O que causa enorme controvérsia é a aparente
cooperação dos procuradores brasileiros com a justiça norte-americana,
fornecendo provas contra a Petrobras.
Rennan Martins – Desenvolvimentistas // www.cartamaior.com.br
Além das mudanças de rumo no tocante ao nível de
investimento e estratégia de longo prazo da Petrobras, a Lava Jato desencadeou
uma série de processos contra a estatal na justiça norte-americana. Se aqui o
entendimento é de que houve um saque à empresa promovido por um cartel de
empreiteiras, nos EUA alguns setores concebem que a própria Petrobras tem
responsabilidade pelo ocorrido, devendo ressarcir acionistas e responder por
infração à legislação de valores mobiliários local.
Tais processos, no entanto, já eram esperados,
tendo em vista o oportunismo dos agentes de mercado, que os transformam em
estratégia para auferir lucros, sendo a justiça em si algo marginal. O que
causa enorme controvérsia nessa questão é a aparente cooperação dos
procuradores brasileiros com a justiça norte-americana, fornecendo provas
contra a Petrobras, o que abre uma série de questionamentos em relação a
soberania e interesse nacional brasileiros.
Na opinião do entrevistado André Araújo, que é
advogado da área internacional com escritório em Washington, ex-Conselheiro da
CEMIG e ex-Presidente da EMPLASA, a cooperação com as autoridades
norte-americanas configura um ataque ao interesse essencial do Estado
brasileiro, constituindo “interferência” e “intromissão” em nosso sistema de
poder. Araújo destaca que os prejuízos à Petrobras podem superar os US$ 5
bilhões, lembrando ainda que enfraquecer a estatal “atende a interesses
geopolíticos dos EUA”.
Confira:
De que forma estão se desenrolando os processos
contra a Petrobras nos EUA? O que os acionistas alegam para processar a estatal
brasileira?
A. Araújo: Há três conjuntos de processos: O da
Comissão de Valores Mobiliários (SEC), do Departamento de Justiça e dos
acionistas minoritários, chamadas “ações coletivas”, que tem a porta aberta
para novos acionistas irem aderindo. As duas primeiras são ações públicas e a
última é ação privada, mas que vai usar a “alavanca” das ações públicas.
É verdade que existem procuradores brasileiros
colaborando com a justiça norte-americana contra a Petrobras? Se sim, isso é
legal?
A. Araújo: Parece evidente que sim. A base legal
seria o Acordo de Assistência Judiciaria Brasil-EUA de 2001, aprovado pelo
Decreto 3.810 assinando pelo Presidente FHC. Mas o Acordo tem uma exceção pela
qual a colaboração não cabe, é o Art.3º – Item 1 – Letra b) quando a
colaboração vai contra o INTERESSE ESSENCIAL do Estado contratante. A Petrobras
é controlada pelo Estado brasileiro que nela tem um interesse essencial, então
o Estado não pode ajudar outro Estado a processar a sua empresa, porque isso
atinge o interesse essencial do Estado-parte, nesse caso o acordo em questão
não poderia operar.
De modo geral, os Acordos de Assistência Judiciaria
tem como objetivo a persecução criminal de delinquentes que operam internacionalmente,
esses acordos NÃO foram, de modo algum, pensados para entrar na área politica
de cada um dos Estados contratantes, não cabe a outros Estados se intrometerem
na área politica de outros países e os eventos em torno da Lava Jato são essencialmente
de natureza politica. Acordos de Assistência não são desenhados para esse tipo
de caso sensível nas relações de poder dentro de um Pais.
Corrupção política tem efeitos imediatos sobre as
relações de poder internas de um País e nunca se poderia cogitar de envolver
outros países nessa luta porque esta interferência significa clara intromissão
no sistema de poder do Estado contratante. Não consta, por exemplo, que o
México, vizinho de cerca dos EUA, tenha alguma vez cogitado pedir apoio do
Departamento de Justiça para combater a corrupção política dentro do México,
que é histórica.
Existe algum acordo de cooperação entre os EUA e o
Brasil? Seria possível requisitar dados comprometedores relativos a empresas
norte-americanas ao judiciário de lá?
A. Araújo: Existe o já indicado Acordo de 2001,
nunca soube que o Brasil tenha requerido assistência do Departamento de Justiça
em casos como o do contrabando da CISCO, do vazamento de petróleo da CHEVRON ou
dos pilotos do Legacy.
Se houvesse esse pedido por parte do Brasil não sei
se seria atendido, examinariam o caso com extremo cuidado se fosse o caso de
atingir uma empresa americana. O acordo não foi pensado para isso, foi
desenhado, por exemplo, para pegar um estelionatário brasileiro que fugiu para
Miami.
Que levaria um policial, procurador ou juiz
brasileiro a cooperar com autoridades norte-americanas? Em que bases se dão
estas relações?
