Apesar dos países hegemônicos produzirem a visão
dominante, o pensamento latino-americano vem ganhando espaço na última década.
Darío Pignotti, enviado especial a Medellín // www.cartamaior.com.br
Com a participação dos ex-presidentes Luiz Inácio
Lula da Lula, do Brasil, e José Pepe Mujica, do Uruguai, entre outras
personalidades destacadas, o congresso do Conselho Latino-Americano de Ciências
Sociais (CLACSO), realizado na cidade colombiana de Medellín, estimulou o
debate sobre a paz e teve uma repercussão importante, num contexto em que o
governo e a guerrilha das FARC continuam negociando em Cuba para dar um fim à
guerra civil iniciada há meio século. A participação multitudinária nos eventos
do CLACSO, o mais vigoroso dos “tanques de ideias” latino-americanos, foi
também uma batalha por influir na agenda colombiana, onde parte da mídia e
grupos de interesse trabalham para sabotar a paz.
Think tank hegemônico
No calor da guerra ideológica e da contenção do
comunismo, os primeiros think tanks estadunidenses ganharam especial influência
em diversos países, incluindo a América Latina.
Algumas dessas usinas de pensamento adquiriram
protagonismo nos Anos 80, elaborando papéis que serviram de inspiração para o
ex-presidente Ronald Reagan, um anticomunista primário que teve como
vice-presidente, em seus dois mandatos, a ninguém menos George Bush pai, um
republicano mais sofisticado e ex-diretor da CIA.
As análises e guias de ação consultadas pela Casa
Branca podiam ser elaborados em institutos privados, em centros acadêmicos ou
organismos oficiais como a CIA, o Departamento de Defesa ou o Departamento de
Estado.
Essas instituições públicas e privadas costumam
contar com o apoio dos grandes meios de comunicação e fóruns de discussão, e
através dessa articulação conseguem propagar mais facilmente seus pontos de
vista.
Nos Anos 80, as políticas de Ronald Reagan eram
guiadas por “papers” elaborados pela Heritage Foundation e pela CIA. Os
documentos Santa Fe I e II delinearam os objetivos e as estratégias
norte-americanas para garantir a supremacia no Hemisfério e abortar a ameaça
dos movimentos progressistas.
Nesses dois informes se manifestam com total
nitidez os fundamentos para que a Colômbia seja uma espécie de protetorado
militarizado de Washington.
Quem repassar esses “papers” encontrará neles a
base doutrinária sobre a qual se justificou a participação encoberta da DEA e
da CIA apoiando as forças armadas e o paramilitarismo – este último bastante
ligado ao narcotráfico.
Guerra de ideias assimétrica
A América Latina, onde vários países iniciavam suas
transições à democracia após décadas de ditaduras, estava defasada nessa guerra
de ideias que se incrementou nos Anos 80 e 90 – esta segunda, uma década onde
se impôs com ênfase a ofensiva neoliberal, sobretudo após a queda do Muro de
Berlim.
“Os Anos 90 foram de resistência” para o CLACSO,
diante da supremacia do pensamento único, para o qual não havia nada fora do
mercado, explicou Pablo Gentili, secretário-executivo da entidade, em
entrevista para Carta Maior.
As receitas indicadas pelo Consenso de Washington
em 1989 serviram de inspiração às administrações do brasileiro Fernando
Henrique Cardoso e do argentino Carlos Menem, prominentes exemplos da hegemonia
liberal e do alinhamento automático aos Estados Unidos.
A última década do século passado, após a queda do
Muro de Berlim na Europa e a derrota da Revolução Sandinista na Nicarágua,
marcaram uma nova fase do plano de dominação hemisférica.
Dentro desse ambiente de reordenamento das forças
progressistas, num cenário ao qual se pode incluir a derrota de Luiz Inácio
Lula da Silva contra Fernando Collor de Mello, em 1989, o presidente
republicano George Bush apresentou, em 1990, a Iniciativa para as Américas, que
seria o embrião da ALCA – o projeto mais ambicioso, de uma área de livre
comércio.
Em 1994, seu sucessor, o democrata Bill Clinton foi
o anfitrião da I Cúpula das Américas, realizada em Miami, poucos meses depois
da criação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, conformado por Estados
Unidos, Canadá e México.
Contra-hegemonia
Onze anos depois daquele encontro em Miami, em
novembro de 2005, se materializou a contraofensiva orgânica dos governos
progressistas e da esquerda latino-americana contra a agenda imperial. Foi
durante uma nova edição da Cúpula das Américas, dessa vez em Mar del Plata,
quando a troica formada por Lula da Silva, Néstor Kirchner e Hugo Chávez
abortou o projeto da ALCA, impulsionado por George W. Bush, filho do mentor da
Iniciativa para as Américas.
“Durante os governos de Lula, Kirchner e Chávez,
começamos a ganhar espaço. Foram anos de crescimento para o CLACSO, que
duplicou o número de instituições associadas”, recorda Pablo Gentili.
Apesar de “os países hegemônicos serem os que
produzem a visão” dominante, o pensamento latino-americano vem ganhando espaço
na última década. “Na América Latina, nós temos uma grande capacidade de
produção acadêmica autônoma, rigorosa, séria. Temos um pensamento próprio,
capaz de analisar o mundo e disputar seus espaços de pensamento”, observa
Gentili, que foi reeleito para dirigir este “tanque de ideias”
contra-hegemônico que é o CLACSO.
O encontro realizado na Colômbia coincidiu com o
décimo aniversário da Cúpula de Mar del Plata, o que significou não só uma
derrota para Bush mas também para seus dois escudeiros latino-americanos: os
então presidentes do México, Vicente Fox, e da Colômbia, Álvaro Uribe – este
último, atual senador com muito poder e influência em Medellín.
Por isso a importância de que o congresso do CLACSO
tenha sido celebrado nesta cidade, onde convivem, por um lado, uma intensa vida
acadêmica e intelectual, e por outro o poder obscuro dos paramilitares, da
família Uribe e dos grupos de interesse que sabotam o processo de paz.
“Esta grande assembleia popular organizada pelo
CLACSO nos demonstra a força extraordinária da combinação entre o pensamento e
a ação. Vimos no evento como importantes intelectuais formularam ideias
voltadas à luta pela paz, à soberania, à integração. Planos e teses discutidas
nas comissões de trabalho, onde houve mais de 30 mil jovens”, comentou Ramón
Torres Galarza, embaixador para Assuntos Estratégicos do governo do Equador.
“Não viemos até Medellín para refletir
contemplativamente: viemos em missão política, para nos pronunciarmos contra um
conflito que só interessa aos senhores da guerra norte-americanos e ao
paramilitarismo colombiano. O pensamento crítico é uma arma de combate”.
“Neste momento de democracias em revolução, é
extraordinário que milhares de jovens e militantes de vários países tenham
participado na reunião do CLACSO, para avançar nesta aventura da Pátria Grande
latino-americana”, reforçou o embaixador no diálogo com Carta Maior.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula
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