Vale a pena recordar que, até a crise financeira de
2008, a xenofobia e os partidos de direita radical eram entidades marginais em
quase toda a Europa.
Roberto Savio* // www.cartamaior.com.br
As recentes eleições na Suíça e na Polônia são bons
indicadores do que vai ocorrer em outros países da Europa devido à crescente e
imparável onda de refugiados. Vamos situar os acontecimentos num contexto mais
vasto, mas primeiro é necessário fazer algumas considerações cruciais, sobre as
quais existe um consenso cada vez maior.
A primeira é que o sistema atual de relações
internacionais e governança nacional deixou de funcionar. Estamos vivendo um
período de transição, mas ninguém sabe aonde ele vai dar. A esquerda não tem um
manifesto e a direita apenas cavalga no status quo. Não há um pensamento
político a longo prazo.
A segunda é que se vive numa época de “nova
economia”, baseada na supremacia das finanças sobre a produção. Funcionários
não eleitos governando os bancos centrais e os banqueiros, que com isso têm
muito mais poder que antes.
Essa “nova economia” considera os empregos
precários uma realidade legítima, a desigualdade social natural, o mercado como
a base exclusiva para o desenvolvimento da sociedade, e estima que o Estado é
ineficiente e um freio permanente para o setor privado.
A terceira é que as instituições políticas vêm
sendo ofuscadas. Nenhum partido conta mais com um movimento juvenil. São vistos
cada vez mais como parte do sistema de poder, forças fisiológicas que
consideram os cidadãos como mero eleitorado, e não mais porta-vozes da
cidadania.
As cifras da política (e da corrupção) estão
crescendo ano após ano. As próximas eleições norte-americanas custarão mais de
4 bilhões de dólares e até agora apenas 145 doadores já pagaram mais de 50% da
campanha eleitoral.
Segundo a Escola de Economia de Londres, o custo de
uma campanha eleitoral na Europa aumentou 47% na última década. Em outras
palavras, muitos consideram que vivemos agora numa democracia que está se
tornando uma plutocracia. A Hungria está defendendo abertamente uma democracia
autocrática, ao estilo de Cingapura e da China, e está tendo sucesso com essa
proposta.
A quarta consideração é que o multilateralismo está
em crise. Os Estados Unidos deixaram de ratificar todos os tratados
internacionais, começando pela Convenção Internacional sobre os Direitos das
Crianças e pelo Direito Marítimo. As Nações Unidas foram marginalizadas. As
organizações regionais, como a União Africana, ou a Organização dos Estados
Americanos, se tornaram notoriamente ineficazes.
A União Europeia está saindo de uma crise
existencial do euro (a questão da Grécia) para entrar em uma ainda mais grave,
a dos refugiados. O Reino Unido está liderando uma ofensiva contra Bruxelas
para a restituição de poderes, o que criará um precedente que outros invocarão,
começando por Hungria e Polônia.
Se essas considerações, entre muitas outras, forem
consideradas válidas, então não é difícil entender porque os eleitores europeus
estão votando com base na nostalgia política e na falta de segurança. Devido a
um futuro incerto, o sonho de voltar a um melhor passado se fortalece.
As eleições suíças e polonesas premiaram os
partidos que anunciaram que defenderão a identidade nacional contra os
estrangeiros, especialmente os muçulmanos. As tradições religiosas nacionais
contra os valores europeus de liberdade sexual, o casamento homossexual, o
aborto livre e os estilos de vida decadentes.
O caso da Polônia é emblemático. O país tem sido um
dos maiores beneficiados pela ajuda da União Europeia – o leste europeu quis
ingressar ao bloco para conseguir fundos e apoio, mas sem nenhuma intenção de
dar algo em troca, como vemos na negativa de aceitar os imigrantes agora.
Vale a pena recordar que, até a crise financeira de
2008, a xenofobia e os partidos de direita radical eram entidades marginais em
quase toda a Europa.
Em pouco tempo, os outrora marginais ganharam
espaço, inclusive em países conhecidos por seu sentido cívico e tolerância,
como a Holanda e os países nórdicos.