A. Araújo: Pela visão focada exclusivamente nas
suas funções, que eles transformam em missão. Então para fazer justiça vale
procurar ajuda de outro Estado, sem pensar que essa ajuda tem um preço e que
esse preço pode atingir outros interesses do Brasil. Nesse caso da Petrobras,
NUNCA deveriam pedir ajuda dos EUA porque essa ajuda coloca o Departamento de
Justiça dentro do processo no Brasil e foi a partir dessa ““puxada para dentro
do processo” que o Departamento de Justiça iniciou seu próprio processo contra
a Petrobras, o que pode custar CARÍSSIMO ao Brasil. O Brasil foi a Washington
procurar sarna para se coçar, sem o processo de Curitiba não haveria o processo
de Washington.
Até que ponto esta influência estrangeira trabalha?
É possível dizer que os EUA usam desta visando uma determinada agenda
geopolítica?
A. Araújo: Não acredito que haja um plano
estratégico previamente elaborado. O Departamento de Justiça funciona como o
Ministério Público aqui, são profissionais do mesmo perfil, com o mesmo senso
de missão. Não acredito que eles vejam outros interesses dos EUA, mas
involuntariamente esse processo pode fragilizar a Petrobras, e dentro da
politica geral americana, desde a criação da PEMEX em 1938, os Estados Unidos
são ideologicamente contra petrolíferas estatais em qualquer Pais, portanto,
nesse contexto, enfraquecer a Petrobras atende a interesses geopolíticos dos
EUA a longo prazo.
Existiriam meios para os Estados se protegerem
destas manobras? Que se pode fazer quanto a isso?
A. Araújo: Os Estados NÃO devem usar com frequência
e de forma leviana esses Acordos de Assistência e estes DEVEM sempre ser
monitorados pelo Ministério da Justiça para que não se use a toda hora. A vinda
de Promotores estrangeiros ao Brasil deveria ser autorizada com cautela e rigor,
não pode ser uma coisa tão liberada como parece ser e resta a saber se o
Ministério da Justiça, que é a AUTORIDADE CENTRAL dentro do Acordo, está ciente
dessas viagens e se as autorizou, pelo que sei, ninguém consultou o Ministério
da Justiça para anfitrionar colegas americanos em Curitiba.
Na minha opinião esse Acordo JAMAIS poderia ser
invocado no caso da Lava Jato, que é um grande caso politico antes de ser
judiciário, a ser resolvido exclusivamente dentro do Pais sem recorrer a
autoridades estrangeiras que uma vez envolvidas vão ver seus próprios
interesses, como já aconteceu nesse caso, e o que parecia um caso de
colaboração desinteressada vira uma bomba para o Brasil.
Quanto a Petrobras. Que estratégia a empresa adotou
para se defender nas cortes norte-americanas? A perspectiva é de vitória ou
podemos esperar prejuízos?
A. Araújo: Pelo que sei o que foi feito até agora é
contratar dois escritórios de advogacia americanos para investigações internas,
contratados por quase R$ 200 milhões. Não soube da contratação de escritórios
para defesa na ação FCPA do Departamento de Justiça, na SEC e nas ações
coletivas, e nem da contratação de escritórios de lobby para defesa politica da
Petrobras em Washington. Quer dizer, não digo que não foram contratados
advogados nos EUA, digo que não sei se foram.
Qual o potencial de prejuízo desses processos, que
valores estão envolvidos? Qual seria a melhor estratégia de defesa levando em
conta as peculiaridades da justiça norte-americana?
A. Araújo: O potencial de prejuízo dos processos
varia de US$ 1,6 bilhão, primeiro número que saiu na imprensa americana como
multa do DofJ para a Petrobras, até US$3 bilhões, para esse mesmo processo. Os
demais processos especialmente das class actions, que são ações coletivas de
minoritários, fala-se US$1 bilhão a US$2,5 bilhões, mas se tratam de
estimativas ainda muito vagas.
Quanto ao processo de defesa acho, no meu modo de
ver, muito conformista às pretensões do sistema americano, na minha opinião a
linha de defesa deve ser mais contundente e não tão conformista como parece ser
a linha da Petrobras, o Brasil não é apenas uma companhia, tem o peso do Estado
que não está sendo usado. Em um processo internacional há outros vetores de
País a País que não se usam em processos apenas internos nos EUA, os tipos de
advogados que estão sendo contratados são adeptos do sistema americano e operam
sem contestá-lo. A pretensão da lei americana de aplicar jurisdição da FCPA a
empresas brasileiras – que não tem qualquer negócio nos EUA – como já disseram
que pretendem fazer, é disconforme ao direito internacional e nenhum Pais
aceita tal projeção extraterritorial de jurisdição. Tal pretensão é
completamente politica e eles não ousam se aventurar contra empresas russas e
chinesas, mas vão pretender contra empresas brasileiras, como está no despacho
da Reuters de agosto passado.
No geral acho a defesa brasileira extremamente
conformista e muito tímida. Minha linha de argumentação é que a Petrobras é
vítima e não autora, portanto não pode ser ré da FCPA. A pergunta que faço
frente a este quadro é: Porque não há processos contra a SANANGOL, empresa que
vende todo o petróleo produzido em Angola aos EUA, e de onde saíram
megafortunas roubadas que inclusive estão na lista da FORBES?
Créditos da foto: desenvolvimentistas
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