo a recessão,
é falsidade.
*colaborador da Carta Maior
Créditos da foto: José Cruz/Agência Brasil
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