É desconcertante ver trabalhadores e pessoas de
baixa renda votarem pela Frente Nacional na França, pelo Cinquestelle na
Itália, pelo UKIP no Reino Unido, e agora pelo Paz e Justiça na Polônia.
O sonho de voltar a um passado seguro e ordenado é
o que os leva a votar num partido xenófobo, de direita radical e antieuropeu.
Não que queiram votar por um futuro incerto: para
eles é mais tranquilizador votar por uma época durante a qual a política era
nacional, não havia uma burocracia sem rosto em Bruxelas indicando como
empacotar tomates, não havia o euro – uma moeda supranacional, manobrada em
Frankfurt por banqueiros poderosos do BCE –, não havia uma Alemanha hegemônica
ditando instruções aos outros países.
Também vale a pena recordar que grande parte dos
cidadãos europeus ainda não recuperaram a qualidade de vida que tinham antes de
2007. Os jovens pagam um custo desproporcional por uma crise provocada pelo
setor financeiro, que foi resgatado com uma quantidade de recursos muito maior
que a destinada para as políticas de emprego ou para a recuperação social.
O sonho de voltar ao passado também foi o motivo da
criação do Tea Party nos Estados Unidos – criado pela ala radical do Partido
Republicano – e da vitória de Justin Trudeau no Canadá. As diferenças entre
Estados Unidos e Canadá foram claramente reduzidas pelo primeiro-ministro
Stephen Harper, que acaba de deixar o cargo. Os canadenses quiseram voltar aos
bons tempos de Pierre Trudeau, elegendo o seu filho Justin nas eleições
federais de 19 de outubro.
Enquanto o Ocidente pode sonhar com uma idade de
ouro recente, no Sul do mundo, o nacionalismo, irmão gêmeo da nostalgia
política, está aumentando – especialmente no caso dos países com um passado
glorioso, e me refiro não só ao Japão de Shinz%u04D Abe e à China de Xi
Jinping, mas também à Índia, à Tailândia e ao Sri Lanka.
Se apresenta, assim, um problema para o Ocidente.
Atualmente, existem 60 milhões de refugiados, sem considerar neste número os
que enfrentam perseguições sexuais, como os gays na África, ou as mulheres que
enfrentam o Boko Haram na Nigéria. Tampouco estão contabilizados os que estão
obrigados a escapar das mudanças climáticas – que, segundo a ONU, serão outros
15 milhões até o ano de 2025 –, que devem ser somados aos que lutam contra a
fome e contra as ditaduras.
O termo “migrantes” é muito mais representativo da
realidade que a palavra “refugiados”, que são, para a Europa, somente os que
fogem de conflitos claramente reconhecidos. E o Ocidente está por trás de
muitos desses conflitos. Se calcula que desde que a Rússia começou a intervir
na Síria, deve haver uns 150 mil sírios refugiados da guerra, aumentando o
êxodo que já existia.
A expansão demográfica é clara. A África terá um
bilhão de habitantes em 2030, enquanto a Europa vai perder ao menos 15 milhões
este ano. A Europa que conhecemos, homogênea, branca, cristã e tolerante vai
desaparecer. Isso, inevitavelmente, vai requerer uma boa dose de sofrimento.
Os Estados Unidos vai se transformar num país
multicultural e multiétnico em pouco mais de cem anos. De acordo com os
registros da ilha de Ellis, o ponto de entrada de imigrantes mais importante do
país, nove milhões de irlandeses, alemães, austríacos e escandinavos entraram
no país nos tempos do barco a vapor, além de outros oito milhões de poloneses,
búlgaros, romenos, húngaros, russos e bálticos, e mais uns cinco milhões de
italianos e gregos.
Em poucas décadas, um total de 22,5 milhões de
europeus se tornaram norte-americanos. A Europa não está preparada para abrigar
nem mesmo um décimo disso.
* Jornalista ítalo-argentino, cofundador e ex-diretor-geral
da Inter Press Service (IPS). Nos últimos anos, também fundou Other News, um
serviço que difunde “informação que os mercados eliminam”.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Imigrantes europeus nos Estados
Unidos
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